As Doutoras/II/XV
Personagens: MANUEL e MARIA PRAXEDES
MARIA — Já viste a tua obra. Estás satisfeito?
PRAXEDES — Satisfeitíssimo. O que querias tu? Que um casal de doutores andasse a brigar por causa de arrufos ou questiúnculas de governo de casa?
MARIA — Os arrufos e questiúnculas do governo doméstico, meu caro marido, sempre existiram no nosso lar, mas nunca nos levaram, felizmente, ao excesso das cenas a que acabamos de assistir.
PRAXEDES — São discussões científicas, minha mulher, muito naturais. Antigamente brigava-se por ciúmes e faziam-se as pazes depois do clássico faniquito. Há ainda hoje quem faça disto, bem sei. Mas o nosso genro e Luísa não estão nas mesmas condições.
MARIA — Genro? Genro no nome, porque eu pelo menos, até aqui, sogra não tenho sido.
PRAXEDES — Não tens sido sogra?... Ora esta!
MARIA — Nas rixas que se dão constantemente nesta casa já viste envolvido o meu nome? Sou para o Doutor Pereira uma criatura completamente indiferente. Dos seus lábios ainda não partiu contra mim a mais pequena censura, ou uma palavra sequer que deixasse transparecer embora sutilmente o veneno do epigrama.
PRAXEDES — E queixas-te por isso? Queria que ele te chamasse como costumam chamar as sogras: — víbora, jararaca, cascavel...
MARIA — Queria ser uma sogra em regra, porque só assim teria a certeza de que minha filha era verdadeiramente feliz.
PRAXEDES — Mas tu não vês, Maria Praxedes, que este casamento é uma coisa completamente nova? É a primeira experiência que se faz. As peças do maquinismo ainda não estão bem assentadas, não podem por conseguinte trabalhar com a regularidade de um maquinismo já experimentado. Espera um pouco, deixa a coisa entrar em seus eixos e verás que nisto que tu condenas atualmente está a família do futuro, a sociedade do futuro, a felicidade do futuro...
MARIA — Havemos de ver este futuro.