Anais da Ilha Terceira/IV/V

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Capítulo V[editar]

São restaurados na cidade de Angra da ilha Terceira os direitos e legitimidade de el-rei D. Pedro IV por efeito de uma reacção da tropa. Instalação do governo interino e seus primeiros actos administrativos.

Foi pelos meios referidos que o infante D. Miguel e seus partidistas se empenharam a em privar a D. Pedro da coroa de Portugal. Por toda a parte, consequentemente, se cuidava em destruir o partido constitucional, ou fosse continuando as perseguições e exclusões judiciais, ou entregando-o à fúria dos bandos assalariados, ou fosse arrastando às prisões essas vítimas cujos crimes eram tão-somente as suas opiniões. E foi desta maneira que os inermes constitucionais de Portugal iam sendo reduzidos à última extremidade, no sofrimento de muitos trabalhos que os fizeram dignos das páginas da História.

Já a 16 de Maio de 1828 tinha havido na cidade de Aveiro uma reacção contra D. Miguel; contudo este feito do mais acrisolado patriotismo ficou baldado, assim como sucessivamente em outros pontos do reino, vendo-se as respectivas divisões militares obrigadas a recolher à inóspita Espanha, e saindo dela para Inglaterra, sem lhes restar a mínima esperança de ver restabelecido o governo de el-rei D. Pedro IV.

Nada do que se passava em Portugal sabia a ilha Terceira, onde o seu general, Manuel Vieira Touvar de Albuquerque, se achava vacilante e indeliberado na presença do actual estado das coisas, muito mais por se não ter ainda pronunciado a favor das aclamações do infante D. Miguel a força militar, constante do Batalhão 5.º de Caçadores, comandado pelo capitão José Quintino Dias; e suposto que ele concebera a ideia de se insinuar dos mais distintos e influentes do partido contrário, ou fosse pela sua frouxidão e indolência1 ou pelos incómodos que efectivamente experimentava na sua saúde e lhe não permitiam uma firme resolução. O certo é que ele se demorou mais do que se devia em adoptar esse prudente meio de conciliação, dando por isso mesmo lugar a abrir-se um novo caminho para a ligeira marcha dos seus inimigos constitucionais, que apenas se poderia dizer viviam ainda2, mas em completo desalento, e sem esperanças de surgir do mísero estado em que o tempo e as imperiosas circunstâncias os tinham lançado. Assemelhavam-se a um certo corpo de reserva, que o seu antigo crédito afiançava muito mais do que valiam suas forças, deixadas com o sangue no meio de renhidos combates. Carecia-se portanto de outros chefes, de um grande desenvolvimento e de uma nova táctica e direcção.

Vejamos agora como no meio de uma pequena e limitada ilha, como de um circunscrito penedo se elevam verdadeiros patriotas, a fim de que ainda mais por esta vez a fama o publicasse por tão gloriosos feitos, tornando-o notável à posteridade, e recomendáveis seus autores assim na Europa inteira, como em todo o mundo civilizado.

Existiam em Angra naquele tempo o dr. João José da Cunha Ferraz3 de quem já falámos, como provisor, tesoureiro mor, e presidente do Cabido na Sé do Salvador, homem respeitável por sua idade e letras, pois era reconhecido pelo melhor advogado da ilha; o bacharel Manuel Joaquim Nogueira, e o dr. José Jacinto Valente Farinho, juiz de fora na mesma cidade de Angra, recto magistrado de quem igualmente já tratei, e ambos naturais do reino. Era comandante do Batalhão 5.º de Caçadores José Quintino Dias. Governava o Castelo de S. João Baptista, Teófilo Rogério de Andrade, natural desta ilha. Servia de comandante da artilharia o capitão Luís Manuel de Morais Rego; e de comandante da fortaleza de S. Sebastião Joaquim de Freitas Aragão, natural da ilha da Madeira; todos estes bem conhecidos aqui por decididos aderentes ao sistema constitucional4, e Teotónio de Ornelas Bruges Ávila5, coronel de milícias do terço da cidade, que por suas distintas qualidades cívicas, nobreza e ter, se fazia credor de respeito e atenção não obstante a sua pouca idade.

Reunidos então estes cidadãos, nos quais se dava grande parte das circunstâncias e necessários elementos para uma reacção, de comum acordo, deliberaram sustentar, a todo o custo, os inauferíveis direitos e legitimidade d’el-rei D. Pedro IV, segundo os princípios estabelecidos na Carta Constitucional, que espontaneamente haviam jurado; e que se achava de nenhum efeito, por se ter aclamado nesta ilha rei absoluto o infante D. Miguel, a quem o general Touvar, como acima temos dito, fizera odioso pelo tácito consentimento de manobras e perseguições contra os constitucionais, continuando e insistindo novamente em remover da cidade, e mesmo para fora da ilha, sob diferentes pretextos as pessoas de quem se receava; mui principalmente ao referido Teotónio de Ornelas, a quem pretendia deportar para a ilha Graciosa, e a seus primos o tenente-coronel Pedro Homem, e seu irmão Manuel Homem da Costa Noronha para a sua quinta de Vila Nova.

Não, ignorava o general qual era o descontentamento que andava na cidade, e em toda a ilha, por causa destes arbitrários procedimentos com tais sujeitos, que nela gozavam uma completa reputação: e por isso teve para si que não poderia sustentar-se por mais tempo no governo; mas era forçoso executar à risca as instruções particulares, que tinha recebido de Portugal; entendeu perfeitamente que se esperava a ocasião de rompimento da sua parte, o que ele não podia já evitar. Soube que existiam vários indivíduos no Castelo de S. João Baptista prontos a revoltar-se contra o seu governo, e que haviam outros fora do mesmo Castelo inclinados a tomar a voz, quando se lhes desse o sinal para isso: o que não faziam abertamente e por si sós em razão do muito que tinham sofrido nas diferentes vicissitudes políticas; e não ignorava que apareciam à frente na revolução aqueles mesmos que ele de antemão queria proscrever e degradar. Tudo isto sabia o general, e não faltava quem lho denunciasse; mas não soube valer-se da necessária prudência e sagacidade, que é a chave do bom governo; não teve a paciência de exortar e a fortuna de persuadir; nem a coragem de prevenir e castigar em tempo oportuno aqueles de quem suspeitava mal; e contudo para não figurar de cobarde, começou por afectar o desprezo do grande castelo e da sua guarnição6, porque no dia 20 de Junho, certificado e desenganado já de que se traçava o plano de o depor, mandou conduzir ao seu palácio quantidade de pólvora e munições de guerra; fez reforçar a guarda com tropas auxiliares, rondar de noite a cidade por alguma gente de sua maior confiança, bem armada, porém ao disfarce; ao mesmo tempo que já as milícias, então reduzidas a pequenos corpos de artilheiros, caçadores, e as ordenanças se achavam, pela maior parte, avisados e prontos a seguir a voz de seus chefes.

Continuando no seu projecto exterminador, enviou para as ilhas deste arquipélago os oficiais e soldados do Batalhão 5.º que se lhes tinham mostrado mais desafectos, no dia 18 de Maio; mandando igualmente recolher todos aqueles que tinham vindo de Lisboa para o mesmo batalhão: e isto muito de propósito, para os misturar com os outros, cuja conduta lhe era duvidosa. No dia 21 de Maio determinou que se embarcassem para as ilhas debaixo os oficiais inferiores mais aderentes aos princípios liberais. Depôs o governador do Castelo de S. Sebastião, Joaquim de Freitas Aragão, e proveu em seu lugar o capitão António Pacheco de Lima, muito seu afeiçoado. Ordenou ao referido tenente-coronel de milícias Pedro Homem que se retirasse para o seu distrito da Vila da Praia; e nesse mesmo dia fez recolher no Castelo de S. João Baptista grande número de armas de fogo, espadas e cartuchame, determinando que os corpos de artilharia e das milícias da cidade se reunissem aos daquela Vila; e em continente o batalhão de artilharia se recolheu ao Monte Brasil, em guarda da casa da pólvora, das pontas e das portas: achando-se o portão dos carros aberto em toda a noite. Seriam 5 horas da tarde, mandou o mesmo general reforçar a guarda principal de artilheiros e milicianos, postando-se aqueles na retaguarda, estes no centro, e na frente os caçadores, ficando assim no meio dos dois fogos. O mesmo se efectuou na guarda do porto, junto da alfândega, achando-se a cidade toda coberta de milicianos e paisanos armados de munições de guerra; e ao Pico Redondo veio a alta noite postar-se o batalhão da Praia.

Tinha o general despedido ordens às pessoas principais das freguesias do campo, para que se reunissem, não se dirigindo para isto aos oficiais de milícias, ou por não ter deles conhecimento, ou talvez por falta de confiança: e entre os muitos que compareceram foi Joaquim de Almeida Tavares, um dos maiores proprietários do Posto Santo, subúrbio de Angra, fidalgo dos antigos da ilha e senhor de um bom morgado; o qual se apresentou com alguns outros indivíduos7, reunindo-se a João Moniz Corte-Real, um dos ilustres fidalgos da nobre família dos Monizes, que lambem devia suceder (por ter vivo ainda seu pai) a um bom morgado, das mais antigas instituições da ilha, este a quem o general mandara chamar para dirigir as operações da força, postada nas imediações do seu palácio; assim como ao major António Moniz, e ao comandante de milícias da cidade, ordenando-lhes formassem os seus regimentos em oposição à revolta que se esperava. E por ter conhecimento da perícia do dito João Moniz, como capitão que servira no Regimento 22.º do Exército de Portugal, lhe recomendou a direcção daquela gente, e de toda a que por ventura se lhe viesse reunir. Além desta força considerável, também o capitão do batalhão de artilharia Francisco Manuel de Sousa prestou ao general um valioso serviço, mandando vir para a cidade, à formiga, quase todos os soldados, trazendo os terçados debaixo dos capotes, no intento de os reunir à mais tropa que se achava em movimento.

Ainda que todas estas coisas se ordenaram com o maior segredo, logo constou aos liberais, que então se julgaram de todo perdidos. Nestas circunstâncias exigia a necessidade que os poucos, e mui poucos, empregassem a força de muitos e mui fortes, como quase sempre acontece em casos semelhantes. Não houve por tanto lugar de se executar o plano da reacção, como se assentara; mas antes entregar-se cada um ao que a sorte lhe oferecesse pelo meio da incerteza e do inevitável perigo.

Formou-se na praça do Castelo de S. João Baptista o pequeno corpo do Batalhão 5.º de Caçadores tendo entre si alguns oficiais e soldados de mui pouca ou nenhuma confiança: e depois de se proceder à prisão do governador, Caetano Paulo Xavier, e de alguns oficiais de artilharia que eram suspeitos, saiu o comandante do mesmo Batalhão, José Quintino Dias, com 30 soldados para a cidade; e deixando esta força a cargo do tenente Francisco Eleutério Lobão, dirigiu-se ao palácio do general, entrando neste francamente; achando-o porém bastantemente incomodado por causa de suas habituais moléstias, deu-lhe a voz de preso, obrigando-o a assinar uma ordem para que o batalhão da Praia, e as mais tropas da cidade, largassem as armas e se retirassem a suas casas.

Achando então que o oficial e os soldados da guarda se não queriam render; mas pelo contrário se opunham vigorosamente, e ignorando qual o destino das milícias que supunha haverem marchado a incorporarem-se com as da Praia, e temendo ser cortado pela retaguarda, depois de um pequeno tiroteio, retirou ao largo das Covas, onde estava o pelourinho, estendendo as guardas avançadas e pondo-se de observação.

Cumpre notarmos, que à marcha e contra-marcha desta força, se não opuseram as patrulhas, por não terem ordem alguma para atacar a tropa, pois que somente lhes fora recomendada a polícia e sossego da cidade, a qual ouviu com grande sobressalto o estrondo das armas, seriam duas horas da noite do dia 22 de Junho; mas ninguém a ele se moveu, nem apareciam os milicianos, que vendo o estado das coisas, uns se tinham recolhido a suas casas, outros se foram retirando para a freguesia de S. Bento, extramuros da cidade, esperando reunir-se aos da Praia, que já nesse tempo se achavam junto do Pico Redondo, jurisdição de Angra.

Dispostas assim as coisas e passadas as ordens para a retirada dos corpos de milícias, determinou-se ao tenente Lobão para com os 30 soldados e algum reforço mais, que lhe foi enviado, marchar a surpreender a guarda do palácio, que estava renitente; e com efeitos, ao romper do dia, veio postar-se no declive da calçada, que estava no largo do palácio do general, rompendo o fogo contra os soldados da guarda, os quais muito a seu salvo se defendiam dentro das portas e janelas do quartel, comandados pelo corajoso tenente Inácio José Pinheiro, que depois de uma vigorosa resistência, conheceu a inutilidade de seus esforços, e o risco em que se achava, cercado por todos os lados, dentro em uma casa, e por força superior à sua; além de que ignorava qual o estado e direcção dos outros corpos, e as ordens do general, que, ou lhe não tinham chegado à mão, ou que ele julgava emanadas de uma perfeita coacção; muito mais sabendo qual o estado de moléstia em que ele se achava.

Por todos estes fundamentos, bem a seu pesar, tomou o partido de se dar à prisão, com a gente da guarda e soldados do reforço, um dos quais se achava gravemente ferido; e outros, assim como da força agressora, haviam também alguns maltratados, ainda que levemente; e só achava morto um sapateiro que temerariamente avançara contra os caçadores com um dardo na mão. Acabada esta contenda subiu o comandante ao quartel do general, que se achava em um extremo abatimento, e deu-lhe a voz de preso; e deixando-o entregue a uma pequena guarda de confiança, retirou-se com a tropa ao Alto das Covas.

Logo o comandante José Quintino destacou parte desta força para a guarda do porto, onde se achava o tenente Sebastião Cabral, que, tendo já notícia de tudo, se entregou sem a maior resistência; e da mesma forma se entregaram os outros postos da cidade e Castelo de S. Sebastião. No entretanto, sendo já dia claro, enviou ao Castelo de S. João Baptista o ex-general Touvar debaixo de prisão, concedendo-se-lhe ali todas as garantias devidas à sua pessoa e idade: e tudo isto concluído, retirou-se com toda a gente armada ao mesmo Castelo, de onde logo oficiou ao juiz de fora e presidente do senado José Jacinto Valente Farinho, para que, sem demora alguma, convocasse a Câmara — em vista da deliberação tomada pelo seu batalhão aclamando os direitos d’el-rei D. Pedro IV, e da Senhora D. Maria da Glória, sendo estes os motivos que o obrigaram a prender o capitão-general —8; exigindo em fim se nomeasse o governo interino, na forma do Alvará de 12 de Setembro de 1770.

Antes que o tenente Lobão voltasse pela segunda vez a combater a guarda do palácio, tinha o general convocado um conselho militar, em que tiveram parte o capitão João Moniz Corte-Real, os ajudantes de ordens Manuel José Coelho, António Isidoro de Morais Âncora, e outros militares de maior distinção. Ignora-se completamente o que nele se passou, mas viu-se em resultado que o dito ajudante de ordens Manuel José Coelho, correndo pela cidade a cavalo, gritava às milícias, ordenanças e paisanos que se dispersassem e retirassem a suas casas, pois não era de supor um resultado favorável naquela empresa, segundo o estado em que andavam as coisas; muito mais por estar o Batalhão 5.º de Caçadores senhor do Castelo e das munições de guerra.

A mesma reflexão fez ao batalhão da Praia o seu major António Moniz Barreto, o qual ainda que mais tarde, se lhe apresentou à frente. E com efeito por meio destas persuasões, sensatas na verdade, conseguiram estes militares evitar o sangue, hostilidades, e desgraças que provavelmente se haviam de seguir do conflito das armas.

Não faltou, porém, quem os arguisse de pusilânimes e mui cobardes, imputando-lhes a causa de tudo quanto depois se foi seguindo; queriam que eles se expusessem ao risco das armas, que aventurassem um ataque, batendo-se contra o Batalhão 5.º de Caçadores; muito mais sabendo-se que todo ele não estava decidido a favor da Carta Constitucional; queriam sim que este se retirasse ao Castelo, para eles o sitiarem, a fim de que, ou por força ou por capitulação, se entregasse; lembravam em seu favor o que sucedera com os castelhanos; mas tudo isto, em aparência, mui fácil, poderia ter resultados bem diversos, por ser mui diferente agora a táctica militar, e se darem outras diversas circunstâncias. O certo é, que, se o proceder destes militares podia ser arguido de cobardia, já se apontava um semelhante exemplo no ano de 1821, quando as milícias de toda a ilha, as ordenanças e paisanos se viram obrigados a retirar com o general Stockler à Vila da Praia, e não voltaram mais.

Não se deteve o juiz de fora em convocar os vereadores e mais oficiais da Câmara, que todos prontamente compareceram às 9 horas da manhã, congregando-se em sessão extraordinária com eles também os representantes dos três estados: clero, nobreza e povo; uns convidados oficialmente e outros ao toque do sino da Câmara, como era antigo costume da cidade.

Na praça fronteira à sala das vereações achava-se a força militar, que então se compunha de 100 homens, pouco mais ou menos, e tendo de se fazer a aclamação ou reclamação dos direitos d’el-rei D. Pedro IV, e de se nomear o governo, era mister acharem-se presentes os sujeitos nos quais por direito recaía a nomeação; para isto logo o comandante militar José Quintino Dias deputou o porta-bandeira Joaquim Maria Pamplona, que acompanhado por dois soldados, foi chamar o dr. provisor João José da Cunha Ferraz, o coronel José Rodrigo de Almeida, D. Inácio de Castil, e Teotónio de Ornelas, os quais de boa vontade compareceram na casa das sessões, onde se achava a maior parte dos convocados.

Estava a praça cheia de inumerável povo, assim da cidade como de todas as freguesias da ilha; uns, que por ser domingo, concorreram ao mercado a tratar de seus negócios, outros que a novidade daquele caso atraíra, desejando observar pessoalmente o que se passava. Mandou então o presidente da Câmara ao escrivão Manuel José Borges da Costa, ler o ofício do comandante do Batalhão 5.º de Caçadores, e ele juiz de fora tratou de ponderar a importância daquela heróica resolução, tomada na madrugada do mesmo dia 22 de Junho, em que tivera lugar a restituição dos inauferíveis direitos d’el-rei D. Pedro IV, e de sua augusta Filha.

Propôs com efeito se ratificasse e guardasse a todo o custo o fiel juramento, que eles circunstantes haviam prestado já de muito tempo, antes da comoção popular de 18 de Maio próximo passado. Ajuntou a isto várias reflexões mui sensatas e judiciosas, concluindo por exigir que os convocados, representantes dos três estados do povo, emitissem livremente o que lhes parecia no caso presente; e dissessem com toda a franqueza se queriam ratificar o juramento dado antes do fatal dia 18 de Maio. Ao que os circunstantes simultânea e uniformemente responderam: “Que eles todos se achavam resolvidos a derramar até à última gota de sangue a favor da Carta Constitucional, e para sustentar os d’el-rei D. Pedro IV e de sua augusta Filha, a senhora D. Maria II; que esta resposta davam, e a queriam firmar com suas assinaturas e juramentos, sendo necessário; e que finalmente se nomeasse o governo interino9 e se procedesse em tudo o mais que fosse conducente à manutenção e boa ordem, e ao sossego de toda a ilha e suas dependentes”.

Em consequência do que logo se procedeu à nomeação dos vogais que deviam compor este governo, o que se verificou nos seguintes: dr. provisor José da Cunha Ferraz, que também servia de tesoureiro mor na Sé Catedral, vista a desconformidade do dr. Frutuoso José Ribeiro, deão e governador do bispado10; o juiz de fora dr. José Jacinto Valente Farinho, por se escusar o corregedor Francisco José Pacheco; o coronel engenheiro José Rodrigo de Almeida, por se escusar também, por doente, D. Inácio de Castil; e secretário foi nomeado o bacharel Manuel Joaquim Nogueira. Ficaram ajudantes de ordens deste governo Teotónio de Ornelas Bruges Ávila e seu primo Manuel Homem da Costa Noronha. Mandou-se em continente escrever o auto para se assinar (Documento Q).

Ainda por mais, uma circunstância digna de recordar-se foi singular a briosa resolução do Batalhão 5.º de Caçadores nesta restauração; e vem a ser: quando a força militar se achava no Alto das Covas de observação, correu ali notícia de que o regimento da Praia tinha feito alto acima da igreja de S. Bento, ao Salto de Vale de Linhares, comandado pelo seu major António Moniz. E tendo o comandante Quintino disposto as coisas por tal ordem que repelisse qualquer ataque, rompeu-se também a noticia de haver chegado navio de Lisboa com poucos dias do viagem. Ordenou então o comandante ao sargento que fosse saber o que havia de mais notável; e voltando ele, disse que, com efeito, vinha de Lisboa um iate, e que trazia o patrão mor Veríssimo António dos Santos, o qual, assim como outras mais pessoas, traziam ao peito a efígie do Sr. D. Miguel, e que, apenas o povo as avistara, correra a elas e as beijara com muita alegria e veneração; e que o mesmo infante estava já aclamado pelos três estados — Rei de Portugal —.

Ainda bem estas palavras não eram ditas e com sobressalto, que logo se ouviu o simultâneo estrondo das armas que batiam no chão, ouvindo-se ao mesmo tempo estas palavras: — “Se está aclamado em Lisboa não o está na ilha Terceira!”. Este procedimento prova, até à evidência, quais eram os sentimentos da tropa nesta melindrosa crise política.

Em todo o espaço de tempo que durou a convocação e resolução em Câmara, que não foi pequeno, estiveram dois piquetes de Caçadores, um na Rua do Galo e outro na Ladeira de S. Francisco, em ordem a se conservar o sossego público. Porém não quis a fortuna que a glória deste dia deixasse de se eclipsar, antes pelo contrário quis ficasse selada com o sangue de inocentes vítimas, e foi o caso: achando-se o batalhão com as armas ensarilhadas, uma mão invejosa e parricida, disparou um bacamarte carregado de metralha, que de cima da dita Rua do Galo foi bater na Praça Velha e matou um pobre rapaz, entendendo-se que o agressor deste delito11 somente queria promover a desordem entre o povo e a tropa, e que este era como o sinal acordado a esse fim.

Achava-se a Praça Velha cheia de povo inumerável; e logo que soou o tiro, houve uma voz de cima das janelas da Câmara, que chamou às armas nestes termos: «Soldados fiéis ataquem, que vem sobre nós o regimento da Vila da Praia». O que todavia foi bastante para o destacamento lançar mão das armas, fazendo muitos tiros de bala, no intento de dispersar a multidão, a qual, a toda a pressa, deixou varrida a praça e as ruas imediatas, ficando mortos José Simões, da Canada da Barata, no Porto Judeu, e dois infelizes rapazes da cidade12.

Concluído na Câmara o auto e assinado pelos convocados, deu-se-lhe a devida publicidade e sobre as janelas da sala das sessões se entoaram os seguintes vivas: à religião católica romana; à Carta Constitucional; a el-rei D. Pedro IV e à Rainha; ao Governo Interino; e ao Batalhão 5.º de Caçadores. E havendo-se tudo por concluído, retirou-se o destacamento ao Castelo de onde saíra, e os convocados a suas casas.

Determinou o Governo Interino que no mesmo Castelo tomasse o comando o tenente António Homem da Costa Noronha, que também era um dos colaboradores desta empresa, e reunisse aqueles oficiais que julgasse convenientes para a boa disciplina e tranquilidade pública; e que fizesse reter ali o capitão Jacinto Manuel de Sousa, por se não apresentar ao toque da chamada, assim como na casa da Câmara, quando se fizera a reunião.

Ordenou mais, que se iluminasse a cidade, e que nos castelos e fortalezas se dessem as descargas e salvas do estilo, e se fizessem todas as mais demonstrações de público regozijo usadas em semelhantes casos, passando-se também as necessárias ordens para nas igrejas principais da cidade e vilas se cantar um solene Te-Deum, e se fazer iluminação nos dias 22, 23 e 24, por tão plausível acontecimento. O mesmo governo subiu ao Castelo13 para nele fazer a sua primeira sessão e dar os vivas com mais estrondo e publicidade; o que foi correspondido com muitos aplausos dos amantes da liberdade.

Eis aqui retocados em suma os heróicos feitos do dia 22 de Junho de 1828, em que o Batalhão 5.º de Caçadores, de acordo com alguns nobres habitantes da ilha Terceira, erigiram, para si e para ela mesma, um verdadeiro padrão de eterna fama.

A notícia do estado de Portugal era inteiramente duvidosa, porque suposto achar-se o infante D. Miguel aclamado pelos três Estados, e de facto reconhecido em quase todo o reino como seu soberano absoluto, já nesse tempo um heróico esforço sustentava ali mesmo os princípios da Carta Constitucional; porém, o número dos descontentes na ilha Terceira anunciava-se de dia para dia mais forte e respeitável, em quanto o dos constitucionais, senão diminuía, paralisava; desconfiado pela escassez dos recursos necessários no estado actual.

Uma prova evidentíssima disto era a dificuldade com que se acabava de instalar o governo interino, vendo-se, com bastante admiração, que alguns de seus membros recusaram aceitar os cargos, que por força de lei lhes pertenciam, desculpando-se com frívolos pretextos de incapacidade e de moléstia grave.

Em todas as classes da sociedade terceirense lavrava a mesma repugnância, a mesma negação, supondo muito deveras que semelhante reacção não teria o efeito proclamado; em tanto que se chegou ao ponto de dizer abertamente que a tropa faria o mesmo que no ano de 1822 fizera o batalhão de artilharia, o qual, revolucionando-se, assassinara o infeliz ex-general Francisco António de Araújo — e que a mesma sorte esperavam ter os membros do governo interino e os seus sectários — que a experiência mostrava não prosperarem nesta ilha empresas deste vulto, por ser uma terra mui circunscrita, cercada de mares, e falta dos necessários recursos para sustentar um bloqueio, e, muito menos, era capaz de suster-se em guerra — antes parecia em tais circunstâncias, que somente lhe competia obedecer e não figurar de primeira — e que, pelo contrário, se arriscava a pagar mui cara a sua temeridade e ousadia. — Eram estes os discursos que não só a gente popular, mas até as pessoas mais distintas e sensatas, emitiam publicamente.

No enquanto, abria-se na Câmara da cidade, em o livro das vereações, assento a todos os cidadãos que voluntariamente queriam assinar o auto de reclamação ou reacção14 do dia 22 de Junho, chamando-se os vereadores da pauta passada, a substituir os actuais, que não eram da confiança do governo15.

Procedia o comandante militar à segurança do ex-capitão-general Touvar, que tinha debaixo das chaves do Castelo, e fazia uma espécie de liquidação, separando os oficiais e soldados que lhe eram suspeitos, resolvendo livrar-se deles e desviá-los para longe, a fim de que a sua presença não influísse contra a segurança do país. E com efeito, resoluto a estigmatizar quaisquer suspeitas, deportou para diferentes ilhas deste arquipélago os seguintes: para a ilha de S. Miguel, o capitão Patrício José Abranches; para a do Faial, António Isidoro de Morais Âncora; e para a ilha de S. Jorge, o tenente Inácio José Pinheiro, devendo todos eles considerar-se presos nas mesmas ilhas.

Passou o comando do Castelo de S. Sebastião a Joaquim Martins Pamplona Corte-Real, ficando ali preso o tenente António Pacheco de Lima, que nele governava.

Oficiou o governo interino às Câmaras da Vila do S. Sebastião e da Praia, para que reformassem a deliberação tomada no dia 19 de Maio pela qual resolveram aclamar rei de Portugal o infante D. Miguel16: e que restituíssem os inauferíveis direitos a el-rei D. Pedro IV, e a sua augusta Filha, convocando para isto os três estados do povo: o que tudo executou a Câmara da Praia, exarando auto, que, apesar de informe e cheio da ambiguidades, o governo aceitou indistintamente. Na Vila de S. Sebastião fez-se o auto um pouco mais livre; e em ambas estas vilas se determinou houvessem luminárias por três dias sucessivos, na forma do estilo; notou-se porém que o clero não fez Te-Deum, como das mais vezes se praticava e se continuou nas ocasiões que se seguiram, que não foram poucas. Omissão esta que se contou por um sinal evidente de um completo desagrado, no receio de futuras mudanças.

Sendo nomeado comandante da força armada, o major Joaquim de Freitas Aragão proclamou às tropas no dia 24 de Junho, mostrando-lhes a firme resolução de sustentar a todo o custo os princípios da Carta Constitucional. Por esta mesma ocasião, declarou, iam ser deportados os oficiais do Batalhão: Manuel José Coelho Borges, Francisco de Paula da Cunha, dr. Roberto Luís de Mesquita, e Manuel José de Paiva, os quais com efeito foram todos levados a bordo com a maior cautela e seguiram viagem para o destino que se lhes deu.

Nos dias imediatos continuaram as deportações dos sargentos Castro, Melo, e Asse; de Manuel José Inácio e do Fraga, que foram embarcados para as ilhas de baixo com iguais recomendações aos primeiros.

Foi demitido Manuel da Câmara, capitão da companhia de artilheiros da costa da parte de Angra e dos fortes de Leste e em seu lugar foi posto o capitão João do Canto e Castro; e o comando do Castelo de S. Sebastião ficou entregue ao capitão Luís Manuel de Morais Rego. Para tenente-coronel do 2.º batalhão de caçadores milicianos da Praia foi nomeado Pedro Homem da Costa Noronha.

Nestas demissões foram compreendidos os porta-bandeiras Francisco de Paula Moniz e António Joaquim Pinheiro; e ficaram com praça de soldados rasos os sargentos Gomes, Fraga, e Silveira. Deportados para a ilha Graciosa foram os cadetes Luís Pacheco de Lima e seu irmão Estêvão Pacheco, reputando-se lá mesmo presos. Demitidos foram o capitão de milícias Jerónimo Botelho, e outros mais que não lembram. Também foram deportados para diferentes ilhas, António Pacheco de Lima, de quem já falei; os tenentes Sebastião Cabral de Teive, José Joaquim Pinheiro e Cristiano José Garção; e os capitães João Baptista Pinheiro e Jacinto Manuel de Sousa.

Foi deportado para a ilha de S. Miguel o deão da Sé Frutuoso José Ribeiro; e por esta ocasião se mandou lá buscar parte da guarnição pertencente ao Batalhão de caçadores n.º 5 e o destacamento da ilha do Faial, que ambos vieram nos dias 5 e 7 de Julho e foram em Angra recebidos com muita satisfação de seus camaradas. Entraram pelo porto cantando o hino constitucional: e em terra foram aceites debaixo de arcos triunfais, que se lhes armaram no Pátio da Alfândega. De tamanha importância se reputava a sua vinda!

No dia 11 de Julho chegou finalmente o resto da mesma guarnição que estava na ilha de S. Miguel, trazendo muitos comprimentos dos chefes militares da ilha; e assim também o fizeram os da ilha do Faial, prestando-se a coadjuvar a causa da Liberdade, quanto lhes fosse possível. Foram então estes soldados recebidos com iguais aplausos e repiques dos sinos da catedral, obséquio que lhes mandou fazer o dr. provisor Ferraz, membro do Governo Interino. À noite houve uma mui vistosa iluminação e música pela cidade.

Veio esta gente, comandada pelo seu major Zeferino de Sequeira, em estado deplorável por ter sido espoliada de tudo, por um corsário que, à vista da mesma ilha de S. Miguel, a desarmou. Motivo porque se promoveu pela Câmara de Angra uma subscrição, com que brevemente foram socorridos, e fardados.

À chegada porém do seu major Zeferino começou-se a mover entre o corpo do batalhão uma certa parcialidade e emulação a respeito de preferência entre ele e o capitão José Quintino Dias, que então se achava governador da praça, vindo a terminar felizmente sem aquelas consequências que muito desejavam os seus inimigos, e os da nova ordem de coisas.

Vendo portanto o governo que e se lhe iam proporcionando alguns meios de preparar a causa em que se achava empenhado, muito mais com os socorros que das outras ilhas se lhe ofereciam, resolveu-se a proclamar aos povos — com o fim de os tranquilizar17.

Feita a aclamação no dia 22 de Junho pelos poucos em número e, se desta forma nos podemos explicar, muitos em desejos, fez-se reconhecer ao deão Frutuoso José Ribeiro que ele estava excluído, pelos seus procedimentos, de entrar no governo, cuja exclusão devia reconhecer como legítima, para que na dignidade que se lhe seguia recair o chamamento da lei. O que ele não duvidou, dizendo, contudo, que não largava o governo do bispado; ao que se lhe respondeu que isso não era com a Câmara, mas sim com o governo que se ia estabelecer18. E instalado ele, logo oficiou ao cabido, que o depôs e fez embarcar, como já dissemos, para a ilha de S. Miguel no dia 28 de Junho, por se temer do seu muito poderio em dinheiro, com que, já no tempo do general Stockler, fizera guerra ao partido constitucional e fora a causa principal da terrível reacção que se fez, como sempre se publicou.

Tratou-se imediatamente de prender todos os influentes, empenhados nos acontecimentos do dia 18 de Maio, e na resistência feita ao Batalhão 5.º de Caçadores sob a madrugada do dia 22 de Junho. Mas houve um grande tropeço na consideração de ser necessária ou não culpa formada, e de quem devia ser o juiz. Não convinha que o juiz de fora, José Jacinto Valente Farinho, tirasse a devassa porque estava compondo o governo; e não era legal chamar-se o da Praia, por ser primo e íntimo amigo de Touvar.

Assentou-se por fim chamar-se o juiz de fora da ilha de S. Jorge, que nesta ilha se achava com outros para abrirem junta criminal; e que este seria o juiz competente para proceder na referida devassa.

Para isto se efectuar fez-se necessário que o comandante do Batalhão, José Quintino Dias, representasse ao governo; e este, lançando mão da Carta Régia da sua criação, onde se faz intendente geral da polícia o corregedor, com a faculdade de poder dar comissão a qualquer ministro para as devassas que se lhe oferecerem, mandou ao juiz de fora da cidade, que servia de corregedor, tirar a dita devassa, podendo dar comissão ao juiz de S. Jorge, o que assim se executou, e foi este que procedeu a todo aquele processo, que mais tarde foi sentenciado19.

Servia de bispo desta diocese D. frei Estêvão de Jesus Maria, que actualmente existe na ilha de S. Miguel20, havendo tomado posse (por ele se achar em Lisboa) o vigário capitular dr. Frutuoso José Ribeiro, para isto autorizado a 10 de Março do ano em que vamos de 1828, segundo a ordem dos tempos, ficando este com todos os poderes que pelo dito bispo lhe foram delegados.

Necrologia pertencente às 6.ª e 7.ª épocas destes Anais

Os assentos mortuários das paróquias que nos foi possível investigar, a respeito das pessoas que no fim do século XVIII faleceram em longevidade, não acusam alguma de 100 anos, excepto na matriz da Praia onde, no hospital dos Lázaros, faleceu um homem com esta idade: parecendo notável que só haja memória deste macróbio; de mui poucos com 85, e raros os de 90 anos. O que julgamos proceder da indiferença e menos escrúpulo dos párocos em investigar este ponto de comum interesse, antes do que por outra causa, que também não duvidamos haja, pois que sendo em todos os tempos a Praia a segunda e mais populosa povoação da ilha, (tinha no ano de 1850 o cômputo de 678 fogos e 1081 almas maiores) é certíssimo que nela se demonstra, pelos referidos assentos, mais curta vida do que nas outras, ainda que as mais insignificantes povoações.

Na freguesia das Lajes, onde no dito ano de 1850 se contavam 481 fogos e 1090 pessoas de comunhão, só achámos falecer José Nunes Toste, o Joreta, administrador da capela de João Toste, em 26 de Julho de 1776, com idade de 97 anos, por ter nascido a 26 de Março de 1679; e o sobrinho, João Martins Toste, que herdou o mesmo apelido e administração da capela, também de 97 anos, tendo nascido no 1.º de Dezembro de 1731.

Com mais de 90 anos de idade, e já de nossos dias, faleceram no Cabo da Praia, Bento Cardoso e Tomé Caetano; e com 99, José Vieira, que de poucos anos tinha ido do Porto Judeu, onde nascera: e advirta-se que o Padre Cordeiro, na sua História Insulana, diz que neste lugar se vive mais do que nos outros da Terceira. Haviam nesta paróquia no mencionado ano de 1850, 260 fogos com 338 almas maiores.

Em Fonte do Bastardo, onde haviam 153 fogos e 589 almas de comunhão, tem havido pessoas de mui provecta idade nos tempos modernos, porém nenhuma chegou ao século.

Na paróquia de Santo António do Porto Judeu, no fim do século passado algumas pessoas excederam de 90 anos; e de nossos dias, já no presente século, ali faleceu o alferes António Vaz com 92, por ter nascido em 15 de Outubro de 1720; Catarina Joséfa, viúva de José Pacheco de Aguiar, com perto de 100 anos, tão cercada de filhos, netos e bisnetos, e não sei se diga de trinetos, que bem se poderia dizer a vasta família de Príamo; e finalmente Inácio Fernandes, que em bom estado de saúde tocou o século. Tinha esta paróquia, no referido ano, 349 fogos e 589 almas maiores.

Na Ribeirinha faleceram várias pessoas de 90 anos para cima (porque este lugar é mui saudável) entre as quais foi o padre-cura António Vaz, filho do mencionado alferes do mesmo nome; parece que o tesoureiro Manuel Luís e outros, mas nenhum de 100 anos. Haviam nesta paróquia no supracitado ano de 1850, fogos 544 e 889 almas maiores.

Consta do terceiro livro dos óbitos da matriz de S. Sebastião, terem ali falecido, desde o ano de 1772 ao de 1800, em idade de 80 a 89 anos, oito mulheres (uma das quais só era casada, tendo 85 anos, e as mais viúvas) e quatro homens; e de 90 anos para cima, cinco, a saber: Maria da Conceição, viúva de Domingos Machado, com 90 anos de idade; de 95, Maria da Conceição, viúva de Nicolau de Freitas; de 98, Angela Machado, viúva de Gabriel Martins; de 95, Bárbara da Conceição, viúva de Pascoal Valadão, a 23 de Julho de 1783; e de 90, Teresa de Jesus, viúva de Tomé Álvares.

Desde o ano de 1800 ao de 1828 achamos terem falecido de 84 a 90 anos, nove homens; e de 84 a 92, dez mulheres, todas viúvas; de 90 anos Manuel da Costa e Manuel Machado Martins; e finalmente, a folha 35, verso, do referido livro, acha-se o seguinte termo: «Em os 8 dias do mês de Dezembro de 1806, faleceu Maria de Jesus, viúva de António Cardoso, em idade de 100 anos pouco mais ou menos; recebeu todos os Sacramentos, foi seu corpo envolto em o hábito de picote, e sepultada na Misericórdia desta Vila, como pobre; para constar lavrei este termo. José Mateus Coelho, cura».

Notas:[editar]

1. Antes que fosse despachado neste posto gozava o soldo e patente de brigadeiro do Exército e porque nos seus primeiros anos seguira o estado eclesiástico ainda agora recebia certa pensão ou côngrua, como capitular de uma catedral do reino.

2. Viviam quase todos os que tenho falado por tais reconhecidos desde o ano de 1821, já desalentados e sem esperança alguma de verem restituído o sistema constitucional pelo qual tanto haviam sofrido, mal acreditando a duração dos negócios do novo rei D, Pedro.

3. Era em idade de 70 e tantos anos, filho de pais humildes, naturais da ilha Graciosa e tinha sido educado por dois tios, um dos quais era o científico letrado Manuel Lopes Ferraz, bem conhecido nesta ilha.

4. O dr. Ferraz tinha por muitas vezes ocupado outros cargos eminentes no bispado, e assim o juiz de fora Farinho tinha já servido no reino este emprego com excelente comportamento e era reputado como um decidido constitucional, mui inteligente nas coisas de seu ofício.

5. Foi filho do dr. André Eloy, e de D. Rita Pulquéria de Montojos, já então falecidos; por sua mãe era administrador da maior casa vinculada que tem a ilha Terceira, excedente a 400 moios de trigo anuais.

6. A reacção do dia 22 de Junho foi mui semelhante à do reino no dia 28 de Maio, que rebentou intempestivamente pôr causa do comportamento impolítico do governador (o Careca) que “tão ignorante como cobarde deu ocasião a tudo” (História do Cerco do Porto, impressa em Pernambuco por um anónimo, a página 17).

7. O meu intento é dar a conhecer os sujeitos de que se trata na possível extensão; mas não por lisonja ou servilismo, dar-lhes o que lhes não pertence, nem menos do que é seu.

8. Próprias palavras do ofício.

9. Houve sua dúvida sobre o instalado governo ser interino ou provisório: venceu-se o primeiro, e foi nomeado nestas pessoas.

10. Antes que falecesse el-rei D. João VI foi por ele proposto bispo desta diocese D. frei Estêvão de Jesus Maria, mas demorando-se as letras pontifícias, e envolvendo-se outros notórios obstáculos, apenas mais tarde veio apresentar-se.

11. Imputou-se este delito ao padre Joaquim José de Barcelos, beneficiado na colegiada da Conceição. No manuscrito do dr. Ferraz achei que esse padre não chegou a ser pronunciado na devassa, mas que fora deportado. Outros disseram que um miliciano fora quem disparou a espingarda, que ainda conservava carregada do dia antecedente.

12. Disseram nesse tempo algumas pessoas que ficara ferido mortalmente outro rapaz, o qual, ainda que recebeu os divinos sacramentos e deu por algum tempo esperanças de vida, faleceu no mesmo dia.

13. Em uma abreviada relação dos sucessos daquele dia que tenho por mui exacta lê-se o seguinte: «Acabada que foi esta cena (que nenhum dos habitantes desta cidade pôde ver sem derramar lágrimas), voltaram para o castelo, indo o dito dr. Ferraz dando vivas ao Sr. D. Pedro IV, à Carta Constitucional, ao fiel Batalhão de Caçadores 5.º, e atirando com o barrete ao ar, feito um bobo, enquanto governador. Chegados que foram tornaram de novo às muralhas dando vivas à Carta Constitucional...»

14. Por efeito do acórdão da Câmara em 25 de Junho concorreram várias pessoas, mas acham-se somente no auto 27 assinaturas.

15. Ficaram vereadores — Alexandre Martins Pamplona, Francisco de Meneses Lemos e Carvalho, e José Maria da Silva. Os misteres foram também substituídos e tomaram todos posse no dia 28 de Junho.

16. Foram também chamadas as pessoas da pauta transacta para servirem os ofícios destas Câmaras, a saber: na Vila de S. Sebastião, Francisco Machado Faleiro, que servia de juiz ordinário, Hermenegildo José Toste, Luís Borges Toledo, e procurador José Borges Godinho; na Praia ficaram servindo os seguintes: o capitão Francisco António de Medeiros, que servia de juiz ordinário, e vereadores Elesiário Ribeiro, António Manuel da Fonseca, e procurador João de Sousa Nunes.

17. Manuscritos do dr. Ferraz.

18. Como o deão não compareceu na casa da Câmara no dia 22 de Junho, oficiou-lhe esta nesse mesmo dia, e ele respondeu-lhes negativamente, por não ter pessoa que pela lei o pudesse receber, nem ele o podia delegar, e que somente cederia quando o poder da força o obrigasse. Então viu-se o dr. Ferraz na necessidade de ir pessoalmente comunicar-lhe que a tropa o prendia infalivelmente e foi então que ele cedeu na mesa capitular todo o governo temporal do bispado que gozava.

19. Vide 7.ª Época, Capítulo IV, in fine.

20. No tempo em que o autor escreveu os acontecimentos publicados neste IV Volume, estava efectivamente o Bispo em S. Miguel.