As relações luso-brasileiras/IX
Permitta-se-nos, para a comprehensão exacta, da importancia que o Brasil vae assumindo deante de todos os povos e do portugués em especial, uma rapida analyse do seu desenvolvimento material, que explica assás a unanimidade de attenções de que é objecto.
A exportação do Brasil em 1889, anno em que caiu o imperio, foi de 24.160.000 libras esterlinas. Vejamos o que ella foi de 1901 a 1906.
Para avaliar a força de expansão productora dada ás antigas provincias pela autonomia concedida pelo novo regimen federativo aos seus estados, basta que comparemos a exportação de 1901 com a de 1906. A differença, n'esse curto espaço, é de pasmar. Vejamol-a:
Estados | Valores em £ | Augmento ou diminuição | ||
1901 | 1906 | |||
Matto Grosso | 356.180 | 376.023 | + | 5,57% |
Amazonas | 4.688.477 | 6.643.050 | + | 41,69% |
Pará | 4.053.264 | 6.665.191 | + | 64,44% |
Maranhão e Piauhy | 192.604 | 652.485 | + | 238,77% |
Ceará | 159.595 | 822.586 | + | 489,27% |
Rio Grande do Norte | 34.376 | 58.342 | + | 69,72% |
Parahyba | 92.561 | 549.535 | + | 489,98% |
Pernambuco | 1.472.105 | 1.333.127 | − | 9,44% |
Alagoas | 489.820 | 514.095 | + | 4,96% |
Sergipe | 8.849 | |||
Bahia | 3.133.103 | 3.706.617 | + | 18,30% |
Espirito Santo | 553.195 | 784.726 | + | 41,85% |
Rio de Janeiro e Minas | 7.857.423 | 7.481.159 | − | 4,79% |
S. Paulo | 16.140.742 | 20.282.593 | + | 25,66% |
Paraná | 653.039 | 1.310.832 | + | 100,73% |
Santa Catharina | 145.264 | 315.522 | + | 117,21% |
Rio Grande do Sul | 620.247 | 1.563.748 | + | 152,12% |
Só diminuiu a exportação de dois estados: Rio de Janeiro e Pernambuco. É devido este facto a baixa de um dos seus principaes artigos, o assucar, que de 71 réis, ouro, em 1901, passou a venderse a 60 réis, em 1906, por kilo. Apezar desta depreciação ser de 15,59%, a diminuição representou, para Pernambuco, 9,44%, e, para o Rio de Janeiro, 4,79%, o que indica que houve augmento na exportação global.
Nesse periodo a importação, que significa a acquisição de conforto e de instrumentos de progresso, tambem teve sensivel marcha ascendente.
Não houve estado em que a importação diminuisse de 1901 para 1906. Cresceu 31,9%, na Bahia; 33,1% em Pernambuco; 32,6% no Rio de Janeiro e Minas Geraes; 42,3% em S. Paulo; e 55,9% no Rio Grande do Sul — para citar sómente os mais importantes da região central e da do sul.
Em globo, a importação cifra-se nos seguintes valores em libras esterlinas:
Estes algarismos contém uma relevante indicação e vem a ser que as facilidades de vida augmentaram, porque, não tendo havido, de 1901 a 1906, nem sequer dez por cento de crescimento na população, houve augmento de mais de 50% na acquisição de artigos estrangeiros.
O que, porém, demonstra mais clara e elequentemente essa affirmação é a importação de farinha de trigo. É o que garante e prova que a vida melhora no Brasil.
Com effeito, em 1901, a importação do trigo — que é o classico pão! — era de 200.000 toneladas, e em 1900 foi de 320.000!
Um augmento de 60%, em seis annos! A população, nesse periodo, não podia ter accrescimo que nem de longe influisse nesse facto. A quota, per capita, de trigo é que augmentou; o numero dos que o podem comer é que passou a ser maior…
Fala-se muito na má administração de Republica,
nos seus primeiros annos. Não a negaremos. O mecanismo era novo e as experiencias foram duras. Houve deficits; precisou-se de recorrer ao credito, até quasi
ser fechada essa porta. Mas, com patriotica energia,
souberam os governos emendar a mão e iniciar obras
fecundas, apparelhar, enfim, o paiz para a prosperidade. Erraram; mas resgataram os seus erros. Outros
ha que só erram e so querem errar…
Os orçamentos do imperio[1] tiveram deficits desde 1857, ininterruptamente. Antes, houvera alguns saldos, que sommados, desde a independencia até 15 de novembro de 1889, perfazem 32:625 contos, contra um total de 891.960 contos de deficits, tambem de 1823 a 1889.
Os deficits de alguns annos da Republica não são de estranhar, não só porque os tivesse o imperio, mas tambem porque o desenvolvimento do paiz e a crise politica, motivada pelas tentativas de destruição do regimen popular, impuzeram pesados sacrificios á nação.
A Republica, creando producção, fomentando riquezas, assentando linhas ferreas de penetração, fazendo portos e saneando o Brasil — soube, porém, realizar o que o imperio não soubéra, soube armar o povo brasileiro com meios seguros de pagar os seus saques sobre o futuro.
É interessante a nota da receita e da despeza dos annos de 1899 a 1907, expressa em contos de réis, ao cambio de 15 dinheiros por mil réis:
Anno | Receita | Despeza | |
1899 | .......... | 333.105 | 295.363 |
1900 | .......... | 353.607 | 448.160 |
1901 | .......... | 318.559 | 334.513 |
1902 | .......... | 343.814 | 298.691 |
1903 | .......... | 408.589 | 378.187 |
1904 | .......... | 433.802 | 439.553
|
1905 | .......... | 463.765 | 451.977 |
1906 | .......... | 495.910 | 483.568 |
1907 | .......... | 483.744 | 472.478 |
Em 1889 a despeza não chegava a 200.000 contos, e o deficit era pequeno.
As despezas publicas subiram consideravelmente; mas as receitas tambem subiram. Das visinhanças dos 200.000 contos em 1889 foram ás dos 500.000 em 1906. E note-se que a Constituição republicana conferiu aos estados da federação os impostos de exportação, os impostos sobre os immoveis ruraes e urbanos, sobre a transmissão de propriedade e sobre industrias e profissões, ficando a União nacional unicamente com os direitos de importação e os impostos de consumo.
O balanço economico de 1906 é assim formulado pelo ex-ministro Campista, no seu relatorio de 1907:
A Argentina, em 1906, exportou £ 58.000.000, mas importou 253.565.000. O serviço dos juros do capital estrangeiro é lá muito maior do que no Brasil. E, nesse anno, o seu balanço economico não podia apresentar saldo.
Força é, porém, reconhecer a incomparavel riqueza da Argentina, que possue a terça parte da população do Brasil, se não menos, e cuja producção cresce em saltos prodigiosos.
Com os Estados Unidos não ha parallelo possivel. Em 1906, importavam 271 milhões esterlinos e exportavam 369 milhões.
O Canadá, com uma exportação de £ 45.791.000, importava 54.000.000.
Cuba exportou £ 22.638.000 e importou 19.482.000.
O Mexico exportou £ 24.724.009 e importou 17.997.000.
O Chile offerece-nos, para essas duas parcellas do seu commercio, respectivamente, £ 16.200.000 e 11.787.000.
O Brasil figura nesse anno com £ 53.059.480 exportadas e 33.204.041 importadas — quasi vinte milhões de saldo a seu favor nas permutas internacionaes de mercadorias!
Estará, porém, esta situação prejudicada pelas condições financeiras do Brasil? Longe disso.
Em 1906, a divida interna e externa do Brasil incluindo a divida estadoal e a emissão de papel moeda, era de £ 195.58I.677 ou £ 10-3-10 per capita.
A capitação do norte-americano era de £ 5-9-3; a do japonês de £6; a do egypcio de £9-17-2; a do canadense de £9-7-4.
Quasi todos os outros paizes devem mais per capita.
A Argentina figura com o coefficente de £ 14-2-4; a Hespanha com o de £ 13-2-6 e o nosso Portugal, como compete ao seu desgoverno, inverte os algarismos da nação visinha e estadeia a capitação de £ 31-18-6.
Bem sabemos que outros paizes supportam coefficientes mais altos do que Portugal. Não na Europa, em todo o caso… O prussiano contenta-se com £ 12-8-3; o inglês com £ 18-1-6; o italiano com £ 15-7-10; o austriaco com £ 14-11-1; o francês com £ 27-19-9; o hollandês com £ 17-6-4; o belga com £ 17-16-8.
O Brasil, paiz que progride e inicia melhoramentos, que se povoa e coloniza, está, como a Argentina, em outras condições: saca sobre o futuro, porque o tem nos braços que acodem todos os dias ás suas plagas. Nós estagnámos. Elles recebem vida nova com o advento dos immigrantes; nós golfamos vida na emigração.
O mal está principalmente na applicação da divida, não na pequenez da população.
Vêde as colonias britanicas da Austrália: população, 5 milhões de habitantes; divida, £ 292.401.351, em 1906, devendo hoje estar em 300 milhões esterlinos! O coefficiente de capitação é de 60 £, numeros redondos. Mas que importa, se 200 milhões foram empregados em caminhos de ferro, obras de portos, resgate de serviços publicos — e se, em tudo isso, as rendas supportam o serviço de juros e amortização do capital!
Mas… estavamos a tratar do Brasil.
Os onus do Brasil são annualmente, para resgate e juros da divida, 82.000 e tantos contos — 20% da receita. Outros paizes — um dos quaes muito bem conhecemos — fazem o serviço da divida com quasi 50% da receita…
Portugal pagaria a sua divida com o producto integral de 13 annos da sua receita.
O Brasil faria o mesmo serviço em 6 annos.
Tal é, em linhas largas, o estado do paiz, que saiu do nosso e que hoje é o principal mercado da nossa producção e o nosso me melhor fornecedor de numerario.
- ↑ Castro Carreira — «Historia financeira».