A ilha maldita/XXXI

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Mudava-se, no entanto, a face dos mares. Um pampeiro furioso desencadeava-se por toda a extensão das costas do sul, e o oceano começava a revolver-se, empolando-se em medonhos vagalhões. O monstro, que naqueles derradeiros dias apenas arfava brandamente resfolegando em plácido e tranquilo sono, agora acordava estorcendo-se em convulsões horrendas desde as profundidades do abismo querendo arrojar-se ao céu em frenéticos impulsos.

Regina, chegando à praia, reconheceu, transida de susto pelo jogo extraordinário das ondas dentro do pequeno golfo, o tremendo temporal que rebentava por fora.

— Que tormento, meu Deus…! Vai tudo perder-se! — exclamou no auge da angústia e da inquietação.

O pavoroso estrugido das vagas, que abalroavam em derredor das penedias, e que pareciam abalar a ilhota em suas bases, roncava nos espaços como uma trovoada denunciando a violência e o horror da tempestade. Regina quase caiu desfalecida de pavor e desânimo. Com aquele tremendo temporal jamais o barco de seu amante poderia penetrar no recôncavo da ilha, e teria infalivelmente de quebrar-se de encontro às penedias, ou de perecer devorado pelos vagalhões.

Entretanto não a abandonavam a coragem, nem a esperança, e ia tentar esforços supremos para salvar o amante. Abeirando a praia, foi procurando a entrada do golfo, onde à meia altura da rocha, que servia de pilastra à porta colossal, formava-se uma espécie de frisa ou balcão bastantemente largo, e facilmente acessível pelo lado interior. Dali, dominando as ondas, podia-se contemplar o oceano ao largo por toda a extensão dos horizontes, mas nessa ocasião Regina só procurava descortinar o barco de seu amante no meio das vagas alterosas e revoltas. Em pouco o divisou a poucas amarras do rochedo em que se achava, debatendo-se horrivelmente com o pego furioso que o fazia saltar como uma pela em contínuos e violentos boléus. Ora sumia-se de todo por trás de um vagalhão, e parecia ter-se abismado para sempre nas entranhas do oceano, ora surdia de novo na crista espumosa de um escarcéu, onde oscilava um instante como ramo seco açoitado pelo tufão para de novo sumir-se nos abismos.

— Ânimo, Ricardo! Ânimo…! — bradou Regina, que apenas o avistara. — Vem, que aqui me acho à tua espera!

E enquanto assim bradava, anelante e desvairada, estendia-lhe os braços, debruçando-se sobre as ondas, como quem nelas ia precipitar-se. Os cabelos soltos agitados pelos ventos acoitavam-lhe o colo e as faces como serpentes que a mordiam, enrolando-se em furiosas contorções; as roupas dilaceradas pelo tufão esvoaçavam-lhe em rápidas ondulações em derredor do corpo como um vapor fantástico. Quem a visse naquela atitude estranha, mesclando seus gritos desesperados aos uivos da procela, julgaria ver o anjo das tormentas açulando os ventos e estumando as ondas para invadirem e subverterem os continentes.

Ricardo, sacudido violentamente pelas ondas cada vez mais cavadas e enfurecidas, mal ouvia, e avistava por instantes a consternada amante que o chamava e alentava com seus gritos, e em desespero de causa, abandonava o fraco batel à fúria da tormenta, contra a qual seriam impotentes todos os seus esforços. Todavia, ao ouvir a voz de Regina, um pouco de esperança e coragem confortaram-lhe o coração, e empregou novos e desesperados esforços para chegar ao rochedo, onde se achava Regina. Entretanto, o próprio jogo das vagas o ia aproximando gradualmente; já se viam a poucas braças de distância, e podiam ouvir-se distintamente um ao outro. O mar, empolado e grosso como jamais se vira, chegava bramindo até a altura em que se achava Regina, e a onda de instante a instante trazia o amante à sua presença, quase a seus braços, para de novo arrebatá-lo de chofre como por escárnio.

Viam-se por um momento, estendiam os braços um para o outro, e os nomes de Regina e Ricardo ecoavam por entre o estrondo da tormenta, como os gritos da procelária, e a tempestade continuava a rugir cada vez mais formidável.

Ricardo, depois de ter-se esgotado em inúteis esforços, desesperado de poder chegar com seu barco ao rochedo, atirou-se ao mar, e, nadando com todo o denodo e perícia, conseguiu por fim chegar no dorso de uma vaga bem ao pé do rochedo, onde se achava Regina. Esta, vendo aquele ato de desespero, compreendeu o seu intento, e atracando-se com uma das mãos a uma raiz que brotava do rochedo, pendurou-se sobre o abismo e estendeu-lhe a outra.

Ricardo agarrou-a e, graças a esse auxílio, galgou ao friso do rochedo, e achou-se a salvo ao lado de sua amante.

— Regina! — Ricardo! — exclamaram a um tempo, ébrios de amor e de alegria, estreitando-se nos braços um do outro.

Súbito um escarcéu medonho, uma verdadeira montanha de água despenhou-se sobre a ilha. Formidável estrondo, como de um mundo que desaba, se propagou ao longe abalando mares e terras…!

Um vórtice imenso abriu-se no lugar da ilha, gorgolando espantosamente como se a terra, ardendo em sede, sorvesse a longos tragos o oceano…!

Quando veio a outra onda, não encontrou mais a ilha maldita.

No outro dia o mar estava sereno, e a manhã esplêndida e formosa. Os pescadores dispersos pela praia procuravam, em vão, com os olhos a ilha encantada ou algum barco que de lá viesse velejando.

O mar se desdobrava azul e sereno ondulando suavemente por sobre aquelas paragens, ainda ontem rodeadas de eternos escarcéus.

A ilha se tinha submergido com todos os seus fantasmas, encantos e maldições.

Entretanto, contam os pescadores que essa ilha ainda hoje aparece de vez em quando em noites de luar, rodeada de todos os seus prestígios, terrores e encantamentos.

Mas já não é como antigamente no tempo de Regina, uma coisa viva e real. É apenas um fantasma que, com o socorro de algumas orações, se esconjura sem correr-se o menor perigo.