A Ortografia de Nossa Língua (pela simplificação ortográfica)

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Tese para concurso à cadeira de Português do Ginásio Mineiro de Belo Horizonte.

Imprensa Oficial de MG, 1933


"Num homem bem nascido releva-se mais, e é menos vergonhoso, um erro de sintaxe,
que um erro de pronunciação ou de ortografia, porque aquele pode nascer da
inadvertência: estes são sempre efeito da má educação".
(Soares Barbosa - Gramática Filosófica)

"Dai-me um bom alfabeto e eu vos darei uma língua bem feita. Dai-me uma língua
bem feita e eu vos darei uma boa civilização".
(Leibnitz)

"Je n'ai fait celle-ci plus longue que parce que
je n'ai pas eu le loisir de la faire plus courte".
(Pascal - 16ª Provinciale)


Os empedernidos[editar]

Gonçalves Viana, em 1904, terminou o prefácio da ORTOGRAFIA NACIONAL com as seguintes palavras que Álvaro Ferreira de vera punha no fim de sua ORTOGRAFIA, em 1631:

"Aquelle que lhe parecer boa, sigaa;
e aquelle a que não, emmendea."

Hoje, em 1933, quando anda tão visível o racional e bom que é a grafia simplificada, repetindo as mesmas palavras, somente as mudarei de leve, no fim:

"Aquele que lhe parecer boa, siga-a
e aquele a que não, emende-se."

Prefácio[editar]

     Era natural a dificuldade na escolha de tema para uma tese de concurso. Hesitei entre os assuntos.

     Oscilei numa primeira veleidade de estudar a etimologia e ortoépia dos vocábulos de origem grega. Recuei, porque o motivo é intricado e vário. Atraente, mas desordenado e discutibilíssimo. Levar-me-ia mais tempo do que o têm, mesmo os folgados. E, ainda por cima, ia deixar-me enredado e vulnerável, como guerreiro desapercebido, em campo raso.

     Namorei, algum tempo, matéria como o latim e o conhecimento profundo da língua portuguesa. Serviria para tiradas mais ou menos filológicas, e seria atual, para recriminações pedagógicas. Mas de caráter, por muito, especulativo.

     E o processo histórico das palavras evolutivas (leis fonéticas)? Ou a corrente erudita e a corrente vernácula (formas divergentes)? Ou ainda a língua portuguesa e a língua brasileira?

     Até me passaram, na revista, questões especificadas de sintaxe, como as safadas dúvidas do se ou do infinito...

     E acabei optando pela ORTOGRAFIA...

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     Imaginei que ficasse melhor, por menos pretensioso, o título GRAFIA de nossa língua. Como, porém, a grafia aqui defendida vai exposta na convicção de ser a certa, achei mais afirmativo o nome ORTOGRAFIA.

     É o velho e revelho problema da escrita. Escrita ou escritura, como lhes aprazia dizer, a mais antigos escritores.

     Para os brasileiros, ele continua insoluto, ou continua problema, apesar de exatamente o ter deixado de ser, porquanto problema supõe coisa a resolver... E, de há anos, a nossa grafia está racionalizada pelos estudiosos. Em moldes que só o descuido, a superficialidade, a anarquia e mais causas sensatamente indefensáveis, não quiseram admitir.

     Problemas resolvidos que continuam ... problemas.

     É a moda de hoje em dia. Muitos deles aí estão, desafiando e desesperando a humanidade, que os não resolve, apesar de conhecidas a resposta e a marcha das operações. Sobretudo, entre os da chamada questão social.

     Tem-nos faltado é a coletiva coragem e força do esforço realizador, no sentido para que o bom senso está cansado de apontar.

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     Parecerá um tanto indefinida, no título da tese, a restrição de nossa língua. Poderia ter sido mais claro. Houve, porém, no meio, uns escrúpulos e dificuldades... nacionalistas.

     Se nomeasse o meu trabalho com a epígrafe "ORTOGRAFIA da língua portuguesa", estava bem, mas, já não tanto, o meu sentimento nacionalizado e brasileiro, na questão.

     Se o frontispiciasse com o nome "ORTOGRAFIA da lingua brasileira", isto realmente me contentara, mas poderiam tachar-me de vanguardista, justamente ao concorrer a uma cadeira de português, em estabelecimento de ensino, lugar onde se presume não poder faltar moderação e lastro de forças conservadores.

     Que o encimasse, então, com o titulo "ORTOGRAFIA racional", como fez Gonçalves Viana. A insuficiência restritiva era a mesma. E a mesma que também há, por exemplo, na denominação "Idioma nacional", da série Antenor Nascentes.

     Variei. E cá está a minha ORTOGRAFIA DE NOSSA LINGUA, tese com que espero ser declarado hábil para ensinar língua pátria, no Ginásio Mineiro de Belo-Horizonte.

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     Não leve, antes muito pesada incumbência é o ensino da língua pátria, em nossos tempos. Todos os professores se queixam de que o ensino do vernáculo decaiu, espantosamente. Por toda parte, por todo o Brasil...

     Veja-se o que falou o sr. Sud Menucci num congresso de professores, há anos, em Campinas:

"Um fenômeno sintomático, doloroso e alarmante, impõe-nos, de há longos anos a estes, dias, sério problema educativo, a que, pelo fato de se dar em S. Paulo, bem se poderia chamar de problema nacional: é a verificação de que existe, entre o passado e o presente, uma assombrosa baixa de nível da cultura do vernáculo, da parte da população paulista, baixa de nível que se vai, progressivamente, acentuando numa carreira vertiginosa e que chegará onde não se sabe..." (Ap. Mota Assunção - Origens e ortografia da língua brasileira).

     As causas do mal são profundas. O nosso homem de agora, que se americaniza, não estuda latim, não quer saber de conhecimentos especulativos nem de atenção a regras coercitivas da própria instintividade. O excesso subjetivo, de que sofremos, nega a hierarquia e nega o cânon, praticamente, embora o preguem a autoridade e a tradição.

     Antigamente, os mestres impunham. Hoje, eles expõem. Inutilmente, o mais das vezes.

     O conceito de homens de direitos, sem deveres - que é desastradamente o nosso - atrapalhou as pautas, desrumou os caminhos e nos lançou no toú-boú destes tempos.

     Depois, o homem de antes - o brasileiro de 1833, por exemplo - não encontrava tanta complicação em que se educar. Tinha diante de si uma área menor de campo científico, uma quantidade modesta de disciplinas, uma carga forte de clássicos, com latim, muito latim. A vida nacional era mais ou menos estanque. Ele não tinha as solicitações veementes e diversas, da sociedade moderna. Tudo ajudava, no aprofundamento, a quem desejava aprender a língua.

     Com o século 19, o homem adoeceu de obsessão científica. O estudo das humanidades perturbou-se. O gosto dos clássicos diminuiu. E o comércio deles também. Começou a realizar-se aquele anseio do poeta, que indagava:

"Qui nous délivrera des Grecs et des Romains?"

     O latim foi deixando de ser língua corrente entre os letrados. No Brasil, chegou ao estado de língua desconhecida, essencialmente desconhecida, em que o temos, agora, no ensino secundário.

     E veio toda uma ladainha de misérias contra o ensino do vernáculo: o destempero, a deficiência, a desordem permanente do ensino; a solicitação utilitarista das ciências práticas; o excesso delas, absorvedoras da atenção e capacidade aquisitiva do discente; o desgosto literário e artístico; a dispersão e superficialidade intelectual gerada na degeneração e dissolvência de nossos regímens escolares; a atração esportiva; o cinema; a multiplicidade social que a vida exige, hoje, do indivíduo; o internacionalismo cada vez mais intenso (cinema, rádio, etc.); e a não defesa da língua que se invade de estrangeirismos, coisa fatal num país de importação, de rádio americano, cinema americano, automóvel americano, "chic" francês, literatura francesa, esporte anglo-americano, etc.

     Efetivamente, com a coisa importada, entra o nome. Se o temos, correspondente, em vernáculo, não o sabemos ou o não adotamos... e o estrangeirismo corre as avenidas das cidades, as colunas dos jornais e revistas, as páginas dos livros. Sem. nem, ao menos, mudar de roupa. Quando muito, pessimamente entrajado por algum torto alfaiate, que nunca possuiu a fita métrica da lingüística.

     É a ação dissolvedora, fatal, a que está submetido o nosso idioma.

     Contra a pouca de força conservadora, de força coibitiva da desagregação, fazemos nossa revolta espiritual de Prometeus desacorrentados. Revolta de geração que cortou as amarras com o passado. Que não quer saber de princípios. Que cria o seu ritmo livremente, como deseja o sr. Ronald de Carvalho. Que é livre, livre de todo. "Laqueus contrictus est et nos liberati sumus", repetiria ela, se conhecera o latim e a Bíblia.

     Só uma lei nos guia: o instinto dos direitos. Para que respeitar o que as gerações acumularam e nos é impingido como sabedoria e valor?

     Esta rebelião, de tendência social e pragmática, tomou todas as feições. Na arte e na literatura, ele atentou violentamente contra a força dogmática de cânones imemoriais. Na língua, feriu profundamente a princípios tradicionais e a regras de gramática. O jornalista apressado, o croniqueiro das revistas e o tradutor de empresa tomaram conta da sintaxe e dos leitores, porquanto é quase só o que se lê.

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     A diferença de mentalidade é contrastadamente forte, entre o moço de outrora e o moço de hoje, na classe dos que estudam e se fazem doutores.

     Outrora, o rapaz tinha medo de quebrar um princípio de etiqueta, num salão, ou um princípio de gramática, numa poesia.

     Refaçamos o caminho que fizeram tantos de nossos maiores. Aqui em Minas-Gerais.

     Vamos, primeiro, ali ao Caraça. A "domus alma", alcandorada entre penhascos, ninho fecundo onde se acalentou e nutriu, substanciosamente, a inteligência mineira, por todo o primeiro e segundo império. Onde o curso de humanidades era muita coisa e o latim era tudo. (Aliás, já dizia o mestre: "Do latim que, estudado como cumpre, constitui por si só um curso de humanidades..."). Onde a imaginação do colegial quase acabava acreditando que os titãs da lenda por ali haviam andado, a estourar penedias, e Virgílio, a pastorear à orla dos bosques, ou Cícero, a trovejar catilinárias, nalgum daqueles salões.

     Com os bolsos cheios de frases latinas, ia a gente bacharelar-se a S. Paulo, como no norte se ia a Recife.

     Ia-se longamente, com todo o aparato da viagem.

     Uma das causas que mais contribuíram para a refinamento e apuro do espírito cavaleiresco, na Idade Média, foi a natural seleção, nascida das exigências materiais, que só a donos de feudos permitiam o ingresso na classe. A importância crescente e predominante dos peões ou infantes, nas guerras, dessorou, aos poucos, aquele espírito concentrado e alto, para o alargar na vulgaridade anônima do soldado-multidão.

     Também durante o Segundo Império, as dificuldades naturais da época aprimoraram o espírito de nossas elites.

     O estudante ia para S. Paulo cheio do conceito distincional de um cavaleiro. As aulas da Faculdade se dirigia ele, de redingote e chapéu alto. Era sisudo, nas oportunidades em que lhe cumpria ser gêntleman.

     Se mal aprendera a língua, à hora fatal de perpetrar os primeiros versos, o primeiro artigo, o primeiro discurso, corria fervorosamente para uma gramática e um dicionário. O horror de cincar forçava-o a queimar pestanas. Amedrontava-o mais a sintaxe do que a censura de Horácio às produções que rescendem azeite, cheiram a esforço ...

     Hoje, entretanto ...

     O cinema, o clube, o rádio, o automóvel, o esporte, e toda a invasão americana, transformaram nosso rapaz.

     Não é sisudo, é irreverente. Não lê os poetas, joga futebol. Não vai quase à faculdade, cola no exame. Não tem cerimônias com a etiqueta, é de educação esportiva.

     Suas relações sociais se preenchem e satisfazem com os salões de cinema, de teatro, de clubes dansantes, no cosmopolitismo urbano de uma vida sem muita censura nem a imediata presença constrangedora de senhores graves e matronas respeitáveis.

     Nada daquele distinto, daquele sério, daquele cavaleiresco de outróra.

     É o desbordamento dos peões ou infantes, na hora de tendências coletivizadoras, que a sociedade vive.

     Não literatiza, nem verseja; é da "cancha"

     Sua ambição, quando voltada para as preeminências, não é a conquista honesta e franca dos postos, nem é o lugar num parlamento hierático, ressoando, com discursos impressionantes, mas a guindagem cavilosa, a infiltração capilar das Tramas ocultas, a locação sub-reptícia das "cavações" dos bastidores.

     Quando se arrisca à literatura, ou, por qualquer motivo, escreve, não o preocupa a dignidade e decência da linguagem. É modernista e insulta a gramática. É superior a miudezas e canta o libertarismo dos espíritos largos. No íntimo, sente a angústia da própria insuficiência, e escreve como pôde ficar sabendo, ao longo dos anos avariados e pecos, que esperou, no secante currículo ginasial.

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     Não me tomem por saudosista. Guarde-nos Deus de uma mocidade grave e solene, em vez de alegremente esportiva.

     O que ando é verificando um fato.

     O nosso aparelhamento educacional não soube represar a inundação americana. Não soube convenientemente prevenir-se para canalizar e sublimar as novas tendências da mocidade.

     Ele suplicia-a, pelo contrário, tantálicamente, num curso de humanidades em que o jovem está sempre com sede. Não que a água fuja diante dele, como ao Tântalo da Lídia. Mas porque a sente dessaborida, e, não raro, engulhante.

     As disciplinas, reputa-as o aprendiz cacetíssimas, porque sua alma dos dias se acha instintivamente integrada nas preocupações do esporte, do cinema e nas mais, da vida hodierna.

     Nos Estados-Unidos e na Inglaterra, a educação física, o esporte, ocupa um larguíssimo espaço, no programa universitário. Espantam-se, mesmo, os franceses com a largueza desta margem. Em compensação, os ingleses não compreendem como os franceses podem suportar tantas horas de línguas e de ciências, no inventário escolar.

     Em todo caso, os franceses, muito concienciosamente, executam o seu programa e mantêm a instrução em um nível a que facilitam a tradição plurissecular de povo civilizado e o primor alto do espírito gaulês, que eles contrapõem, corajosa e nacionalmente, à invasão saxônica do espírito esportivo do século.

     Nós, porém, ai de nós!

     Não tínhamos aparelhamento, como não temos. Tratávamos de o construir, apoiados numa rotina copiada de Portugal e de França. Veio o futebol da Inglaterra. Veio o outro espírito, da América do Norte. Multiplicaram-se as solicitações. Não represadas, as forças novas arrasaram, alagaram os alicerces frágeis de nossos velhos programas educacionais.

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     Se antigamente o curso de humanidades não aparelhava alguém para um manejo vulgarmente correto da língua, o respeito à convenção, o sentimento de responsabilidade social, encarregava-se de o apertar e o obrigava à autodidaxia.

     Atualmente, na generalidade dos casos, o rapaz chega ao fim do curso, desaparelhado também, mas sem nenhum sentimento de diminuição intelectual e nenhuma força que o instigue à aprendizagem particular.

     Não é fácil o tempo calmo, com a pressa e utilitarismo que nos dominam, em uma época acelerada de automóvel, rádio e telefone. A leitura caiu no ritmo precipitado do devorador de jornais e magazines. O jornal mudou-se para um acervo de informações telegráficas e reportagens sensacionalistas - tudo mal redigido, mal digesto, mal irrigado, porque o repórter, o escrevinhador, não têm tempo.

     São eles os piores inimigos da língua. São os amigos dos chavões, das frases feitas, dos torneios viciados, das ladainhas de períodos ocos. O jornal é o celeste império do solecismo.

     E a língua empobrece, recua de seu aprimoramento, deserta de suas peculiaridades saborosas, pantanaliza-se numa continuidade grossa de vulgaridades.

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     E não é tudo. País de imigração intensa e importação quase absoluta - para os produtos da técnica, da ciência, das modas e das tendências sociais: tudo que dá aparência de civilização - vemo-nos inundados de estrangeirismos de língua inglesa e francesa.

     Não sabemos batizar, ou batizamos barbaramente, a cousas de eletricidade, máquinas e peças para automóveis, para cinema, para rádio, para indústrias, para medicina, para engenharia, etc. - que tudo nos vem, no meado, dos Estados-Unidos ou Inglaterra ou Alemanha. Entendemos de esportes numa terminologia toda inglesa. De moda e culinária, nossas idéias são em francês.

     E o rádio - que nos capta Shenéctady ou Buenos Aires, o cinema - com sua intensidade americana - cada vez mais nos internacionalizam, nos fazem afluentes, nos fazem tributários de um cosmopolitismo inevitável.

     Quem mais o denuncia é a língua.

     Enquanto, no século 16, a Espanha teve hegemonia universal, o castelhano era castiço, diz a Espasa-Calpe. Do século 17, em diante,- ele encheu-se de estrangeirismos, do francês, sobretudo.

     O português saiu do latim. Do latim castrense, que os soldados romanos disseminaram na Ibéria. E foi com o lêvedo das invasões germânicas que se fermentou o sermo plebeius, de que saiu nossa língua.

     Pois bem, todas as contribuições ou descontribuições acima referidas têm uma força de lêvedo extraordinária.

     A língua que já chamamos brasileira vai fermentar-se, com injeções de línguas estranhas.

     Estamos barbarizando-a, outra vez. Nós, indios, negros, ex-portugueses, italianas, alemães, polacos, do Brasil.

     As invasões germânicas dissolveram definitivamente o latim. As invasões francesa e americana vão dissolver o português, do qual há de nascer a realmente língua brasileira.

     Não nos esqueçamos de que outrora o processo das mutações era lento. Lento, porque os povos viviam, consigo mesmos, insulados nas suas extensões territoriais, nos seus preconceitos acirrados de patriotismo, mal vencido, por um intercâmbio de "câmera lenta" ou intercâmbio, nenhum, exterior.

     Hoje, a velocidade suprimiu as distâncias.

     O rádio criou um tipo de ubiquidade relativa, que a televisão aperfeiçoará, dentro em breve.

     Os povos interdependem de maneira complexíssima.

     A atuação das forças diversas sobre a língua será incomparavelmente mais rápida.

     Bem sei que a decadência da língua e do estilo não é mal só nosso. Os efeitos da guerra foram universais. O modernismo literário, que implica insurreição contra cânones artísticos e sintáticos, veio-nos da Itália e da França. Grassou também por vários outros países.

     Já Albalat, num dos seus últimos livros - não me lembra se no Comment on devient écrivain ou no Comment il ne faut pas écrire - francamente se queixa da decadência do estilo francês.

     Em vários países, entretanto, a pedagogia vem cuidando de remediar, por um esforço adequado, a diferença dos tempos, com auxilio da técnica e da precisão, da metodologia baseada no estudo do assunto e da psicologia educacional.

     Mas nós, cobro nenhum temos posto, ainda, à derrocada em que vai o ensino da língua e todo o ensino secundário.

     Graças aos céus, que algum movimento e conserto - ou concerto - se vem fazendo promissoramente, no ensino estadual de Minas-Gerais. Comprovam-no a reforma deste e a Escola de Aperfeiçoamento pedagógico. O tempo trará o mais que necessário seja.

Metodologia[editar]

                 "Savoir suggérer c'est la grande finesse pédagogique".
                 (AMIEL - Pensées choisies).

     A questão do ensino da língua não está na ciência profunda do professor. Está num conhecimento de métodos e processos que enquadrem o ensino na capacidade aquisitiva e no interesse do aluno.

     É muito, e muito bem, que eu saiba e maneje o idioma. Contudo, para que eu transmita à juventude os meus conhecimentos, é forçoso que eu trilhe caminhos que cheguem realmente à compreensão e bom lucro, dela. Sob pena de minhas lições se perderem, no espaço, como setas atiradas sem prévia e cuidadosa mira.

     Segurança e recurso de métodos exige-os, mais do que qualquer, o ensino da língua. Entre nós, o mal maior tem sido o gramatiquismo e o conceito de ensino, dele resultante.

     Gramática de uma língua é o conjunto de regras para bem a falar e bem a escrever.

     Bem falar e escrever é, realmente, a coisa a conseguir. Muito facilmente, porém, costumamos partir do pressuposto de que o discente já fala e escreve... e passamos a ensinar-lhe o bem falar e o bem escrever.

     Agarramo-nos, para isso, a uns tantos pontos clássicos, que constituem os programas ginasiais, e a uns tantos manuais, tambem clássicos, que constituem nosso material didático. É de onde queremos tirar a ciência da língua. A consequência é o ensino livresco, delimitado, teórico, factício, em vez de uma aprendizagem viva, orgânica, desenvolvida, que seja para a inteligência do aluno como fatalidade resultante de uma necessidade reclamadora.

     Temos ensino demais e aprendizagem de menos. É necessária uma inversão. Mais aprendizagem e menos ensino.

     De bem falar e escrever a língua sinta o aluno necessidade, natural e pràticamente. Necessidade nascida de uma fonte subjetiva, impulsionadora, cheia do desejo do conhecimento. E que este impulso, de necessidade e gosto pessoais, encontre coordenação nos cânones objetivos, nos princípios básicos da linguagem, bem como da arte literária, os quais o mestre o ajudará a encontrar ou lhe mostrará, na hora conveniente. Assim há de ser a ministração da língua pátria, em vez de exposição objetiva e fria, desinteressante e inoportuna, cheia de leis e regras que o professor diz serem necessárias ao bom conhecimento e uso do idioma.

     Urge transferir a fundamentação do ensino da língua. Sair do aferro à gramática para o campo vivo da necessidade atual. Do conceito bem falar e bem escrever, para o conceito mais essencial que é falar e escrever.

     Ensine-se a falar e escrever a língua. A correção virá de acréscimo, naturalmente. Ensine-se a arte de falar e escrever. O artistismo ocorrerá, por concomitância inevitável.

     Nenhuma outra matéria, como a língua, envolve e invade tanto a personalidade do aluno, diz Chubb, in The Teaching of English. Nenhuma outra exige mais infusão de poder pessoal. "Your work must be personalized. Your preparation must be conceived of as the building of a personality."

     A matemática e as ciências são impessoais, mas a literatura e a composição lidam com a substância da vida e do caráter, com a emoção e com o pensamento. "Avoid the personal and you sterilize the subject."

     O ensino da língua reflete-se no que o aluno escreve. O que compõe é uma expressão dele, uma revelação dele, uma disciplinação dele.

     Ao professor, a delicada e minuciosa incumbência de o orientar, no conjunto, reencaminhar nos desvios, incentivar nas pesquisas, moderar nos exageros, provocar oportunamente, reforçar, no que está fraco. Toda uma obrigação apostolar, que exige vocação e paciência, tato e constância, argúcia e força de convicção.

     O que ele maneja, diz ainda Chubb, não é uma simples inteligência ou um simples talento, mas um caráter, uma personalidade.

     Saiba, pois, guiar e animar o aluno, no convívio diário da realidade - cenas da vida, da sociedade, coisas do meio ambiente; na pesquisa da ciência, e do passado - através de outras disciplinas, como a história e a geografia. Mas, principalmente, no conturbérnio literário, na frequência e amor dos autores e das obras. Para que, em tudo, na realidade de cada hora, nas descobertas da leitura e do estudo, vá ele sabendo discernir, vá ele sabendo definir as coisas e definir-se diante delas, tudo exprimindo numa elocução conveniente, - naquela linguagem correta, facil, educada, viva, natural, tonalizada, fecunda, expressiva, que ao mestre incumbe, missionariamente, ensinar-lhe.

     Que o professor excite e desenvolva, pela suscitação do interesse, no aluno, o gosto e o hábito de ler, porque o melhor campo, onde aprender o bom uso e o bom estilo, são ainda as obras primas da literatura.

     Que a elocução se vire numa capacidade em que ele seja habilmente destro.

     E que se vá ele formando, munindo, para a vida, diante da qual saiba colocar-se, numa atitude em que se traduza o caráter, a cultura, a excelência moral, o gosto estético, as qualidades todas que façam dele pessoa capaz, para si mesmo, e útil, para a sociedade.

     Bem sei que teorizar é fácil e realizar é difícil. Sobretudo com o nosso desaparelhamento e desequilíbrio. Mas, na relatividade do possível, o esforço deve ser feito, com o intuito e o intento no ideal.

     Armem o aluno de gosto pela boa leitura. De expediente, na exploração dos mestres da literatura. De exercício, na faculdade da elocução. De capacidade para ver e sentir as coisas... E ele falará e escreverá bem. Porque ele saberá ser, diante da vida.

     É velho, - mais do que velho, eterno, - o conceito de Boileau:

                 "Ce que l'on conçoit bien s'énonce clairement,
                 et les mots pour le dire arrivent aisément."

     Conceito, que Horácio vasou em outras palavras, quando disse, tão antes de Boileau:

                 "Cui lecta potenter erit res,
                 Nec facundia déseret hunc, nec lucidus ordo".
                 (Quem fala de assunto em que é capaz,
                 fá-lo com eloqüência e ordem lúcida).

A escritura ou representação de pensamento[editar]

     A origem da linguagem perde-se na caligem dos tempos. Como principiou o homem a entender-se com outro homem é cousa que a ciência não pôde com provar.

     A glotologia tem retrogradado, em verificações mais ou menos demonstradas e demonstráveis, até alguns milhares de anos, no passado da humanidade. O estudo comparado das línguas avançou admiravelmente, numa desramificação ou simplificação retrocessiva dos idiomas, até longe, nos primórdios da atividade do homem, tudo com uma inclinação muito provável para a unidade de origem do sublime dom da palavra. A caminhada é cheia de hipóteses, como a grande suposição de um tronco comum para as línguas indo-européas, semíticas e camíticas, tronco que não pôde ser encontrado. São três vastos galhos com uma direção de convergência para um imaginado ponto. Mas ponto que não foi verificado. E os três galhos perdem-se no espaço e no tempo, com o ângulo de convergência escondido na escuridão de um outrora longínquo, até aonde não chegou a luz da ciência, na sua marcha maravilhosa pelo passado a fora. Marcha admirável que conseguiu catalogar as 860 línguas do Atlas etnográfico de Balbi, estudando-as mais ou menos completamente enxertando-as nos seus ramos naturais e orientando estes ramos no sentido da desejada e cientificamente ainda hipotética unidade da linguagem humana, em sua origem.

                 NOTA - O Atlas etnográfico de Balbi registra 860 línguas e 5000 dialetos,
                 com a seguinte distribuição: Ásia, 153. Europa, 53; África, 115; América,
                 422. [Espasa]}.

     Marcha feita em um século de pesquisa e ansiedade cultural, porque não data de mais de um século o desenvolvimento da glotologia, como ciência. Até o século 19, o estudo do assunto não alcançara mais do que ensaios, hoje vistamente pueris, em que se tentava filiar as línguas européas ao hebraico, por causa da Bíblia.

     É verdade que já, em 1585, um mercador florentino, Filippo Sassetti, notara parecenças entre palavras italianas e palavras sânscritas. No século 17, missionários jesuítas, como o italiano Roberto de Nobili da Montepulciano, estudavam cuidadosamente o sânscrito. E o padre Coeurdoux, numa memória encomendada por Barthélemy, em 1768, mostrava as afinidades que existem entre o grego, o latim e o sânscrito.

     Mas Menéndez y Pelayo reivindica para o jesuíta espanhol Hervás y Panduro a paternidade da glotologia. Expulso de sua terra, o padre Hervás retirou-se para Roma, onde se entregou ao estudo das línguas, fazendo pesquisas sobre 300 (trezentas) delas e escrevendo gramática de 40 (quarenta). Teria sido o primeiro que fugiu do hebraico e que viu a parecença entre o grego e o sânscrito. Publicou seus trabalhos entre 1787 e 1800. Note-se, de passagem, que a memória de Coeurdoux, lida em 1768, só quarenta anos mais tarde foi publicada.

     Depois que o sânscrito entrou em conta, nos estudos comparativos, a glotologia tomou impulso e muniu-se de seriedade científica. Ao longo do século 19, desfila uma plêiade de pesquisadores como Schlegel, Bopp, Pott, Grimm, Maury, Benfey, Burnouf, Diez, Max Müller, Bréal, Littré, Brachet, Clédat, Brunot, Suchier, Meyer Lübke, Gaston Paris, Paul Regnaud, Darmesteter, Carolina Micaelis, Adolfo Coelho, Pacheco Júnior, Gonçalves Viana, Ribeiro de Vasconcelos, João Ribeiro e tantos outros. (Lista tomada a Ernesto Carneiro Ribeiro - Serões gramaticais).

     Sobretudo na Germânia, se aclimou extraordinariamente a nova ciência, em que se especializou, naquele país, uma geração incansável de estudiosos que hoje se respeitam por autoridades, apesar da original arremetida, contra todos eles, do escritor português Nobre França, na sua obra intitulada A filologia perante a história [2 ed. 1918].

     Guilherme Jones e Sehlegel, estudaram o grego, o latim e o sânscrito (1808). Frederico Bopp, em 1833, publicou a monumental Gramática comparada das línguas indo-européias. Grimm continuou no sentido de Bopp, descobrindo as leis fonéticas da linguagem (1848). Schleicher (1862), Curtius e Schnutt (1872) fizeram estudos importantes. E as pesquisas continuaram e continuam: Max Müller, alemão, que professou em Oxford, Hovelacque, Meyer-Lübke, professor jubilado da universidade de Bonn, Trombetti, etc:

     Para lá do que a lingüística pôde verificar, ficam as hipóteses e, muito para além, aquela que supõe os sentimentos do homem primitivo manifestando-se por meio de gestos, de interjeições onomatopaicas e monossilábicas, as quais, aos poucos, se foram complicando em articulações e palavras.

     Cheia de conjecturas é também a origem da representação escrita do pensamento. A necessidade de transmitir a idéia a um companheiro ausente, o desejo de fixá-la, objetivamente, como lembrança para mais tarde ou como documento da própria vaidade e afirmação diante dos vindouros, foram as causas que suscitaram, ao engenho humano, expedientes de tradução do próprio pensamento, das próprias façanhas, da própria religiosidade, do próprio totemismo.

     A objetivação visual do pensamento evolveu da síntese para a análise. J. L. de Campos, em estudo sôbre a "Evolução na arte de escrever" (In Rev. da Líng. Port.)) reduz a cinco, as fases da gráfica.

     1. Fase figurativa. O homem desenha, com a sua habilidade relativa, o que quer exprimir. É a imagem da pessoa, do animal, do objeto.

     2. Fase alegórica. A imagem deixa de valer só pelo que representa, para significar o que sugere e simboliza. No hieroglifo egípcio, o leão é a coragem; o gavião, a divindade; o olho, a vigilância, etc.

     3. Fase ideográfica. Na grafia pictórica, a significação restringe-se para alguma qualidade do ser, numa convenção que vai deformando o objeto representado, até o reduzir a um mero sinal. Em vez do boi todo, só a cabeça. É a fase ideográfica. São os hieroglifos egípcios e hititas, os cuneiformes assírios e persas, a ideografia chinesa e azteca, etc.

                 (NOTA - Os chineses têm mais de 60.000 sinais, exprimindo uma idéia cada
                 um. Uma vida de homem não basta para escrever, com perfeição, o chinês.
                 [Espasa]}.

     A escritura figurativa era uma necessidade mnemônica, sem influência da razão nem da conciência. A alegórica influenciou-se preponderantemente pela imaginação. E na ideografia, entraram a memória, a imaginação e a razão. Tudo com progresso intensivo do arbítrio e da inteligência.

     4. Fase silábica. Com a representação da idéia, a correlação existente entre o sinal gráfico e sua pronúncia foi despertando a atenção. O valor sônico foi apagando o simbólico e animando a palavra... e a escrita se tornou fonética. O homem foi descobrindo a identidade e comunidade de sons, nos vocábulos, que aumentavam sempre mais, e os foi catalogando pela identidade da representação gráfica. Começou a empregar-se o ideograma silábico. Egípcios e chineses.

     5. Fase alfabética. Esta análise ou dissecção dos valores sônicos, nas expressões vocais, aperfeiçoou-se e, alguns pares de séculos antes de Cristo, as palavras começaram a ser representadas por sinais gráficos de valor nítido, sinais definidamente evocativos dos vários fonemas. Era o ALFABETO.

     Complicado, ainda, entre os egípcios, coube ao espírito prático dos fenícios a simplificação dos símbolos gráficos de que necessitavam para seus expedientes comerciais.

     A tradição atribue aos mercadores de Sídon e Tiro, a invenção do ALFABETO.

     As cinco fases de J. L. de Campos, aqui por mim livremente resumidas, nada mais são do que as 4 fases evolutivas de Burggraff. (Ap. E. C. Pereira, Gram. hist.).

     São elas:

     I - A fase da escrita figurativa.
     II - A fase da escrita simbólica ou hieroglífica.
     III - A fase da escrita ideográfica.
     IV - A fase da escrita fonética.

     Apenas J. L. de Campos desmembrou a última em (1) silábica e (2) alfabética.

     Os substituidores da ideografia pelo silabismo foram os primeiros fonetistas.

     Aos primeiros tacteios desses fisiologistas da palavra se deve O FATO MAIS IMPORTANTE DA HISTORIA DA CIVILIZAÇÃO. (Berger, Hist. de l'écriture dans 1'antq. - Ap. Espasa).

     A origem do alfabeto fenício tem sido explicada por uma simplificação da escritura hierática dos egípcios. Mas James Gow aventa as hipóteses mais modernas de uma influência dos hieroglifos hititas (hititas, antigo povo da Síria) e principalmente de uma escrita ainda não decifrada, que se empregava em Creta, ali para 1500 a. C. (James Gow - Minerva - Introdução ao es tudo dos clássicos gregos e latinos - Adaptação francesa de Salomão Reinach).

                 (NOTA - Em estudo para o The National Geoographic Magazine,
                 (traduzido pelo sr. Teófilo Ribeiro, Minas Gerais de
                 agosto de 1933), diz o arqueólogo Cláudio Schaeffer:
                 "A tradição tem atribuído aos fenícios o alfabeto. Hoje,
                 porém, os hieróglifos cretenses, recentemente descobertos,
                 as inscrições do Sinai e outras fontes, levam muitos
                 historiadores modernos a abandonarem a crença de que foram
                 os fenícios os que nos legaram o alfabeto.
                 Era esta a situação quando, em maio de 1929, fazendo
                 escavações na destruída cidade de Ras Shamra, ao norte da
                 Síria, desenterrei algumas chapas ou placas de argila,
                 escritas numa nova espécie de alfabeto cuneiforme, nunca
                 antes encontrado. Esta informação, remetida à Academia de
                 Paris, despertou o mundo científico.
                 ...Estas chapas ou placas datam de 14º ou 15º século antes
                 de Cristo." [Espasa]}.

     Seja como for, a nossa tradição alfabética se inicia com os gregos. E teria sido Cadmo quem introduziu o alfabeto na Grécia. Assim o querem Heródoto e as tradições. Cadmo, um fenício que se estabelecera na Beócia.

     Apenas, os gregos tiveram de inventar as letras vogais, ainda não existentes.

     Os fenícios, como os semitas, escreviam da direita para a esquerda. Os gregos escreveram alternando: da direita para a esquerda, e da esquerda para a direita - sistema chamado bustro fédon, (de boustrophedón: voltando sôbre os passos, como o boi, no arado). Mais tarde, adotaram a direção única que hoje temos.

     Parece que Homero não escreveu a Ilíada e a Odisséia. Seus versos imortais, ele teria deixado à tradição oral, que os trouxe, de viva voz, na boca dos aédos e rapsodos, até que os filhos de Pisístrato os reduzissem à primeira compilação escrita.

     Os latinos apropriaram-se do alfabeto grego. E os povos da Europa ocidental adotaram o latino. O alfabeto gótico - estilização de caracteres gregos - data do bispo ariano Úlfilas, que editou uma tradução gótica da Bíblia, no século 4°.

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     Algumas palavras ainda, sobre o material gráfico e a evolução histórica do seu uso.

     Heródoto, citado por Burggraff (Ap. E. C. Pereira, Gram. Hist.) diz que os jônios chamavam dífteras (peles) aos livros, porque eram escritos em peles de cabra ou carneiro, no tempo em que o byblos era raro. Byblos era o papyros dos próprios gregos ou o papyrus latino, planta das regiões pantanosas, marginais do Nilo. Para Teofrasto, porém, byblos era a planta, e papyros a película ou casca, a que chamavam liber os romanos. Ao papel fabricado com o papyros ou liber se denominava chartes pelos gregos e charta, pelos romanos.

     Já os egípcios pintavam, no papiro, os seus sinais, ou os gravavam em superfície lisa.

     Desde cedo, pois, se conheceram duas vias para a escritura: a seca e a úmida.

     Por via seca se têm feito gravações e se tem escrito a carvão, greda, almagra, chumbo, grafito. Os antigos se utilizavam de tabuinhas (códices) acamadas com gesso - donde o nome de álbum -, ou com cêra (pugillares, pinária, enchirídia) sobre as quais gravavam as letras com um estilo metálico (grapheion ou glypheion, dos gregos).

     A úmida generalizou-se depois de Alexandre Magno, com a utilização do papiro, do cálamo e da tinta, o atramentum librarium dos romanos.

     No tempo dos Tolomeus, foi proibida a exportação do papiro egípcio. Desenvolveu-se em Pérgamo, um novo costume e uma nova indústria: escrever sobre uma péle de carneiro, preparada, a membrana pergamena, donde, hoje, o nosso pergaminho.

     O pergaminho, mais encorpado, podia ser utilizado de ambos os lados. Daí nasceu o começarem as folhas a ser, não coladas, longitudinalmente para enrolamento (o rolo de papiro), mas coligadas em livros.

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     Com todas as dificuldades da confecção antiga, os livros muito se espalharam na Grécia e em Roma. Eram artigo de um comércio organizado. Adquiriam-se a fortes preços.

     Em Roma, no tempo de Cícero, havia editores a quem o autor vendia sua obra. E havia livrarias de comércio, principalmente no quarteirão chamado Argilétum, onde os bibliopolas anunciavam, em cartazes, as obras aparecidas.

     Bibliotecas, como a celebérrima de Alexandria, mostram até quanto subiu o gosto antigo dos livros.

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     As invasões bárbaras acabaram de arrasar a civilização romana.

     Não fora a Igreja, com seus mosteiros e seus monges, e a literatura clássica teria desaparecido, - não parcial, mas completamente -, nos incêndios, devastações, destruições, dos germanos e mais invasores.

     São Bento (480-543) é, por isto, um enorme benemérito da civilização, do humanismo, da humanidade. Ele e o monge Cassiodoro, que introduziram o costume e regra de copiar e reproduzir boas obras. Costume em que ficaram célebres mosteiros como o de Monte Cassino, perto de Nápoles, o de S. Columbano, perto de Gênova, tantíssimos outros, na Itália, na França, na Suiça, na Inglaterra, na Alemanha.

     E porque, na Idade Média, raro e caro se fez o pergaminho, foi adotado o processo de se raspar ou apagar a escritura de um texto, afim de, no lugar, se escrever outro. Era o palimpsesto ou pergaminho reescrito.

     Então, Plauto, Tito Lívio, Cícero, Horácio, etc. - coitados! - sofreram a desconsideração da raspagem, cedendo lugar a alguma cópia da Bíblia - o que se explica - ou à de algum qualquer autor religioso. O tratamento químico, moderno, destes palimpséstos, tem revelado que, muitas vezes, dois ou três textos se superpuseram no mesmo livro.

     Se o comum era apagarem-se textos clássicos que dessem lugar a textos cristãos, houve, contudo, exemplos em contrário. Há, na biblioteca de Florença, diz James Gow, a quem ando seguindo, um manuscrito de Sófocles, escrito em 1298, por cima de uma cópia uncial, da versão grega dos Setenta.

     Eu gostaria de saber o nome desse monge que desalojou a Bíblia, de um pergaminho, para nele vasar uma tragédia de Sófocles!

     E queria que Montaigne ou Erasmo o tivessem igualmente sabido!

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     No século 9º, com os árabes, entrou na Europa o papel de algodão, ainda muito caro. Outros tipos de fabricação baratearam o artigo. Foi grande, então, o impulso dado às letras, com o florescimento admirável e equilibrado do século 13.

     O cálamo foi substituído pela pena de ave, que a Alemanha vulgarizou no século 16. Em 1808, Bürger teve a idea de cortar a pena de ganso em vários pedaços ou várias penas, que eram adaptadas a canetas. E fez penas de metal que não foram aceitas. Em 1830, começou a usar-se, na Inglaterra, a pena de aço. E, em 1850, Blanckertz fundou, em Berlim, a indústria das penas de aço.

                 NOTA - Propositadamente deixei, de margem, a imprensa, com o Guttenberg.
                 Não interessaria, propriamente, às questões da preocupação ortográfica,
                 porque a imprensa reproduz; mecanicamente, um texto manuscrito.

Herdeiros de má herança[editar]

                 As escrituras antigas eram essencialmente fonéticas. Em latim,
                 como em grego, cada símbolo gráfico correspondia a um som único
                 determinado.

     Na fermentação longa e bárbara de que sairam as línguas novilatinas, houve sons que se abrandaram, sons que desapareceram e sons que apareceram. E a representação deles, na escrita, seguiu um caminho irregular de arbítrios e absurdos e caprichos individuais, a que a reação pós-renascentista veio complicar com a involução às formas latinas, num movimento que o arcadismo século 18 mais agravou.

     A filologia pré-científica, tomada em falso pelos lingüistas de então, levou-os às mais estúrdias aproximações etimológicas e às mais enganosas afirmações lingüísticas.

     A grafia deixou de ser fonética, para se complicar num sistema lastreado de valores mortos, de sincretismos abusivos - com predominância do pior - de sons multiplicemente representa dos, de desvios introduzidos pela ignorância, armada de presunção, legando-nos, a nós, o sistema usual ou misto, que possuímos: disparatado, ilógico, absurdo, afilológico, aglotológico, irracional, dificílimo. Suplício chinês dos aprendizes e desespero eterno dos eruditos.

     À influência francesa atribui Gonçalves Vianna os exageros de nosso alatinamento e helenização ortográficos.

     Se a Revolução Francesa houvesse democratizado também a grafia pedante que encontrou no país - acha o autor da Ortografia Nacional - nós os teriamos imitado e a simplificação, hoje, seria um fato simples, inconteste, como na Espanha e na Itália.

     A ortografia francesa, continua ele em outra parte, foi desfigurada pelos escritores do século XVI ao XVIII, e alterada consideravelmente pelo famoso Rabelais... num tempo em que a etimologia era um entretenimento de fantasia vã, no qual se inventou escrever sçavoir, pensando que viesse do latim scire (e não de sapére).

     É aquela etimologia de que zombou muito o Voltaire, quando dizia ser ela uma ciência em que as vogais de nada valiam e as consoantes valiam pouca coisa.

     Ou ainda, quando explicava, com pouca intuição e muito sarcasmo:

     "Os primeiros reis da China tiraram o nome dos reis do Egito, porquanto, no nome da família podem achar-se os caracteres que, arranjados de outra maneira, formam a palavra Menés. É, portanto, incontestável que o imperador Yú recebeu o nome de Menés, rei do Egito; e que o imperador Ki é evidentemente Atoés, mudado o k em a e o i em toés...".