Asas...

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Abertas em íris, pelos espaços intérminos, esvoaçam as Asas, voam a regiões antigas enevoadas de dolência e de lenda, às velhas maravilhas do mundo: — pelos Jardins da Babilônia, pelas Pirâmides do Egito. Vão à Pérsia, palpitar no fulgor de alcatifas e tapeçarias; vão à Arábia, voar entre os incensos orientais e, condorizadas, sempre pelas fulvas, fagulhantes opulências do Oriente em fora, rufiar e subir, perder-se além das esguias agulhas alanceoladas das mesquitas, que arrojam para o firmamento as liturgias maometanas...

E as Asas flavescem, doiram-se ao sol prisco dos tempos, à chama acesa da Imortalidade — porque as Asas são o Desejo, o Sonho, o Pensamento, a Glória — que tomam assim sempre essa forma, mil vezes, alada, peregrina, errante, das asas.

Porque a Forma, a Forma é esse ansiar para o alto, esse fremente rufiar e abrir largo d'asas impulsionadas na Luz, na refulgência das Estrelas, de onde, a música, a harmonia pura da Arte, serena e ritmalmente canta...

Mas, essa Forma que abre, cinzelada em astro flamejante, essa mesma Forma sai pontuada de lágrimas, corno um relicário onde eternamente ficassem guardadas as hóstias impoluídas de um amor sideral infinito.

E essas mesmas lágrimas são asas — asas espirituais, partindo da fremência de um sentimento doloroso, pungente, que nos alanceia, impacienta e agita em febre — sentimento fundamental do Profundo, do Vago, do Indefinido...

Turbilhões d'asas, turbilhões d'asas, turbilhões d'asas — asas, asas e asas imensas, amplas, largas, infinitamente rufladoras, infinitamente, infinitamente, cruzando-se e acumulando-se nos tempos, nas orgias báquicas do Sol, nas deblaterantes e atroantes nevroses das tormentas, no rouco e surdo regougar de epilepsias satânicas dos ventos.

Asas leves, finas, borboleteantes, falenosas, dos magnificentes, dos radiantes, dos delicados, dos febris, dos imaginosos, dos vibráteis, dos penetrantes, dos emotivos, dos sutis, curiosas abelhas d'ouro, insetos flavos do sol, esmeraldas e meteoros voejantes e asas gigantescas, condoreiramente titânicas, dos hercúleos Proteus do Sentimento e da Forma.

Tudo recebe singularidades, impressionantes transfigurações de asas — asas que abrem e tumultuam com vertiginoso e confuso tropel nos Céus, que da Terra vibrando partem, asas, asas e asas, em enigmas esfíngicos, num anseio, num frêmito, num delírio de alcançar, subir além, maravilhosamente subir, com pujanças repurificadoras e a majestade melancólica das águias, à Aspiração Suprema!