A bandeira nacional (Eduardo Prado)/Annexos

Wikisource, a biblioteca livre

ANNEXOS


 

ANNEXO N. 1

 
Decreto n. 4, de 19 de novembro de 1889
 
Estabelece os distinctivos da bandeira e das armas nacionaes e dos sellos e sinetes da Republica.
 

«O Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brasil: Considerando que as côres da nossa antiga bandeira recordam as luctas e as victorias gloriosas do exercito e da armada na defesa da Patria; Considerando, pois, que essas côres, independentemente da fórma de governo, symbolisam a perpetuidade e integridade da Patria entre as outras nações;

Decreta:

Art. 1.º — A bandeira adoptada pela Republica mantém a tradição das antigas côres nacionaes — verde e amarello — do seguinte modo: um losango amarello em campo verde, tendo no meio a esphera celeste azul, atravessada por uma zona branca, em sentido obliquo e descendente da direita para a esquerda, com a legenda — Ordem e Progresso — e pontuada por vinte e uma estrellas, entre as quaes as da constellação do Cruzeiro, dispostas na sua situação astronomica, quanto á distancia e ao tamanho relativos, representando os vinte Estados da Republica e o Municipio Neutro, tudo segundo o modelo debuxado no Annexo n. 1.

 

Estampa X.

 
As armas do Governo Provisorio,
com as côres e os metaes indicados correctamente.

Art. 2.º — As armas nacionaes serão as que se figuram na estampa annexa, n. 2.

Art. 3.° — Para os sellos e sinetes da Republica, servirá de symbolo a esphera celeste, qual se debuxa no centro da bandeira, tendo em volta as palavras — Republica dos Estados Unidos do Brasil.

Art. 4.º — Ficam revogadas as disposições em contrario. – Sala das sessões do Governo Provisorio, 19 de novembro de 1889, 1.º da Republica.

Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, chefe do Governo Provisorio — Q. BocayuvaAristides da Silveira LoboRuy BarbosaM. Ferraz de Campos SallesBenjamin Constant Botelho de MagalhãesEduardo Wandenkolk


Annexo N. 2


A BANDEIRA NACIONAL[1]

«Por decreto n. 4, de 19 de novembro corrente, foi instituida a bandeira que symbolisa a Republica dos Estados Unidos do Brasil. Tal symbolo coincide essencialmente com uma patriotica inspiração do denodado chefe do governo actual e corresponde ás tocantes emoções dos nossos soldados e marinheiros, ao mesmo tempo que traduz o conjunto das aspirações nacionaes. Unica parte da nação em quem o culto fetichico da bandeira foi systematicamente mantido, a força publica de terra e mar, melhor do que qualquer outra classe, devia, naturalmente, sentir as condições a que tinha de satisfazer o novo emblema dos feitos e das esperanças da Patria Brasileira. Uma descripção singella bastará para patentear as eminentes qualidades moraes do pavilhão republicano do Brasil. Destinada a lembrar a fraternidade, base de todo o civismo, a bandeira deve ser symbolo de amor, antes de tudo.

 

Estampa X a

 
As armas do Governo Provisorio
fac simile do annexo N. 2 do Diario Official.

 

Contemplando-a, cumpre que o cidadão sinta com energia todas as convergencias sociaes, através das discordias individuaes. Ella nos deve recordar o Passado, donde proviemos, a Posteridade, por quem trabalhamos, e o Presente, que fórma o élo movediço dessas massas indefinidas das gerações humanas. Continuidade e solidariedade, isto é, a unidade na sua mais lata accepção, tal deve ser o seu primeiro caracteristico. Reconhece-se, á vista destes motivos, que o symbolo nacional devia manter do antigo tudo o que pudesse ser conservado, de modo a despertar em nossa alma o mais ardente culto pela memoria de nossos avós. Mas, por outro lado, elle devia tambem eliminar tudo quanto pudesse perturbar o sentimento da solidariedade civica, por traduzir crenças que não são mais partilhadas por todos os cidadãos. Devia, finalmente, incitar á mais fervorosa dedicação pelas gerações vindouras. Era, pois, evidente a necessidade, não só de manter as côres e a disposição da primitiva bandeira, mas tambem de substituir por novos symbolos os emblemas da Monarchia. Foi justamente o que se fez.

Para comprehender similhante substituição, recordamos o historico do antigo pavilhão brasileiro.

Por carta de lei de 13 de maio de 1816, D. João VI deu por armas ao reino do Brasil uma esphera armillar de ouro em campo azul, e por decreto de 18 de setembro de 1822 foram instituidos o escudo de armas e a bandeira, que nos serviram até o glorioso 15 de novembro. Tal instituição é devida essencialmente a José Bonifacio, o patriarcha da nossa independencia. Eis os termos desse decreto:

 

«Havendo o Reino do Brasil, de quem sou regente e perpetuo defensor, declarado a sua emancipação politica, entrando a occupar, na grande familia das nações, o logar que justamente lhe compete como nação grande, livre e independente; sendo, por isso, indispensavel que ella tenha um escudo real de armas, que não só a distinga das de Portugal e Algarves, até agora caracteristicos deste rico e vasto continente; e desejando eu que se conservem as armas que a este Reino foram dadas pelo Sr. Rei D. João VI, meu augusto Pae, na carta de lei de 13 de maio de 1816, e, ao mesmo tempo, rememorar o primeiro nome que lhe fôra imposto no seu feliz descobrimento e honrar as 19 provincias comprehendidas entre os grandes rios, que são os seus limites naturaes e que formam a sua integridade, que eu jurei sustentar — hei por bem, e com o parecer do meu Conselho de Estado, determinar o seguinte: — Será, de ora em deante, o escudo de armas deste Reino do Brasil, em campo verde, uma esphera armillar de ouro, atravessada por uma cruz da ordem de Christo, sendo circulada a mesma esphera de 19 estrellas de prata em uma orla azul, e firmada a corôa real diamantina sobre o escudo, cujos lados serão abraçados por dous ramos das plantas de café e tabaco, como emblemas de sua riqueza commercial representados na sua propria côr e ligados na parte inferior pelo laço da nação. A bandeira nacional será composta de um parallelogrammo verde, e nelle, inscripto um quadrilatero rhomboidal, côr de ouro, ficando no centro deste o escudo das armas do Brasil.

José Bonifacio de Andrada e Silva, do meu Conselho de Estado e do Conselho de Sua Majestade Fidelissima, o Sr. Rei D. João VI, e meu ministro e secretario de Estado dos Negocios do Reino e de Extrangeiros, o tenha assim entendido e faça executar com os despachos necessarios. — Paço, em 18 de setembro de 1822.»

Como se vê, a continuidade historica foi respeitada na creação do emblema imperial, que manteve a esphera armillar de ouro e apenas mudou o campo de azul para verde. Ao mesmo tempo, nota-se que José Bonifacio se propoz recordar a filiação historica do povo brasileiro, lembrando pelo primeiro nome dado ao Brasil os seus antecedentes coloniaes. Teve, outrosim, cuidado de symbolisar a independencia e o concurso de todos os elementos americanos de origem portugueza, por meio de uma orla azul com 19 estrellas de prata, combinando, dest’arte, as côres da antiga metropole.

A corôa era o caracteristico peculiar da Monarchia. Pois bem, o novo emblema devia significar os mesmos sentimentos, mas tinha tambem de traduzir as novas aspirações nacionaes.

Para satisfazer a essa dupla necessidade, foi que se adoptou a representação idealisada do aspecto do céo na capital dos Estados Unidos do Brasil, no momento em que a constellação do Cruzeiro se acha no meridiano, estampando-se na direcção da orbita terrestre a legenda — Ordem e Progresso. Este symbolo corresponde a tudo quanto o outro tinha de essencial. Elle lembra, naturalmente, a phase do Brasil-Colonia nas côres azul e branca que matizam a esphera, ao mesmo tempo que esta recorda o periodo do Brasil-Reino, por trazer á memoria a esphera armillar. Desperta a lembrança da fé gloriosa dos nossos antepassados e o descobrimento desta parte da America, não já por meio de um signal, que é actualmente um symbolo de divergencia, mas por meio de uma constellação, cuja imagem só póde fomentar a mais vasta fraternidade; porque nella o mais fervoroso catholico contemplará os mysterios insondaveis da crença medieva e o pensador mais livre recordará o caracter subjectivo dessa mesma crença e a poetica imaginação dos nossos avós. Finalmente, foi mantida a idéa de representar a independencia e concurso civicos por um conjunto de estrellas.

Supprimiram-se os ramos de tabaco e de café, porque sobrecarregariam o pavilhão com uma especificação que não mais corresponde á realidade, visto como não são os unicos objectos agricolas do commercio do Brasil, além de occuparem um logar secundario no mesmo commercio, no ponto de vista geral. O verde e o amarello da bandeira já representam sufficientemente o aspecto industrial do Brasil, por isso que caracterisam o conjunto das producções da natureza viva e da natureza morta.

Vejamos, agora, como o novo emblema traduz as aspirações do presente.

O povo brasileiro, como todos os povos occidentaes, acha-se vivamente solicitado por duas necessidades, ambas imperiosas, que se reunem nas palavras — Ordem e Progresso. Todos sentem, por um lado, que é imprescindivel manter as bases da sociedade; mas todos percebem tambem que as instituições humanas são susceptiveis de aperfeiçoamentos. Ora, acontecendo que o typo da ordem só foi até hoje fornecido pelo regimen theologico e guerreiro passado, e que o progresso tem exigido a eliminação, por vezes violenta, de certas instituições, o espirito publico foi levado empiricamente a suppôr que as duas necessidades eram irreconciliaveis. Dahi, a formação de dous partidos oppostos, um invocando para lemma a ordem e outro tomando para divisa o progresso, partidos que se combatem com encarniçamento e que transformam as patrias occidentaes em campos permanentes de batalha. No emtanto, a dynamica social, fundada por Augusto Comte, para completar e desenvolver a statica social, fundada por Aristoteles, demonstra que as duas necessidades de ordem e progresso, longe de serem irreconciliaveis, por toda a parte se harmonisam.

E, ainda mais, o mesmo egregio pensador demonstrou que essa harmonia se dá na politica e na moral, em consequencia da preponderancia do amor. Na phrase do fundador da Religião da Humanidade —— «o progresso é o desenvolvimento da ordem, como a ordem é a consolidação do progresso».

Pois bem, é essa conciliação da ordem com o progresso que todo o povo brasileiro sente e sem a qual não poderia existir a verdadeira fraternidade; é essa conciliação que o novo symbolo proclama.

Progressistas e ordeiros podem hoje confraternisar; e essa confraternisação é tanto mais solida, quanto a divisa foi hasteada após uma revolução progressista e triumphante. A nova divisa significa que essa revolução não aboliu simplesmente a Monarchia; que ella aspira fundar uma patria de verdadeiros irmãos, dando á ordem e ao progresso todas as garantias que a historia nos demonstra serem necessarias á sua permanente harmonia.

Inscripta nas zonas dos planetas, a formula politica nos recorda que essa conciliação da ordem com o progresso se patenteia desde os phenomenos mathematicos, como nos attesta o espectaculo astronomico, e, ao mesmo tempo, tem a vantagem de indicar que, assim como foi só a sciencia que poude descobrir essa conciliação na mechanica e no céo, assim tambem, pelo estudo scientifico da sociedade, é que se consegue descobrir as condições da harmonia politica e moral.

Para terminar estas rapidas indicações, resta-nos fundamentar a maneira por que foi representada a esphera celeste. Para isso, cumpre conhecer, em primeiro logar, que não se tratava de construir propriamente uma carta do céo.

Era preciso figurar um céo idealisado, isto é, compôr uma imagem que em nossa mente evocasse o aspecto do nosso céo, bem como os sentimentos que a nossa evolução poetica tem ligado a similhante imagem.

O relativismo esthetico e, mesmo, scientifico traça as regras a seguir em tal idealisação.

Figurou-se a esphera inclinada sobre o horizonte, segundo a latitude do Rio de Janeiro, e assignalou-se o polo Sul pelo σ do Oitante, que se tornou o symbolo natural do Municipio Neutro. Escolheram-se constellações austraes, com excepção do Pequeno Cão, que forneceu Procyon, para significar que a União Brasileira tem um Estado que se extende ao hemispherio norte. Esta constellação fica ao norte do Equador e ao sul da Ecliptica. As outras constellações escolhidas foram, além do Cruzeiro, convenientemente destacado, o Triangulo Austral, o Scorpião, a Virgem (Espiga), Argus (Canopo) e o Grande Cão (Syrius). A Virgem tem parte no hemispherio norte e parte no hemispherio sul, extendendo-se aquella acima da Ecliptica. A sua estrella mais bella, a Espiga, pertence ao nosso hemispherio, e a essa estrella está ligada a memoria da descoberta da precessão dos equinoxios pelo fundador da astronomia, o immortal Hyparco. Ella não podia, pois, deixar de ser escolhida. Na bandeira ella está figurada acima da Ecliptica, para quebrar a monotonia do hemispherio boreal. Procyon, que é a unica estrella das escolhidas que está no hemispherio norte, não podia ser collocada acima da Ecliptica, porque a constellação está ao sul dessa linha.

A liberdade esthetica, pelo contrario, permittia collocar a Espiga acima da faixa representativa do Zodiaco, por se tratar de uma constellação que tem parte acima e parte abaixo do plano da orbita terrestre, e de uma estrella que bastaria uma pequena variação na inclinação desse plano, para transportal-a ao norte delle. Mas ella foi representada junto da faixa.

Em resumo, o estandarte da Republica Brasileira symbolisa o nosso passado, o nosso porvir e o nosso presente; a nossa terra e o nosso céo; os feitos de nossos paes e as nossas aspirações. Mas não é tudo. Elle recorda tambem a nossa filiação com a França, o centro do Occidente, e por esse lado nos prende a toda evolução humana passada e ao mais remoto futuro. Com effeito, o campo verde, que tudo domina, não recorda só a nossa terra, Como diz Augusto Comte: «Esta nuança convém aos homens do Porvir, por isso que caracterisa a Esperança, como o annuncia habitualmente por toda a parte a vegetação, ao mesmo tempo que indica a Paz, duplo titulo para symbolisar a actividade pacifica. Historicamente, ella inaugurou a Revolução Franceza, pois que os sitiantes da Bastilha não tiveram, quasi todos, outros emblemas além das folhas subitamente arrancadas ás arvores do Palais Royal, segundo a feliz exhortação de Camillo Desmoulins».

Esta recordação universal nos transporta á contemplação do proto-martyr da nossa liberdade nacional, o generoso Tiradentes, cujo fervoroso patriotismo foi denunciado no mesmo anno em que Paris inaugurava a regeneração humana.

R. Teixeira Mendes, nascido em Caxias, Maranhão, a 5 de janeiro de 1855. Rua Santa Izabel, n. 10 (Gloria).»

Annexo N. 3


A BANDEIRA NACIONAL[2]

Ao sr. director do Diario Official foi enviada a seguinte carta:

«Rio de Janeiro, 21 de Frederico de 101 (25 de novembro de 1889).

Cidadão — Quando, a convite do cidadão ministro da Fazenda, escrevi a apreciação philosophica da bandeira nacional, hontem publicada no Diario Official, longe estava de imaginar que alguem se lembrasse de combater a divisa — Ordem e Progresso.

Não havendo nenhum cidadão brasileiro capaz de renegar estas duas aspirações, é claro que não se podia cogitar da minima objecção a similhante legenda. No emtanto, um unico diario desta capital, assás caracterisado pelos seus antecedentes monarchistas e clericaes, acaba de levantar-se contra essa fórmula de concordia, que é o resumo da politica republicana, como, aliás, se tem pronunciado contra outros actos decisivos do governo nacional. E, para fazer calar no animo de alguns ingenuos a sua futil opposição, dá, como pretexto da sua critica, o facto de tal divisa ter sido formulada pela primeira vez por Augusto Comte e prestar-se ella ao ridiculo.

Antes de tudo, convém notar que o ridiculo não depende dos objectos contemplados e, sim, dos sentimentos de que se acha animado o contemplador, não sendo de admirar que um monarchista e clerical ache ridiculos os symbolos de uma Republica. Outrosim, não existe imagem, por mais bella e séria que seja, que não se preste á exploração do instincto destruidor, como o demonstra a caricatura, sendo de observar que a tentativa de ridicularisar os homens e as cousas provoca o riso, ou a indignação, segundo as disposições affectivas dos assistentes.

Quanto ao primeiro argumento, a sua puerilidade só se compara á do segundo. Não ha verdade que não tenha sido dita por um certo homem, pela primeira vez. Só se póde combater razoavelmente uma maxima, demonstrando que ella é falsa e não corresponde á situação. Assim, para rejeitar a fórmula — Ordem e Progresso, para accusal-a de ser uma imposição do governo republicano, o jornalista, aliás anonymo, devia demonstrar que o povo brasileiro não quer ordem, nem progresso, ou quer mais alguma cousa além do que resumem estas duas palavras, ou quer justamente o contrario do que ellas exprimem. Basta pôr a questão nestes termos, para fazer realçar a verdadeira origem moral das objecções apresentadas.

A acceitação da fórmula — Ordem e Progresso — implica tanto a conversão á Religião da Humanidade, como a acceitação da lei da gravitação descoberta por Newton implica a adopção das theorias metaphysicas do eminente pensador inglez, ou o reconhecimento da supremacia do amor proclamada por S. Paulo implica a acceitação do Catholicismo. Para ser coherente, o jornalista devia tambem promover a rejeição do chão verde de nossa bandeira nacional, porque esse é tambem o fundo da bandeira religiosa do Positivismo.

O ter sido formulada por Augusto Comte a divisa republicana dos tempos modernos a ninguem deve causar surpresa. São só os Aristoteles, os S. Paulo, os Confucio, os Mahomet, os S. Bernardo, os Descartes, os Leibnitz, os Augusto Comte, etc., que podem systematisar as aspirações de sua época. Augusto Comte é um pensador, cujo merito não é mais materia de minima duvida. Póde rejeitar-se o conjunto de sua doutrina, e bem pequeno é o numero dos que a seguem hoje. Mas muitos aspectos isolados della já fazem parte integrante da civilisação de nosso tempo.

Um dos fundadores da Republica Brasileira, o cidadão Benjamin Constant, sempre apregoou a superioridade mental e moral do eminente philosopho republicano. Egual conducta tiveram o actual ministro da Agricultura, o cidadão Demetrio Ribeiro, e tantos e tantos que trabalharam pela Republica, quando o jornal de que se trata fazia salamaleques á dynastia decahida. Porque tambem não propôr que a Republica rejeite de seu seio e de seu governo esses benemeritos da Patria que, sem serem adeptos orthodoxos da Religião da Humanidade, se esforçaram, no emtanto, por propagar as vistas politicas de nosso Mestre?...

Os nossos concidadãos sabem que nós, os positivistas orthodoxos, nós, os sectarios estreitos da Religião da Humanidade, daquillo a que o jornalista chamou seita, nada pretendemos da Republica em proveito especial nosso, ou de nossa fé. Confórme as prescripções de Augusto Comte, todos os positivistas, quer theoricos, quer praticos, durante a primeira phase da transição organica em que entramos, não devemos, siquer, occupar os minimos cargos politicos, justamente para tornar insuspeita e pura a nossa intervenção. E, entretanto, ha largos annos, podemos dizer, desde a nossa meninice, que combatemos pela Republica. Quanto á nossa fé, ella, como todas as instituições scientificas da Humanidade, ha de triumphar pela livre propaganda de que até hoje se ufana, sem precisar do mais insignificante apoio do poder civil.

Nesta primeira phase, nós só aspiramos o estabelecimento de um regimen que garanta a ordem e o progresso, isto é, nós só queremos a consolidação da dictadura republicana, em vez do parlamentarismo burguezo-cratico, conciliada com a plena liberdade espiritual, resultante da abolição de todos os privilegios theologicos, metaphysicos e scientificos, em vez da tyrannia clerical e academica, sob cujo jugo vivemos durante sessenta e oito annos.

Quanto ao facto de ter a nossa bandeira nacional uma legenda, e não, simples côres e emblemas, ser-me-ia facil mostrar que a logica scientifica assim o exige; porque, para evocar com a maxima intensidade os sentimentos e pensamentos, é preciso o concurso das imagens e dos signaes. Ora, nenhum signal é mais efficaz do que os termos da linguagem humana, que são ao mesmo tempo visuaes e phonicos.

Mas limitar-me-ei a recordar que o emprego das fórmulas nas bandeiras é tão espontaneo, que os primeiros cidadãos que sonharam a independencia de nossa nacionalidade projectaram uma bandeira com a divisa — Libertas, quæ sera tamen. Si o Brasil se houvesse separado de Portugal em 1789, em vez de fazel-o em 1822, o pavilhão nacional teria contido essa legenda.

A unica razão para não a adoptar agora é que ella não define o conjunto da politica republicana moderna. A liberdade é uma condição e não, um fim; a liberdade é a condição fundamental justamente da Ordem e do Progresso. A divisa actual absorve, portanto, espontaneamente, a legenda dos gloriosos inconfidentes.

Devemos, finalmente, ponderar, como razão synthetica, que o symbolo que obteve a approvação dos fundadores da Republica Brasileira, os quaes, aliás, não são adeptos systematicos da Religião da Humanidade, por maiores sympathias que lhes mereçam o nome e a obra de Augusto Comte, não póde de modo algum ser acoimado de sectarismo. E os cidadãos brasileiros que hoje os cercam de justo reconhecimento não podem olhar sinão com profundo respeito para o emblema que elles julgaram digno de offerecer á veneração nacional.

Peço-vos a publicação destas linhas, em additamento á Apreciação Philosophica, a que acima alludi.

Saúde e fraternidade. — R. Teixeira Mendes. — 10, rua de Santa Izabel.

N. no Maranhão (Caxias), em 5 de janeiro de 1855.»

 



  1. Publicado no Diario Official, da União, de 24 de novembro de 1889.
  2. Do Diario Official, de 26 de novembro de 1889.