A Retirada da Laguna/Prólogo

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É o assunto deste volume a série de provações por que passou a expedição brasileira, em operações ao sul de Mato Grosso, no recuo efetuado desde a Laguna, a três e meia léguas do rio Apa, fronteira do Paraguai, ate o rio Aquidauana, em território brasileiro, trinta e nove léguas, ao todo, percorridas em trinta e cinco dias de dolorosa recordação.

Devo esta narrativa a todos os meus irmãos de sofrimento, aos mortos ainda mais do que aos vivos.

Em todas as épocas largo interesse se ligou às retiradas, não só por constituírem operações de guerra difíceis e perigosas, como nenhuma outra, mas ainda porque os que as executam, já sem entusiasmo nem esperanças, freqüentemente entregues ao desânimo, ao arrependimento de erros ou das conseqüências de erros, precisam arrancar ao espirito, assim preocupado, os meios de enfrentar a fortuna adversa, que a cada passo os ameaça, com todos os seus rigores. Em tais contingências requer-se o verdadeiro cabo de guerra: ali há de se lhe revelar o característico essencial: a inabalável constância.

Vive a Retirada dos Dez Mil em todas as memórias. Colocou Xenofonte na plana dos primeiros capitães. Nos tempos modernos várias ocorreram não menos notáveis: a de Altenheim, pelo marechal de Lorge, após a morte de Turenne, seu tio, e que ao grande condé fez declarar que lha invejava; a de Praga, enaltecedora da nomeada do Conde de Belle Isle; a de Plaffenhofen, por Moreau, tida como um dos mais belos feitos d´armas, efetuados por Turenne; já em nossos dias; a de Talavera, que levou lorde Wellington, triunfante, a Lisboa; a que honrou o funesto regresso de Moscou e em que o príncipe Eugênio e o marechal Ney rivalizaram, em heroísmo; a de Constantina pelo marechal Clausel e outras menos célebres; mas que, no entanto, pela variedade dos perigos e das misérias, chamam a atenção da história.

Resta-nos solicitar a maior indulgência para esta narrativa cujo único mérito pretende ser o dos fatos expostos. Tiramo-los de um diário escrito em campanha.

Assim, nela hão de abundar as incorreções, demasias e repetições; cremos dever deixá-las; são indícios da presença da verdade.

ALFREDO D'ESCRAGNOLLE TAUNAY

Rio de Janeiro, outubro de 1868.