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As Doutoras/IV/XI

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Personagens: LUÍSA e MANUEL PRAXEDES

LUÍSA — Coitada! É uma boa alma! E ultimamente tem sido tão carinhosa para meu filho!

PRAXEDES — Ora! Até dá-lhe remédios!

LUÍSA — É verdade!

PRAXEDES — O que me admira é que os aceites.

LUÍSA — E por que não?

PRAXEDES — Não valia a pena surrar durante 6 anos os bancos de uma Academia e encetar brilhantemente a clínica, afrontando estúpidos preconceitos sociais para chegar a este triste resultado!

LUÍSA — Triste resultado?

PRAXEDES — Sim. Queres nada de mais triste, para uma mulher em tuas condições! que papel representas hoje?

LUÍSA — O único, meu pai, que pode e deve representar uma mulher.

PRAXEDES — Então o juramento que prestaste no dia do teu grau de socorrer todos aqueles que te viessem bater à porta...

LUÍSA — Meu pai: dizem que o cérebro da mulher é fraco. Pois bem, por um sentimento de vaidade, que dizem também ser inato em nosso sexo, eu enchi esse cérebro de tudo quanto a ciência pode ter de mais grandioso e mais útil. Percorri com coragem inaudita toda a escala do saber humano na minha especialidade. Calquei ódios e vaidades dos colegas, ergui a cabeça, sem corar, acima desses preconceitos sociais de que falou há pouco e que eu também considerava estúpidos! Venci. Entrei na sociedade triun­fante com o meu título. O prestígio que se formou em torno do meu nome fez-me esquecer de que era uma mulher... A glória atordoava-me... Dentro de mim sentia, porém, qualquer coisa de vago, de estranho, que não sabia explicar! Eu que muitas vezes no anfiteatro havia apalpado o coração humano, que o tinha disse­cado fibra por fibra, que pretendia conhecer-lhe a fundo a fisiolo­gia! Desconhecia entretanto, o sentimento mais sublime que enche todo esse órgão. Tudo quanto aprendi nos livros, tudo quanto a ciência podia dar-me de conforto, não vale o poema sublime do amor que se encerra neste pequeno berço!

PRAXEDES — Então esta criança...

LUÍSA — É bastante, meu pai, para encher toda a minha alma.

PRAXEDES — Mas minha filha, já não te falo em glórias, no prestígio do teu nome, nos compromissos que tomaste para com a sociedade, olha um pouco para os teus interesses, que não podes desprezar, por amor mesmo deste que aqui está (Aponta o berço.) e diz-me com toda a franqueza: é justo que abandones por um falso ponto de vista, a missão sublime que tinhas no teu casal, cooperando honestamente para a formação e o aumento do pecúlio dele?

LUÍSA — O pecúlio do casal, pelas leis naturais, meu pai, compete ao marido...

PRAXEDES — Então abandonas todos os teus direitos, todas as tuas obrigações, todos os teus deveres?

LUÍSA — Tudo; exceto a felicidade de criar e educar meu filho.