As relações luso-brasileiras/VII
A unica razão sólida que hoje determina os tratados de commercio e, portanto, os favores que as nações fazem umas ás outras, é a capacidade que ellas oferecem para o consumo reciproco de producções. Estamos longe dos tempos em que não se realizavam estes pactos por motivos utilitarios, mas por méras combinações derivadas de relações dynasticas.
Nos nossos dias prevalece a reciprocidade, tanto tanto tal criterio póde ser adoptado para populações deseguaes, de habitos differentes e de producções em parte similares ou identicas, e tanto quanto o permittem as distancias entre os concorrentes, distancias que influem no custo dos transportes e, em ultima analyse, no dos artigos.
Fala-se de ha muito e a proposta apresentada a Sociedade de Geographia agora insiste na necessidade de um tratado de commercio com o Brasil. Não querendo entrar em conjecturas, parece-nos que essa aspiracão exige minucioso estudo, antes do julgamento das difficuldades oppostas até aqui á sua realização.
Apesar de tudo quanto dizem os politicos de soluções retumbantes, o nossa producção gosa de tratamento amistoso no Brasil. Ha annos, quando o sr. Campos Salles foi presidente da Republica, o ministro das relações exteriores ia enveredando por um caminho que, sem fundamentos consistentes, tendia á exigencia de fortes augmentos de consumo.
Era impossivel tal coisa; e logo se adoptou orientação mais logica, deixando o Brasil, que consumia bastante do Uruguay e de Portugal e pouco lhes vendia, de pensar em levar a exportação dos seus artigos para esses paizes a proporções compensadoras, reconhecendo que os seus generos exportaveis eram de natureza impropria a operar esse equilibrio.
O que os actos nos dizem é que o brasileiro, de origem lusa ou exotica, tem o habito de consumir os productos da nossa terra. Esses productos possuem, por isso uma situação realmente privilegiada no mercado brasileiro. Tanto basta para que, na competencia com os outros povos, tenhamos — como temos, de facto — vantagens indiscutiveis.
A actual situação da permuta commercial entre os dois paizes deixa muito a desejar. O Brasil podia importar muito maior volume de productos portugueses e Portugal podia consumir mais productos brasileiros e preparar-se para vir a ser cliente muito maior ainda da nação irman.
No anno de 1906, ultimo de que temos dados officiaes para confrontar com os do Brasil (de onde já possuimos os de 1907 e 1908) os principaes artigos de lá exportados foram;
Algodão, 31.668 toneladas; areias monaziticas 4.352 tonel.; assucar, 84.948 tonel. ; borracha, 31.643; tonel. café, 13.965.000 saccas[1]; cacáo, 25.135 tonel; farinha de mandioca, 6.644 tonel. ; tabaco, 23.630 tonel. ; herva matte, 57.796 tonel.; manganez, 12|.33l tonel.; caroços (oleaginosos) 30.904 tonel.; couros, 32.765 tonel.; ouro nativo, 4 548 kilogrammas.
O nosso consumo e artigos brasileiros cresceu de 244.549 libras esterlinas a 312.755 ou 27,89%, de 1901 para 1906; mas o consumo dos nossos no Brasil cresceu mais intensamente: cresceu 34%, ao que se vê do relatorio das finanças relativo a 1907.
Não se póde, portanto, gritar que o trafico luso-brasileiro decae: médra e de maneira sensível.
Ora, querendo nós, como se diz todos os dias, melhorar essas relações por um convenio commercial com o Brasil, e, não sendo lícito, hoje, negociar taes instrumentos diplomaticos sem clara noção das reciprocas concessões, occorre naturalmente investigar o que podemos offerecer e o que pedimos, o que o Brasil nos offereceria e o que desejaria.
Visto que a iniciativa nos pertence, vejamos o que podemos offerccer e o que queremos conseguir.
Analysemos a producção brasileira exportavel neste momento: compõe-se dos artigos que acima mencionámos com as quantidades respectivas. Olhemos para a nossa estatistica de 1906.
1.° Algodão. Importámos n'esse anno 13.013 toneladas, no valor de 3.123 contos, de algodão em rama ou em caroço. Tendo industria de algodão, e industria protegida pela tarifa, só poderiamos importar do Brasil a materia prima, a rama. O Brasil não está em condições de exportar fios e tecidos de algodão visto que ainda os importa. Da sua materia prima, 85% tem mercado na Inglaterra. Os 15% restantes destinam-se a outros paizes manufactureiros. A sua producção pode crescer muito; mas poderemos nós adquirir quantidade sensível desse accrescimo? Eis o que convém saber. Note-se que, em 1906, os 15% do algodão não collocado na Inglaterra montavam em 4.752 toneladas, das quaes Portugal importava 4.717 — quasi o total dos 15%.
As nossas colonias começam a cultivar o algodão. Em 1906 recebemos: de Angola. 55.493 kilos; e Moçambique, 1.491 e da India, 2.600.
2.° Areias monaziticas. Os seus mercados serão, por muitos annos, a Gran-Bretanha e a Allemanha.
3.° Assucar. Temol-o das colonias. Consumimos, em globo, 32.700 toneladas. O assucar colonial tem auxilio pautal. Em 1906 recebemos das colonias quantidade insignificante; mas o desenvolvimento da lavoura da canna nas colonias, em especial na de Moçambique, é consideravel. Nesse anno, do Brasil recebemos 159 toneladas. Para a exportação brasileira, que tende a crescer muito, o nosso mercado seria bom. Este genero, apezar da producção colonial, pode entrar nas bases de uma negociação intelligente, não para escorraçar de golpe os demais fornecedores, mas para ir modificando a situação das permutas no sentido de garantir parte do nosso mercado ao Brasil.
4.° Borracha. O nosso consumo não é em bruto e é pequeno. A producção colonial tende a avolumar-se, em especial a de Angola e Guiné.
5.° Café. O consumo português em 1906 não chegou a 3.103 toneladas, sendo do Brasil quasi 460 toneladas. Das colonias exportaram-se, para outros paizes, 4.177 toneladas, que, com 2.388, consumidas no reino, representam uma producção colonial superior ao dobro do consumo.
Portugal é um dos paízes de menor consumo de café, per capita. Tendo menos de seis milhões de habitantes, pode dizer-se que cada portugués não consome mais do que meio kilo de café por anno. Se o consumo subisse ao dobro, o café colonial sobraria ainda. Na Allemanha o consumo é de 3 kilos por habitante.[2]
6.° Cacau. A nossa producção, em 1906, de vinte e cinco mil toneladas, foi egual á do Brasil. O nosso consumo orçou por 145 toneladas, das quaes só uma procedia do Brasil.
7.° Farinha de pau. Importámos, em 1906, para consumo quasi 1.364 toneladas, não chegando a uma tonelada a parte proveniente de fóra do Brasil. É consideravel, mesmo para a exportação desse paiz.
8.° Tabaco. O consumo é importante. Está naturalmente indicado para a exportação brasileira o nosso mercado. Aqui está um artigo em que poderíamos offerecer vantagens ao Brasil, que, directamente pelo menos, nos fornece pouco, sob o actual regimen de exclusivo.
9.° Herva matte. Consumo inaprehensivel, mas que se podia criar, substituindo parte do chá, que entrou no paiz por um valor de 315 contos no anno de 1906.
10.° Manganez. O seu mercado é a Inglaterra.
11.° Caroços (oleaginosos). Consumimos 20.812 toneladas, das quaes perto de 11.000 são das colonias. Devia se encaminhar a exportação brasileira para Portugal, onde ella foi representada, em 1906, por 11 toneladas.
12.° Couros. O Brasil está batendo, em Portugal, os mais concorrentes; sobre 2.371 toneladas de pelles diversas que importámos, em 1906, pertenciam-lhe 1.040.
13.º Ouro nativo. É insignificantissima a entrada. A exportação brasileira é para a Inglaterra.
Além destes artigos exporta o Brasil muitos outros em menor escala. Desses, diremos quaes podem ser dirigidos, após as negociações precisas, para Portugal, enumerando-as pela nossa pauta:
Fibras texteis; fructas; canhamo em rama; madeira em bruto (genero em que o Brasil podia e devia quasi monopolizar o nosso mercado); madeira das diversas categorias da pauta; paus, raizes e cascas corantes; milho (cuja producção cresce espantosamente no Brasil); amido em pó; especiarias; melaço; mariscos; carne secca e em conserva — além de outros que dentro em pouco tempo o Brasil poderá exportar, como o arroz.
Offerecemos pouco? Não se nos affigura que o Brasil pense em obter de um com a nossa populaçâo o que seria licito esperar e vinte milhões de habitantes. É certo que o Brasil nos compra muito. Em 1906 o vinho entra o no Brasil representou 1.628:854 libras esterlinas: a metade dessa quantia coube ao nosso paiz. É consideravel, sem duvida. O Brasil nesse anno consumiu, da nossa exportação global de hectolitros, 435.652 — quasi metade! A população portuguesa, se todo o seu mercado pertencesse ao café brasileiro, não representaria mais do que 60.000 saccas de consumo, e se este subisse ao triplo, não chegaria a 200 000 saccas, quantidade que não pesaria sobre uma exportação que anda por 13 milhões de saccas…
Exigir de Portugal, com menos de seis milhões de habitantes, compensações que só com dezoito ou vinte milhões poderia dar, fôra absurdo. Não ha que receiar que o Brasil pense em semelhante coisa. O grande perigo reside na perda da nossa clientella pela concorrencia dos outros productores de generos similares, pela falta de perfeição do reparo e do acondicionamento dos nossos e pela inefficacia da nossa organização mercantil. A esse risco acudiriam algumas das ideas lembradas pelo sr. Consiglieri Pedroso, na sua proposta e, dentre ellas, citaremos as constantes das alineas 1.ª, 4.ª, 6.ª e 9.ª.[3]
Quanto ao conselho da alinea 3.ª discordamos delle por completo. Porque entendemos que o tratado de commercio, ou como se lhe queira chamar, não pode, em hypothese alguma, dar-nos «vantagens especiaes que não sejam attingidas pela clausula de nação mais favorecida» concedida pelo Brasil a outros paizes. Sem poder citar os accordos que o Brasil tem, julgamos, todavia, manifesto que, se os tem com concorrentes nossos, não seria possivel collocar esses competidores de Portugal em tamanha inferioridade. Por quê? Pela razão singela de que business is business e elles são maiores compradores dos generos brasileiros do que Portugal…
Não se leve á conta de mau patriotismo esta franqueza. Julgamos que não faremos coisa alguma neste terreno se procurarmos favores especiaes, que ponham em perigo interesses collossaes do Brasil…
Cumpre estudar o problema, nos seus termos de puro negocio e não esquecer que a nossa vantagem, aquella que nenhum outro povo póde ter, é só isto: o Brasil prefere os nossos productos, como qualquer pessôa vae á loja de um negociante, porque o estima mais do que aos seus concorrentes.
- ↑ A sacca é de 60 kilos.
- ↑ Entraram, em 1906, quinze mil e tantos kilos de chicoria não preparada, dois mil trezentos e dezenove kilos de café torrado, moido e suas imitações… em Portugal! O consumo, por cabeça e por anno, é: na Italia 970 grammas; na Hespanha, 652 gr; na França, 2,350 k; na Allemanha, 3 k; na Dinamarca, 3,500 k; na Suissa, 3.500 k; na Noruega, 5.536 k; na Belgica, 4,700 k; na Suecia, 6,555 k; na Hollanda, 7,200 k.
- ↑ Vide proposta referida, pag.ª 13 a 1S.