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A Reforma da Natureza (12ª edição)/2ª parte/Capítulo 8

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CAPÍTULO VIII

ERA REINAÇÃO



ESTAVA O DR. ZAMENHOF naquela prosa, quando os seus auxiliares vieram contar que tinham descoberto o minhocão.

— Animal esquisitíssimo! — disseram eles. — Em tudo igual a uma minhoca, mas com seis pernas que o deixam completamente atrapalhado. Os pares de pernas estão a cinco metros de distância um do outro, de modo que no intervalo o corpo do minhocão bambeia. Uma perfeita montanha russa, sobe, desce, sobe, desce, Isso faz que ele não consiga mover-se, nem penetrar na terra. Não entendemos o fenômeno. . .

— Hão de ser pernas postiças — lembrou Emília.

— Parece que não — disseram os homens. — A forma dessas pernas lembra as do monstro que encanudamos. Mais do que lembram: são iguaizinhas. Parece até que alguém arrancou as pernas de um para botar no outro.

— Ahn! — exclamou o Dr. Zamenhof. — Deve ser isso mesmo. É por isso que a centopeia gigante só tem noventa e quatro pernas. As seis que faltam foram parar na minhoca. Mas o fenômeno me é totalmente incompreensível. Em tudo isto paira um grande mistério...

Emília olhou para o Visconde com o rabo dos olhos.

Nesse mesmo dia os investigadores apanharam a primeira formiga-tatu, e ao trazerem-na para a casa de Dona Benta, o assombro foi geral.

— Nossa Senhora! — exclamou tia Nastácia. — É tal e qual as saúvas que comem as nossas roseiras, mas dum tamanho que nunca vi. Credo!

Os ferrões pareciam braços abertos. Pedrinho experimentou-os com uma cana. O formigão fechou o ferrão e atorou a cana. Fizeram uma gaiola e puseram-no dentro.

No dia seguinte foi caçada a segunda formiga, e essa ainda mais monstruosa que a primeira, pois tinha um extraordinário desenvolvimento das mandíbulas e das pernas dianteiras. Era quase que só mandíbulas e pernas dianteiras.

O Dr. Zamenhof pôs-se a estudá-la, sem compreender coisa nenhuma. Em dado momento, Emília não se conteve e disse:

— Isto está-me parecendo um caso de "acromegalia".

O Doutor olhou para ela por cima dos óculos.

— Sim, — continuou Emília — trata-se, com certeza, duma reinação de Dona Pituitária. Quando, nos animais já adultos, essa glândula começa a produzir em excesso os seus caldinhos, acontece isso: em vez de crescer o corpo inteiro, só cresce a cara, também engrossam as mãos e os pés. O bicho fica assim como esse: "acromegálico"...

Dona Benta não se conteve. Agarrou Emília pelo braço e puxou-a para perto de si.

— Venha cá, diabinha. Há muito tempo que suas palavras andam misteriosas e estou quase convencida de que estas monstruosidades não passam de outra reinação sua, como aquelas célebres reformas da Natureza. Vamos, conte tudo.

Emília olhou para o Visconde e por fim contou.

— A reinação desta vez não foi minha, Dona Benta. Foi ali do Visconde. Durante a estada lá na Europa, pôs-se a estudar glândulas, e de volta montou um laboratório na Cova do Anjo. E lá fizemos o que ele chama experiências in anima vile, isto é, experiências em animais vagabundos, como formiga, grilo, pulga, centopeia e minhoca. Fazíamos a mexida nas glândulas e os púnhamos num cercadinho, em observação. Mas a maldita semana de chuva do mês de fevereiro nos atrapalhou o negócio. Enquanto ficamos presos em casa, o enxurro varreu com o cercadinho e levou não sei onde os operados. Isso foi o que fizemos. Agora, se esses monstros que estão aparecendo são os operados, a culpa não é nossa — é lá das tais Tiróide e Pituitária.

Aquelas revelações encheram o Dr. Zamenhof do maior assombro. Parecia-lhe impossível que um simples sabugo científico, auxiliado por uma gentinha como a Emília, houvesse feito "milagres endocrínicos" muito maiores que os realizados por todos os grandes especialistas da Alemanha e da América do Norte. Simplesmente formidável!

— Sabe — disse ele ao Visconde — que o colega fez a maior coisa que ainda foi feita nos domínios da ciência? Sabe que resolveu problemas tremendos e que daqui por diante a ciência vai basear-se nestas suas maravilhosas experiências?

O Visconde alisou as palhinhas de milho do pescoço e agradeceu modestamente o elogio.

— Quero ver o seu laboratório — disse o Doutor. — Deve ser a maravilha das maravilhas.

Mas quando foi à Cova do Anjo e viu que o maravilhoso laboratório não passava dum buraco na figueira, com um microscópio feito dum velho binóculo sem vidro, uma lâmina Gillette, umas agulhas e uns algodõezinhos, ficou sem saber o que pensar, nem o que dizer. Aquilo era positivamente o assombro dos assombros, o espanto dos espantos.

— Não entendo — disse ele. — Parece-me de todo impossível que com estes rudimentaríssimos recursos o Visconde conseguisse os prodigiosos resultados que conseguiu. Não entendo. E creio que se eu ficar aqui mais uns dias, acabarei louco. Cada vez mais me espanto com as coisas que vejo...

— Não se afobe, Doutor! — disse Emília. — O nosso segredo é o Faz-de-Conta. Não há o que não se consiga quando o processo aplicado é o Faz-de-Conta. O nosso grande segredo é esse.

O barbudo sábio ficou na mesma, com perfeita cara de asno, e mais uma vez murmurou:

— Não entendo. . .

— Pois faça de conta que entende, Doutor, e vamos tomar o café. Agora é com pipoca. . . — concluiu Emília, puxando-o pela aba do paletó.

* * *

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.