A todo francês que ama a justiça e a verdade

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Franceses[1]! Nação[2] outrora amável e doce, em que seres vos transformastes? Vós mudastes para um estrangeiro desafortunado, sozinho, à vossa mercê, sem apoio, sem defensor, mas que nada deve para um povo justo; para um homem sem máscara e sem rancor, inimigo da injustiça, mas paciente no sofrimento, que jamais fez, quis, ou retornou mal a uma pessoa, e que depois de quinze anos foi mergulhado e arrastado por vós no lodo do opróbio e da difamação, vendo-se e sentindo-se acusado de provocações jamais vistas antes, sem ao menos poder compreender a causa! Então é esta a vossa franqueza, a vossa doçura e a vossa hospitalidade? Abdiquem deste vetusto nome de Francos, ele deve fazer-vos enruborescer. O perseguidor de Jó tem muito o que aprender com aqueles que vos guiam nesta arte de tornar um mortal desafortunado. Eles vos persuadiram, já não tenho mais dúvida, e mesmo vos provaram - já é que é sempre fácil se esconder enquanto se denuncia, que eu mereço estes tratamentos indignos, cem vezes piores do que a morte. Neste caso, devo me resignar, porque não espero nem dos olhos deles nem dos vossos piedade alguma. Mas o que quero, e o que me é devido, ao menos, depois de uma condenação tão cruel e vergonhosa, é que me ensinem quais foram os meus crimes, e como e por quê fui julgado.

Por que será que um escandâlo tão notório seja para mim um mistério impenetrável? Por que o uso de tantos artíficios, subterfúgios, traições e falsearias para esconder do culpado seus crimes, que ele deve saber melhor do que ninguém se os cometeu verdadeiramente. Se vocês, por razões que não compreendo, insistirem em me obstruir um direito[3] do qual nenhum mortal jamais foi privado, terão determinado a preencher o resto de meus tristes dias com angústias, escárnios, opróbios, sem eu saber sequer porque, sem que consintam em escutar minhas acusações, minhas razões, minhas queixas, minhas desculpas, sem permitir-me mesmo falar[4]. Eu elevarei ao céu toda defesa de um coração verdadeiro e das mãos limpas de todo o mal lhe pedindo, pessoas sensíveis, que me vingue e vos castigue (Ah!, e que ele afaste de vocês toda desgraça e todo erro), mas que possibilite logo, em minha velhice, um refúgio melhor, onde vossas injúrias não mais me atingirão.

JJR

P.S.: Franceses, vós gargalheis em um delírio que não cessará em minha vida. Mas quando eu não for mais, quando o ataque tiver passado, e que vossa animosidade, parando de se inflamar, deixar a igualdade natural falar aos vossos corações, vós percebereis melhor, espero, todos os fatos, ditos e escritos que muito cuidadosamente atribuíram a mim, à minha revelia, e tudo que vós fizestes, por bondade, à mim. Vós ficareis então bem surpresos! E, menos contente convosco que vós, eu ouso predizer que a leitura deste bilhete vos será então mais interessante do que parece hoje. Quando então estes senhores, coroando toda sua bondade, tornarem pública esta vida desafortunada que mataram de dor, esta vida fiel e imparcial que eles prepararam depois de muito tempo muito segredo e esmero; antes de juntar fé à sua declaração e suas provas, vós procurarei, asseguro, a fonte de tanto zelo, o motivo de tanta punição, sobretudo a conduta que tiveram comigo enquanto estive vivo. Essa procura fará bem, admito e declaro, já que quereis julgar-me sem entender-me, já que julgam sob seu próprio entendimento acerca de mim e deles.

Notas[editar]

  1. Nota do tradutor: No original françois, prenome equivalente ao Francisco português que vem do latim francus e significa "homem livre".
  2. Nota do tradutor:No original nation, significando, o conjunto de habitantes de uma mesma origem.
  3. Que homem de bom senso suporia que uma tal violação da lei natural e do direito das pessoas pudesse ter como princípio uma virtude? Se é permitido destituir um mortal de seu estado de homem, isso só pode ser feito depois de julgá-lo, mas não pelo julgamento. Vejo executores muito ardentes, mas não pude perceber o julgamento. Se esses são os preceptores da igualdade da filosofia moderna, desafortunados são os auspícios para o humilde simples e inocente; honra e glória aos ardilosos cruéis e astutos.
  4. As boas razões devem sempre ser escutadas, sobretudo da parte de um acusado que se defende ou de um oprimido que se desculpa. E, se não tenho mais nada de consistente para dizer, é porque não me deixaram falar em liberdade! É este o meio de desacreditar minha causa e justificar plenamente meus acusadores. Mas por mais que me impeçam de falar ou se recusem a me entender, quem poderá pronunciar, sem imprudência, que eu não tenho mais nada a dizer?