As relações luso-brasileiras/VIII
O Brasil é o melhor dos grandes freguezes da nossa producção exportavel.
Em 1906, ao passo que para a Inglaterra exportavamos 11.440 contos, para a Allemanha 6.651 e para a Hespanha 6.290, mandavamos para o Brasil 5.961 contos.
Mas, em compensação destas vendas, compravamos ao Brasil só 1.965 contos que, com os generos em transito, baldeação e reexportação, ascendem a 2.025 contos; e dos outros paizes recebiamos, em contos de réis:
Da França importámos 6.836 contos contra uma exportação de 1.299, e dos Estados-Unidos 4.960 contos contra 974 de exportação.
O Brasil foi, pois, então, o que sempre tem sido, o nosso melhor freguez. Ao crescimento do commercio universal com o Brasil é que não corresponde a nossa exportação actual.
Do relatorio do sr. David Campista, ministro da fazenda do Brasil[1], em 1907, resulta que de 1902 para 1906 a importação proveniente de Portugal cresceu 34,9%, contra o augmento, em egual periodo, de: 35,6% para a do Chile; 41,8% para a da Gran-Bretanha; 45,6% para a da Hespanha; 49,5% para a da França; 68,4% para a da Argentina; 83% para a da Allemanha; 36,5% para a da Belgica.
Os valores livres no Brasil, em mil réis, ouro, moeda brasileira, dão, no anno de 1906, os algarismos seguintes para essa importação:
Bastaria este quadro para não acreditarmos que os outros paizes emigrantistas nos deslocaram, no fornecimento de artigos similares aos nossos. A Italia, que é a maxima fonte da colonização brasileira actual, teve, de 1902 a 1906, um aumento de 28,4% na sua exportação para o Brasil. E quanto exportou? 9.274 contos, em 1906 — metade do que exportámos!
A Hespanha, que fornece tambem muitos trabalhadores, tem uma exportação ainda insignificante para o Brasil.
Da Austria-Hungria, que viu, de 1902 a 1906, crescer 19.3% a sua exportação para o Brasil, de 4.556 contos de valor, a corrente emigratoria com o mesmo destino egualmente é importante.
Dessas nações só podemos considerar concorrentes, por terem varios artigos similares aos nossos, a França, a Hespanha, a Italia e a Austria-Hungria.
Ora, que nos diz o estatistica brasileira? Diz-nos que, em 1906, a exportação, para o nosso e para esses paizes, foi:
Destino | Valor em £ | Augmento ou diminuição de 1901 para 1906 | |
---|---|---|---|
França | 6.507.470 | + | 36,66% |
Hespanha | 196.839 | + | 217,61% |
Italia | 510.118 | + | 34,90% |
Austria-Hungria | 1.821.959 | + | 60,58% |
Portugal | 312.755 | + | 27,89% |
Isto quer dizer que, de todos esses paizes, aquelle que manifesta menos tendencias para augmentar o consumo dos productos brasileiros é o nosso. Falam os numeros, affirma-o a estatistica, que, como diz o professor Rodolfo Benini, é o unico meio de verificar nos phenomenos collectivos o que ha de typico na variedade dos casos, de constante na variabilidade, de mais provavel no apparente acaso, e de decompôr, até onde o methodo o permitte, o systema das causas ou forças de que taes phenomenos são resultantes…[2].
Não ha que negar a conclusão: a estatistica é o unico processo logico de estudo dos phenomenos sociaes, pondéra Rameri.[3]
O Brasil está, portanto, deante de varios paizes, como productor que precisa de escoadouros para os seus artigos. O que tem de medir, não nos illudamos com devaneios romanticos, é a capacidade acquisitiva, que ha nesses paizes, para os seus productos. Por que produzir presuppõe a idéa de vender. Porque vender implica a existencia de quem compre…
O utilitarismo não é uma doutrina, no sentido philosophico da palavra. É uma necessidade, é uma imposição da lucta pela vida. Para não morrer é preciso a qualquer povo guiar-se por necessidades uteis, nunca deixar de ter em vista os seus interesses e conveniencias. O utilitarismo é o systema que a experiencia aconselha aos povos, que querem viver nesta hora da evolução humana, para as suas relações com os outros povos.
Deinde philosophari… Sejamos francos. Concordemos em que não nos move o receio da desnacionalização do Brasil, que não nos ameaça porque não ameaça o Brasil; mas sim o presentimento de que as relações economicas desse grande mercado estão evolvendo de modo que nos poderá vir a ser desvantajoso.
Tratemos, em summa, de nos salvar o deixemo-nos de fantasias salvadoras em beneficio alheio.
Deante do crescimento espantoso das energias do povo brasileiro, o nosso mal e a estagnação em todas as fórmas da actividade humana. Só o poder enorme dos elementos estaticos das sociedades e a resistencia da inercia social explicam a posição que ainda temos no commercio do Brasil. Nós, pelos nossos governos e pela nossa imprevidencia, graças á autophagia historica que permitte que nos alimentemos de glorias de um passado visto por nós ao bruxolear da mais pallida lamparina critica de que ha exemplo, e graças ao espirito providencialista de latinos communarios, tudo fizémos, ou deixamos de fazer, para perder essa posição.
Neste momento, o que nos cumpre é reconhecer o feliz conjuncto de circumstancias de vária ordem que ainda sustenta esse estado de coisas e aproveital-o, com energias, que hão de ser creadas, com intelligencia, que precisa ser educada, e com bom-senso, que unicamente os factos pódem nortear.
Aspirar a grandezas e prosperidades e preparal-as com elementos de ruina e pobreza é simples e puramente um absurdo, de que deveriamos esperar, como resultado, o suicidio nacional.
Ser patriota não é rufar tambores de preconicio em torno dos desvarios da patria. É, antes, mostrar, sem medo de alfrontar alheias opiniões e sem intuitos de captar opularidade, os vícios e erros proprios, para que tenham, na medida do possivel, remedios efficazes. Nenhum povo se deixa levar por boas palavras, mas pelas suas conveniencias e pelos seus interesses, com a restricção natural do respeito pelas conveniencias e interesses justos dos outros.
A perda do mercado brasileiro seria, hoje, para Portugal, a ruina. Confessemol-o. Por que não, se é a verdade? Ruina definitiva? Não vem a pello discutir se o seria. Basta que saibamos que seria, neste momento, a ruina, para que o nosso dever seja evitar essa contingencia aterradora.
Embora tenhamos de nos preparar para um futuro menos dependente de uma só nação, é de crêr que o Brasil continuará a representar, para o nosso commercio externo, cifras pelo menos eguaes ás presentes.
No seu progresso e na sua expansão economica e demographica, cabe bem á vontade a diminuta quota com que contribuimos. E ha muito logar para a augmentarmos. Assim saibamos e possamos fazel-o!
Outro não é o perigo real, o perigo das coisas, está claro…