A bandeira nacional (Eduardo Prado)/Astronomia

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ASTRONOMIA


 

Art. 1.º..... — «21 estrellas, entre as quaes ha a coostellação do cruzeiro, dispostas na sua situação astronomica quanto á distancia e ao tamanho relativos.»

«Adoptou-se a representação idealisada do aspecto do céo na capital dos Estados Unidos do Brasil, no momento em que a constellação do cruzeiro do sul se acha no meridiano, estampando-se na direcção da orbita terrestre a legenda — Ordem e Progresso... Figurou-se a esphera inclinada sobre o horizonte, segundo a latitude do Rio de Janeiro, e assignalou-se o polo Sul pelo σ do oitante, que se tornou o symbolo natural do Municipio Neutro. Escolheram-se constellações austraes, com excepção do pequeno cão, que forneceu Procyon, para significar que a União Brasileira tem um Estado que se extende ao hemispherio norte. Esta constellação fica ao norte do Equador e ao sul da Ecliptica. As outras constellações escolhidas, além do cruzeiro, convenientemente destacadas, são o triangulo austral, o escorpião, a virgem (Espiga), argus, (Canopo)[1] e o grande cão (Syrius).[2] A virgem tem parte no hemispherio norte e parte no hemispherio sul, extendendo-se, aquella, acima da Ecliptica. A sua estrella mais bella, a Espiga, pertence ao nosso hemispherio, e a essa estrella está ligada a memoria da descoberta da precessão dos equinoxios pelo fundador da astronomia, o immortal Hyparco[3]. Ella não podia, pois, deixar de ser escolhida. Na bandeira, está figurada acima da Ecliptica, para quebrar a monotonia do hemispherio boreal. Procyon; que é a unica estrella das escolhidas que está no hemispherio norte, não podia ser collocada acima da Ecliptica, porque a constelação está ao sul dessa linha. A liberdade esthetica, pelo contrario, permittia collocar a Espiga acima da faixa representativa do Zodiaco, por se tratar de uma constellação que tem parte acima e parte abaixo do plano da orbita terrestre, e de uma estrella que bastaria uma pequena variação, na inclinação desse plano, para transportal-a ao norte delle. Mas ella foi representada junto á faixa.»

Apreciação Philosophica, pelo sr. Raymundo Teixeira Mendes.

As unicas estrellas que um astronomo (e as bandeiras não devem ser feitas para os astronomos) poderia collocar na esphera da Bandeira e do Sello, depois de lêr attentamente o decreto e a Apreciação Philosophica, seriam as cinco seguintes:

σ do Oitante (estrella insignificante);

α do Pequeno Cão (Procyon);

α da Virgem (Espiga);

α do Navio Argo (Canopo);

α do Grande Cão (Sirius).

As 16 estrellas que faltam para completar as 21, deixou-as todas no vago a Apreciação Philosophica, pois as tres outras constellações indicadas constam, como todas as constellações, de muitas estrellas. O modelo n. 1, annexo ao decreto, — modelo que reproduzimos em fac-simile [4] — veiu esclarecer um pouco este ponto obscuro. Pela estampa lithographada, ficamos sabendo que foram escolhidas as seguintes estrellas:

Do Cruzeiro: α, β, γ, δ, e ε — cinco estrellas.

Do Triangulo Austral: α, β e γ — tres estrellas.

Do Escorpião, não é possivel, pela estampa, verificar quaes sejam as estrellas escolhidas, tão erradas estão as posições, confórme demonstraremos. Suppomos que devem ser estas, começando do norte: β, δ, α (Antares) τ, ε, μ, λ e χ. Em todo caso, o Escorpião é a constellação dominante, pois ella só forneceu mais da terça parte do numero total das estrellas.

O astronomo official fez brilhar na esphera até o misero σ do Oitante, invisivel a olho nú, — e se esqueceu de duas estrellas de primeira grandeza, que fulguram no céo do Brasil ao lado do Cruzeiro — α e β do Centauro. A precipitação dos que não trepidam em acceitar incumbencias para as quaes não estão preparados é a unica explicação deste esquecimento. A estrella α do Centauro é um sol duplo e a mais proxima do nosso systema. Das estrellas escolhidas, só duas — Sirius e Canopo — têm mais brilho do que ella. A outra, β do Centauro, é mais brilhante que as do Cruzeiro. Não obstante, foi supprimida a formosa constellação, que tanto brilha nas noites do Brasil, para dar logar ao Escorpião, o Formidolosus, como o chamavam os antigos, que firmemente julgavam votados a um fim tragico os que nasciam sob a sua influencia. E em bôa companhia fica o Escorpião, porque, no momento escolhido pelo decreto, para a representação do céo do Rio de Janeiro, muito acima do Cruzeiro e bem sobre as cabeças dos habitantes pairam outras duas constellações sinistras — o Corvo e a Hydra.

Dito isto, devemos examinar successivamente as proposições astronomicas da Apreciação Philosophica, como já fizemos com as suas proposições historicas.

 
Proposição I — «A bandeira representa o aspecto do céo do Rio de Janeiro».
 

Embora o decreto tenha força de lei e a opinião do auctor da Apreciação Philosophica seja muito valiosa, podemos affirmar e demonstrar que a bandeira não representa o aspecto do céo da capital do Brasil, nem quando a constellação do Cruzeiro do Sul está no meridiano, nem em momento algum.

O aspecto do céo é graphicamente reproduzivel por meio de cartas celestes que representem esse aspecto.

Ora, o astronomo inventor da bandeira traçou um céo que é o avêsso do céo do Rio de Janeiro. E isso, porque? Porque o astronomo se serviu, para o desenho, não de uma carta celeste, que esta, sim, reproduziria o aspecto do céo visto da terra, mas de um globo celeste, sem attender a que quem tem deante dos olhos uma dessas espheras se suppõe, não na terra, que é imaginada no centro, ou no amago desse globo, mas fóra e muito fóra, não só do nosso systema solar, mas até muito longe das mais afastadas estrellas e nebulosas.

Que se entende por aspecto do céo? É o céo como nós o vemos da terra. Ora, quem olha para uma esphera celeste, não vê o céo como elle é visto da terra. A bola estrellada da bandeira e do sello da Republica foi reproduzida de um globo celeste e, por isso, não representa o céo do Rio de Janeiro como os fluminenses o vêem, isto é, no seu aspecto visivel. A bola representa o céo do Rio de Janeiro como ninguem ainda o viu: mostra-o invertido, estando a oéste as estrellas que no horizonte daquella cidade estão a éste, ficando á esquerda o que no céo se vê á direita. É positivamente o avêsso do céo.

A posição verdadeira das estrellas escolhidas para a bandeira e de algumas outras de maior importancia, quando a constellação do Cruzeiro está no meridiano do Rio de Janeiro, será pelo leitor encontrada na estampa n. 5. As ascensões rectas e os circulos de latitudes estão indicados, de sorte que não só as 21 estrellas escolhidas, como as outras, estão representadas com a maior exactidão.

Quando se diz — o aspecto do céo — entende-se o céo segundo a carta celeste de um ponto e num momento dados.
 

Estampa V

Projecção stereographica
sobre o plano do horizonte do Rio de Janeiro
estando o Cruzeiro do Sul sobre o meridiano
 
 

Estampa VI.

 
Esboço da Carta do Brasil
Projecção stereographica sobre o horizonte do Rio de Janeiro

 

Augusto Comte queria limitar o estudo da astronomia ao nosso systema planetario, abandonando a astronomia estellar. Os inventores comtistas da nova bandeira, para reproduzirem o aspecto do céo, ultrapassaram os mais remotos dominios da astronomia estellar e, penetrando pelo espaço infinito, de lá pintaram o céo do Rio de Janeiro ás avéssas.

A estampa n. 7 mostra as posições exactas das 21 estrellas escolhidas para a bandeira, estando o Cruzeiro do Sul sobre o meridiano do Rio de Janeiro e como os fluminenses as vêem nesse momento. Essa carta é a mesma que a n. 5, sem os meridianos e sem os parallelos, sendo supprimidas das constellações todas as estrellas que não figuram na bandeira e no sello das armas do Governo Provisorio. A estampa n. 8, impressa em papel transparente, é a reproducção do modelo adoptado para a bandeira. Compare o leitor esta estampa com a n. 7 e vêrá que as estrellas do modelo official não estão collocadas como todo o mundo as vê do Rio de Janeiro; não estão confórme o aspecto do céo. Admittindo-se, mesmo, a inversão, não estão certas nem as suas posições, nem as suas grandezas, e está tambem errada a projecção da faixa com que se pretendeu representar a Ecliptica. Volte o leitor a estampa n. 8 e applique-a sobre a

n. 7, e vêrá que nem as estrellas, nem a Ecliptica coincidem. Si estivessem certas, deveriam coincidir perfeitamente com a carta anterior[5].
 

Estampa VII

 
Carta mostrando as posições exactas das 21 estrellas
escolhidas para a bandeira, estando o Cruzeiro do Sul
sobre o meridiano do Rio de Janeiro.
 
 

Estampa VIII.

 
Reprodução do modelo adoptado para a bandeira

 
O aspecto do céo do Rio de Janeiro continúa, pois, a não ser o que tanto o decreto n. 4, como o sr. Teixeira Mendes quizeram fazer, e, si a bandeira quiz representar este aspecto, a bandeira está errada. Está errada na direcção da Ecliptica, nas grandezas, nas posições das estrellas, de todas as estrellas, sem exceptuar uma só. Teriam estas de realisar viagens de centenares de milhares de seculos, para, obedecendo ao decreto e ao sr. Teixeira Mendes, irem tomar na bola azul as posições que lhes foram designadas dictatorialmente. Ha no Rio de Janeiro um observatorio astronomico, que poderia ter sido consultado, desde que se pretendia pôr em contribuição os astros. O Governo Provisorio preferiu, porém, desfraldar aquelle documento de ignorancia, que, correndo mundo e fluctuando no extrangeiro, dará uma idéa tão ridicula, quão injusta, do nosso adeantamento.
 
Proposição II — «Assignalou-se o polo Sul pelo σ do Oitante, que se tornou o symbolo natural do Municipio Neutro.»

Porque o insignificante σ do Oitante é o symbolo natural do Municipio Neutro? O Rio de Janeiro não está no polo Sul. Mais perto do polo, acham-se os Estados de São Paulo, do Paraná, de Santa Catharina e do Rio Grande do Sul. Será por ser o σ do Oitante a estrella menor de todas as que figuram na bandeira?

Proposição III — «Escolheram-se constellações austraes, com excepção do Pequeno Cão, que forneceu Procyon, para significar que a União Brasileira tem um Estado que se extende ao hemispherio norte.»

O auctor da bandeira devia apprender um pouco de Geographia do Brasil.

Não ha menino de escola naquelle paiz que ignore que o Brasil tem dous Estados cujos territorios se extendem ao norte do Equador. Olhe o auctor da Apreciação Philosophica para qualquer mappa do seu paiz e vêrá que o Pará e o Amazonas têm territorios ao norte da linha equinoxial.

Seria, portanto, preciso escolher, do hemispherio norte, não uma estrella, mas duas, representando o Estado do Pará e o Estado do Amazonas. Podiam ser Regulus, Arcturus, Castor, Pollux, outras estrellas do hemispherio norte.

O auctor da bandeira, evidentemente, teve aqui a confusa e vaga idéa de querer representar tão sómente as estrellas comprehendidas dentro dos meridianos e parallelos celestes correspondentes aos meridianos e parallelos terrestres que passam pelos pontos extremos das fronteiras e da costa do Brasil.

Mas, então, seria preciso excluir todas as 21 estrellas escolhidas, como vêrá claramente o leitor applicando o mappa n. 6 com a projecção do territorio brasileiro sobre o mappa n. 5, que é o do aspecto do céo do Rio de Janeiro no momento e com as estrellas escolhidas pelo decreto e pelo auctor da bandeira. Graças á transparencia do papel, vêrá o leitor, das 21 estrellas escolhidas, uma sómente, a Espiga, da Virgem, que está comprehendida no espaço do céo correspondente ao plano do territorio. Seria preciso, então, excluir as 20 outras estrellas, e seria logico: si as do norte do Equador celeste foram excluidas, porque o Brasil apenas se extende alguns graus ao norte do Equador terrestre, então se eliminem da bola azul da bandeira todas as estrellas circumpolares e, com mais razão, o minusculo σ do Oitante, tão arbitrariamente feito «symbolo natural do Municipio Neutro», pois o Brasil não chega ao polo Sul; eliminem-se tambem as estrellas de Léste e de Oéste, inclusivé as do multistellifero Scorpião, pois, no momento escolhido, ellas não estão dentro dos limites que o auctor da bandeira se impoz, ao Norte, e que deveria tambem adoptar para o Sul, para o Oéste e para o Léste.

O decreto e a Apreciação falam em aspecto do céo. Si quizeram dar esse aspecto, todas as estrellas comprehendidas no horizonte do Rio de Janeiro podiam ter sido escolhidas.

Proposição IV — « A sua estrella mais bella, a Espiga, da Virgem, pertence ao nosso hemispherio, e a essa estrella está ligada a memoria da descoberta da precessão dos equinoxios pelo fundador da astronomia, o immortal Hyparco[6]. Ella não podia, pois, deixar de ser escolhida.»

Si a razão que obrigou o auctor da bandeira a escolher a Espiga é o ter aquella estrella servido para a descoberta da precessão dos equinoxios por Hipparcho, egual razão havia para a escolha de Regulus, α da constellação do Leão, brilhantissima estrella, que aquelle astronomo observou para fazer a sua descoberta.

E, si o auctor da bandeira queria uma constellação septentrional para indicar que o Brasil tem um Estado (aliás, dous) extendendo-se ao norte do Equador, tinha á mão (si assim se póde dizer, tratando-se de estrellas) Regulus, do Leão, que, para ser contemplado, reunia dous titulos: o de estar ligado á memoria de uma grande descoberta e o de estar ao norte do Equador.

Proposição V — a) «Na bandeira, ella (a Espiga, da Virgem) está figurada acima da Ecliptica, para quebrar a monotonia do hemispherio boreal.»
b) «Procyon, que é a unica estrella das escolhidas que está no hemispherio norte, não podia ser collocada acima da Ecliptica, porque a constellação está ao sul dessa linha.»

Quando chegou nesse ponto, o auctor da bandeira olhou para a parte superior da sua bola azul e viu aquelle campo deserto, achou-o monotono e teve muita razão. E quando a gente acha monotono o hemispherio boreal, que deve fazer? Pega delicadamente de una estrella e deita o dito astro no referido hemispherio; e, para isso, pede-se uma estrella emprestada ao vizinho hemispherio austral. O auctor da bandeira, tendo feito este emprestimo estellar, olhou de novo para a bola e achou que estava bem.

Infelizmente, não descançou, porque continuou depois, a dedo, a desarranjar os astros.

c) «A liberdade esthetica, pelo contrario, permittia collocar a Espiga acima da faixa representativa do Zodiaco, por se tratar de uma constellação que tem parte acima e parte abaixo do plano da orbita terrestre, e de uma estrella que bastaria uma pequena variação na inclinação desse plano, para transportal-a ao norte delle. Mas ella foi representada junto á faixa.»

O auctor da bandeira teve a idéa de fazer uma bandeira scientifica, um estandarte astronomico. Deante dessa obra desgraciosa, pesada, inesthetica por todos os titulos, o seu auctor resolveu introduzir a liberdade esthetica entre os astros, que, a principio, começara a querer dispôr com todo o rigor astronomico e de accôrdo com a ordem do Governo Provisorio, que era positiva, pois o decreto mandava que as estrellas apparecessem todas nas suas posições astronomicas. A bola estrellada, que já não era astronomia, porque, como demonstrámos, estava errada, e que nunca será arte, porque é tudo quanto ha de mais desgracioso e anti-artistico — a bola, com o emprestimo da Espiga, removida, por ordem superior, de um hemispherio para outro, perdeu até as apparencias de ser cousa attinente á astronomia. O seu logar é na industria do papel barato.

A Apreciação Philosophica, si queria por força e á ultima hora povoar o deserto hemispherio com uma estrella isolada, não precisava mudar do seu caminho a innocente α da Virgem. Si o auctor da bandeira tivesse obedecido ao decreto, collocando as estrellas nas suas posições astronomicas, e não as tivesse desarranjado, β do Escorpião ficaria, naturalmente, e sem esforço, nem liberdade esthetica, por cima do plano da Ecliptica. Veja-se a carta n. 5. Tomasse α de Bootes (Arcturus), bellissima estrella, que, estando ao norte do Equador e da Ecliptica, realisaria a dupla intenção de que fala a Apreciação: — de indicar que o Brasil tem territorio ao norte do Equador e de quebrar a monotonia do hemispherio boreal, que a Apreciação julgou ficar mais interessante com a emigração da Virgem deslocada.

A Apreciação procura desculpar a liberdade, dizendo que foi apenas uma pequena variação. No globo celeste de que se serviu o auctor da bandeira para inscrever no losango amarello a sua bola, ou, antes, rodella azul salpicada de estrellas, essa variação pareceu pequena. Nem chegava, talvez, a meia pollegada, acreditamos. Mas, no espaço celeste, são outras as proporções: o movimento proprio secular da estrella Espiga, ou α da Virgem, que todos os dias se afasta de nós, produz-se na direcção da constellação do Corvo[7]. O auctor da bandeira não só deslocou a estrella, como fêl-a mudar de direcção, levando-a para perto de Arcturus, 7º ao sul desta estrella[8], e, depois de ter assim desencaminhado, em pleno céo, a Virgem, fêl-a fazer, fóra do rumo, uma viagem, na qual, levando-se em conta o movimento proprio da Espiga e o espaço a percorrer, teria a pobre estrella de levar 35.000 seculos, ou 3.500.000 annos[9].

E a Apreciação insiste na insignificancia da alteração feita no céo, dizendo, por fim, que, apesar da mudança, a Espiga ficou perto da faixa!

Para representar exctamente o aspecto do céo do Rio de Janeiro, com as estrellas escolhidas, na sua verdadeira posição astronomica no momento em que está sobre o meridiano o Cruzeiro, fizemos gravar a carta n. 5, que bem mostra o erro da bandeira.

Admittida a idéa de uma bandeira astronomica, o auctor dessa bandeira deveria escolher outro momento. Seria esse momento aquelle em que a
 

Estampa IX

 
Projecção stereographica
sobre o plano do horizonte do Rio de Janeiro
estando o do Navio sobre o meridiano

 
estrella η do Navio Argo[10] passa pelo meridiano do Rio de Janeiro.

Esse momento seria, sem duvida, preferivel, pois estaria então acima do horizonte a bellissima constellação de Orion, o Gigante do Céo, cantado por Pindaro, os Tres Reis Magos, ou Tres Marias da poesia e das lendas populares e que os proprios indios do Brasil conheciam e a que chamavam... Ararapary[11]

O astronomo official teria, então, de escolher 21 estrellas, todas do maior brilho e todas visiveis, o que, além de mais bello, seria, como já observámos, um symbolo de egualdade entre os differentes Estados.

Veja o leitor a estampa n. 9, representando essas estrellas no céo, no momento em que η do Navio está sobre o meridiano do Rio de Janeiro.

Haveria, nesse momento, a escolher as seguintes estrellas, todas da maior belleza:

6 em Orion: α, ou Betelgueze; γ,

ou Bellatrix; β, ou Riegel; e as tres do Talabarte — δ, ε e ζ.

1 no Maior Cão: α, ou Sirius;
1 no Menor Cão: α, ou Procyon;
1 no Leão: α, ou Regulus;
1 na Virgem: α, ou Espiga;
1 no Navio Argo: α, ou Canopo;
4 no Cruzeiro: α, β, γ e δ;
2 no Centauro: α e β;
3 no Triangulo Austral: α, β, e γ;
1 no Escorpião: α, ou Antares.
21

O céo do Rio de Janeiro, quando η do Navio está sobre o meridiano, é tão rico, que haveria até para escolher essas 21 estrellas necessidade de deixar de lado outras, não menos brilhantes, como Arcturus, Castor e Pollux, e não se precisaria recorrer a estrella alguma.

Mas nenhuma combinação, nem mesmo essa, uma vez adoptada a infeliz idéa da roda, ou bola azul na bandeira, tornaria menos feia a pretendida idealisação do céo fluminense e a representação inexacta e inesthetica dos Estados do Brasil por meio de estrellas dispersas caprichosamente, mas com pretenções de estarem nas suas posições astronomicas.

Julgámos ter, no emtanto, demonstrado que, como astronomia, a bandeira é um conjunto de erros: 1.º) É o reverso do céo, cujo aspecto se quiz representar; 2.º) As estrellas não estão nas suas verdadeiras posições e a faixa representativa da Ecliptica está erradamente traçada.



  1. Aliás, a Nau Argo — ἠ Aργώ e não, Argus, ὀ Aργος que é cousa muito differente do celebre Navio.
  2. Aliás, Sirius.
  3. Aliás, Hipparcho — ὀ Ἵππαρχος.
  4. Estampa VIII. O modelo distribuído pela Legação do Brasil em Paris, não sabemos por que razão, tem 22 estrellas, em vez de 21.
  5. Aos leitores não familiarisados com as cartas celestes causará extranheza que, nas cartas ns. 5, 7 e 9, o horizonte Oéste fique á direita e o horizonte Léste, á esquerda, estando o espectador voltado para o Norte — isto é, que nessas cartas se dê o contrario do que se observa nas cartas terrestres, como, por exemplo, na n. 6.
    A razão é simples: as cartas celestes representam o aspecto do céo, isto é, a visão que delle temos, suspenso sobre nossas cabeças. Si, pois, inclinarmos, ou suspendermos uma dessas cartas, orientando-a convenientemente, teremos á nossa direita, quando voltados para o Norte, o horizonte Éste e á nossa esquerda, o horizonte Oéste, como succede nas cartas terrestres collocadas horizontalmente sobre a nossa mesa. Si, porém, collocarmos uma carta do céo sobre a nossa mesa, isto é, si collocarmos em plano inferior a nossos olhos a reproducção do que está em plano superior, é claro que a posição do horizonte ficará invertida. É por essa razão que as duas cartas n. 5 (celeste) e n. 6 (terrestre) podem ser applicadas uma sobre a outra, e se ajustam perfeitamente, coincidindo os seus horizontes. Si nos collocassemos no verso da carta n. 6, estariamos no centro da terra e, por isso, vêriamos a sua superficie projectada sobre o céo, si a superficie fosse transparente; si nos collocassemos no verso da carta n. 5, estariamos fóra de todo o systema estellar conhecido, vendo o céo, não como é visto do nosso planeta, mas como é representado em um globo celeste. Os mappas ns. 5 e 9 representam com exactidão o aspecto do céo do Rio de Janeiro, ou, antes, a posição de certas estrellas naquelle céo; o n. 5, no momento escolhido pelo decreto, isto é, quando o Cruzeiro está no meridiano; o n. 9, certas constellações num momento dado, que julgamos mais propicio para a feitura de uma bandeira astronomica. Todas as estrellas comprehendidas nesses mappas são visiveis na latitude do Rio de Janeiro. O ponto negro que marca o centro do circulo é o que, no céo, fica sobre a cabeça do habitante do Rio de Janeiro. A circumferencia forma o horizonte daquella capital, declarado nos tres mappas com as designações: Horizonte NorteHorizonte SulHorizonte Éste e — Horizonte Oéste. O Rio de Janeiro está a 22°, 54', 24" de latitude ao sul do Equador; o polo Sul da aboboda celeste, alli, fica elevado 22°, 54' 24" acima do horizonte Sul e a abobada parece gyrar em torno desse ponto, por effeito do movimento diurno da rotação da terra. Si a cidade estivesse sobre o Equador, os dous polos ficariam justamente sobre os dous horizontes Norte e Sul; como, porém, está ao sul do Equador, o polo Sul está acima do horizonte, e ir-se-ia elevando gradualmente para quem viajasse em direcção do Sul, ao passo que baixariam no horizonte Norte as estrellas mais proximas desse polo. Quanto ás bellezas do nosso céo austral, é muito util para o distincto conhecimento dellas a obra de Proctor: The Southern Skies, a plain and easy guide to the constellations of the Southern Hemisphere etc, etc. London, 1889.
  6. Aliás, Hipparcho
  7. Vid, as posições na estampa n. 5.
  8. Vid. estampa n. 5 e a bandeira do Governo Provisorio, n. 4.
  9. Calculo rigoroso.
  10. E não Argus, como escreve a Apreciação
  11. Vocabulario indigena de Barbosa Rodrigues.