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LIV. NA BAHIA

No dia seguinte, logo cedo, ainda o negociante, antes de sair para o escritório, conversou com Carlos, acerca do que se tinha passado, e do que convinha fazer.

— Onde teve notícia da morte de seu pai?

— Em Juazeiro. Vínhamos de Boa Vista, no vaporzinho. Perto de Juazeiro, foi que um homem, que subia o rio numa canoa, nos deu a notícia do falecimento de papai.

— O homem conhecia seu pai?

— Não! Nem sabia como se chamava. Mas papai estava doente, era o único engenheiro que estava em Petrolina... Enterrou-se em Juazeiro, onde nos mostraram a sua sepultura.

— Mas não encontraram em Petrolina, alguém que o tivesse tratado durante a moléstia, alguém que o tivesse conhecido ainda vivo?

— Não estivemos em Petrolina; e em Juazeiro dizia-se somente: “o engenheiro, que estava em Petrolina...” Coitado de papai! Enterrado numa cova rasa, — sem um inscrição, sem o nome sequer...

— Enfim, — disse Inácio Mendes — o que há agora a fazer é passar já e já um telegrama aos seus parentes. Eles dirão que resolução vocês devem tomar. Hoje mesmo à tarde devemos ter uma resposta. E venham comigo ao escritório! Mandarei um empregado mostrar-lhes a cidade, que é bonita.

Depois do almoço, desceram todos. Assim que chegou ao escritório, Mendes mandou um caixeiro passar o telegrama, e encarregou um outro, moço inteligente e esperto, de sair a passeio com os três meninos.

O passeio foi um encanto, principalmente para Alfredo, que s deliciava com o aspecto das casas e da gente, com o movimento dos bondes, com a animação das lojas.

— A Bahia, — explicava Honório, o caixeiro — tem dois bairros inteiramente distintos: a cidade baixa, que é apenas um bairro comercial, e a cidade alta, onde se concentra a vida das famílias. Conheço bem tudo isto, porque nasci aqui, e nunca daqui saí...

Viram a Escola de Medicina, o Palácio do Governo, o Senado, e entraram na praça Duque de Caxias.

— Que coluna é esta? — perguntou Alfredo.

— É o monumento do Dois de Julho, comemorativo do dia em que se firmou na Bahia a Independência do Brasil, sendo as tropas portuguesas derrotadas pelo general Labatut. O 2 de Julho é a grande data da Bahia: todos os anos, é festejada com grande pompa, organizando-se préstitos cívicos, que, depois de percorrer toda a cidade, vêm aqui depositar coroas e bandeiras. Vamos ver agora o monumento de Castro Alves!

— Do poeta?

— Sim! O poeta d’Os Escravos e da Cachoeira de Paulo Afonso era baiano. Lá está ele!

Rodearam o monumento, e continuaram o passeio, visitando o Palácio do Governo, a Câmara e o Senado, a velha igreja de S. Francisco, onde admiraram as decorações de madeira esculpida, o Ginásio, o Passeio Público; e percorreram, em bonde, alguns dos subúrbios da cidade.

Assim passaram todo o dia. Quando chegaram à casa da família Mendes, eram mais de cinco horas da tarde, e já os esperavam para jantar.

O negociante, assim que os viu entrar, foi logo dizendo:

— Já temos resposta! Aqui está o telegrama!

— Qual a resposta! — perguntou Carlos, com alvoroço.

— Tenho ordem de embarcá-los no primeiro paquete que parte para o Rio Grande, fornecendolhes roupa e tudo aquilo de que precisarem... Ora, o primeiro navio parte amanhã, à tarde... Acho que seria melhor vocês esperarem o outro. Ficariam aqui mais alguns dias, e descansariam, antes dos incômodos de uma longa viagem por mar...

No correr do jantar, porém, por decisão de Carlos , ficou combinado que tomariam o paquete do dia seguinte. As duas mocinhas e o pequeno Otávio tentaram em vão o adiamento da viagem, apoiados por Alfredo, que também tinha o desejo de ficar. Mas o mais velho dos meninos foi inflexível; e Inácio Mendes acabou por concordar com ele:

— Acho que faz bem... É preciso obedecer à determinação dos seus parentes, e o telegrama é bem claro...

— Conheço-os pouco... — disse Carlos. — há minha avó materna, e dois tios, filhos dela. Não nos vêem há uns nove anos.

— Que prazer deve ter sua avó em acolhê-los! — exclamou a mulher do negociante. — É uma felicidade para ela, e para vocês. Uma avó é duas vezes mãe.

Generalizou-se a conversa, e Carlos notou, de repente, que Juvêncio, sentado a um canto da sala de jantar, nada dizia, conservando-se pensativo e triste.

Aproximou-se dele, e indagou o motivo daquela preocupação.

— E então, seu Carlinhos? Como não hei de estar apreensivo? Amanhã, partem os senhores, e não sei ainda que rumo tomarei na vida.

— Mas você vai conosco, Juvêncio! — exclamou o menino, sem mais reflexão.

— Isso não pode ser, seu Carlinhos...

Carlos foi logo entender-se com o negociante. Este refletiu longamente, e acabou por dizer:

— Sim! Ele não pode ir com vocês... não tenho autorização para isso. O que vou fazer é procurar para ele uma ocupação aqui na Bahia.

E, de súbito, batendo na testa:

— Oh! Tenho uma idéia! Rapaz, você quer trabalhar?

— Não quero outra cousa!

— Pois a ocasião não poderia ser melhor! Estou encarregado de contratar trabalhadores para grandes obras em Manaus. No Amazonas há bastante trabalho, e ganha-se bastante dinheiro. Você, se for para lá, ativo e inteligente como é, pode encetar admiravelmente a sua vida de homem!

Juvêncio nem discutiu a idéia. Ficou ali mesmo decidido que partiria o mais breve possível para Manaus, contratado e recomendado especialmente por Inácio Mendes.