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As relações luso-brasileiras/XV

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XV
CONCLUSÃO

A approximação luso-brasileira é fatal, apesar de implicar a queda das instituições politicas que reduziram Portugal ao deploravel estado de ruina em que se debate entre as oligarchias, que o exploram, e o povo, que olha ancioso para o despontar dessa vida nova, que só homens novos, de idéas novas e sentimentos novos, serão capazes de crear.

O Brasil e Portugal hão de harmonizar os seus interesses e as suas apirações.

Quando?

Quando esse desideratum não exigir o impossivel. Porque é tão impossivel que a monarchia portuguesa se transforme a ponto de poder adoptar os principios e sentimentos da democracia brasileira quanto é impossivel que esta retroceda ao que era o Brasil de ha cincoenta annos, sómente pelo capricho de estreitar as suas relações com o reino do sr. D. Manuel de Orléans e Bragança — o unico representante coroado das duas casas que o acto emancipador de 15 de novembro de 1889 depoz do throno exótico de uma nação da livre America…

Diz o professor Arthur Orlando, a cujo fulgurante espirito sao familiares as questões americanas, que na America «existe um meio social superior que paira acima da vida nacional».

Esse meio social chegaria para contrabalançar todo o problematico esforço que os nossos hypotheticos estadistas monarchicos fizessem no sentido de determinar — se não fosse absurdo — a evolução regressiva do Brasil.

O mesmo escriptor explica o atrazo do povo português, de modo implicito, ao explicar o atrazo da raça latina: «Elles (os individuos dessa raça, que não têm iniciativa e não contam senão com a colectividade) não se decidem por si, mas pelo meio familiar, politico e religioso, de que fazem parte».

Falta-nos a iniciativa; appellamos para a collectividade, como se ella fosse mais do que a integração das iniciativas individuaes.

É por isso que não comprehendemos ainda aquella doutrina da Declaração da Independencia Americana em que a propria independencia era considerada «um acto de soberania immanente praticado pelo povo e resultante do seu direito de mudar a fórma de governo e instituir governo novo, sempre que o entender necessario a sua felicidade e seguranças.

Quando o comprehendermos estaremos senhores dos nossos destinos e poderemos ter uma politica nossa, portuguesa, nas relações com outros povos, em vez de uma politica dynastica, que subordina os interesses nacionaes até aos casos mais intimos e pessoaes da vida dos reis e dos seus conselheiros, guias ou inspiradores.

Até lá, esperemos, se não soubermos antes cumprir o nosso dever cívico. Reconhecem os proprios monarchicos que temos de conviver com o Brasil, que precisamos do Brasil. Lentamente, o Brasil ha de nos enviar, com os cheques e as libras trazidas pelo retorno da emigração e nas formas multiplas do convivio internacional, as suas idéas e as suas instituições, a lição do seu progresso e o exemplo da sua prosperidade.

E, assim, como dissémos na introducção a este trabalho, o Brasil acabaria por levar o povo portugués á Republica.

Mas já este povo dá signaes evidentes de vitalidade nas suas camadas profundas. A democracia transpoz os limites das povoações urbanas e invadiu, impetuosa, as villas, as aldeias, os casaes…

A monarchia não resolverá o problema das relações de Portugal com o Brasil. Falhará mais esta tentativa em que o sr. Consiglieri Pedroso — partindo de um falso perigo de desnacionalização do Brasil e de uma supposta possibilidade de Portugal evitar esse perigo, se elle existisse — levou o escrupulo da imparcialidade com que preside á Sociedade de Geographia até pôr de parte as divergencias essenciaes que, sob a monarchia que S. Ex.ª combateu toda a vida, se oppõem á obra pan-portuguesa da qual a sua proposta pareceu, a tantos enthusiastas «por índole e por disposição da lei», preciosissima pedra fundamental.

A monarchia não é, todavia, indispensavel a Portugal.

Portugal ha de sobreviver a esse regimen.

Então os portugueses resolverão os problemas nacionaes.

Por agora, é escusado pensar em tal coisa. Assim é que, apezar de todas as adhesões e de todos os applausos, não será, desta vez ainda, realizada a approximação luso-brasileira.

Só a Republica, fecunda geradora de patrias, creadora de consciencias livres e de cidadãos, nos armará para todas as victorias.

Só a Republica, com a qual em breve ha de resurgir a energia viril da antiga e heroica patria, saberá e poderá reirmanar as duas nacionalidades em que se fala a forte e rude, a dôce e plangente lingua em que, ou fôsse sobre o tumulo da nacionalidade ou no arco triumphal da sua resurreição, se teria de lêr o episodio do Adamastor e o episodio de Ignez.