Através do Brasil/LX

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LX. GUANABARA

O paquete avançava agora pelas águas calmas da majestosa baía de Guanabara.

Ao fundo, estendia-se a cidade, na curva da vasta praia, banhando na luz rosada da manhã as torres esguias das suas igrejas. Agora o dia triunfante avassalava tudo. O Pão de Açúcar, a Gávea, o Corcovado aprumavam-se radiantes. E havia um admirável contraste entre o espetáculo que se apreciava da proa do navio e o que se apreciava da popa. Atrás ficavam os montes de aspecto temeroso, uns cobertos de espessa vegetação, outros escalvados e nus; na frente, a cidade sorria, no seu tranqüilo despertar, animada e faceira...

O paquete ladeava a fortaleza de Vilegaignon, quando uma voz infantil disse ao lado dos dois irmãos:

— Vão à terra?

Quem falava era o filhinho mais moço do deputado, Dr. Caldas, que embarcava na Vitória; chamava-se Jorge, e contava apenas oito anos; o irmão, Rodolfo, tinha catorze. Nessas poucas horas de convivência a bordo, de Vitória até ali, Alfredo, com o seu gênio expansivo, facilmente travara relações com eles; e Carlos também se aproximara dos dois, especialmente de Rodolfo que vinha ao Rio para prestar os seus primeiros exames.

— Sim, vamos saltar, — respondeu Carlos, — mas devemos esperar por um senhor, negociante aqui, que virá, ou mandará receber-nos...

— Não conhecemos amigos aqui, — acudiu Alfredo; — e tinha tanta vontade de passear pelo Rio de Janeiro, antes de seguir para o Rio Grande!...

— Pois vão passear conosco...

Os pequenos voltaram-se ao ouvir estas palavras. Pronunciara-as o pai de Jorge.

Os dois pequenos aceitaram com gratidão a companhia que se lhes oferecia.

Então, já o paquete havia lançado ferro. A tolda ficara quase deserta; esperava-se a vinda das lanchas da Saúde e da Alfândega, e todos tratavam de aprontar-se para o desembarque.

— Por ora, — disse o pai de Jorge — isto ainda é uma balbúrdia. É um grande incômodo o desembarque. Mas daqui a poucos anos, todos os navios poderão atracar ao grande cais que se está construindo; e acabará este processo aborrecido e dispendioso de desembarque por meio de lanchas e botes. Já está terminado um largo trecho, e já podem atracar alguns paquetes.

— Onde fica o novo cais?

— Na Prainha. As obras já estão adiantadas. O cais vai ser monumental. Imaginem que terá 3.500 metros de extensão, desde a Prainha até a Ponta do Caju!

O mar animava-se de um grande movimento; dezenas de escaleres, saveiros, lanchas corriam para o navio que acabara de fundear; dois grandes paquetes, mais ao fundo do ancoradouro, recebiam um maior número ainda de pequenas embarcações; grandes barcas apinhadas de gente atravessavam a baía; os navios mercantes carregavam e descarregavam mercadorias; botes, batelões, rebocadores, cruzavam-se em todos os sentidos. No meio do porto, em face da cidade, enfileiravam-se os navios de guerra, pesados, como monstros de aço.

O negociante, a quem vinham recomendados, foi pessoalmente recebê-los. Desceram todos na mesma lancha, e foi então que o homem leu a carta que Carlos lhe entregara a bordo do paquete.

— Bem! Disse o comerciante — vocês têm de seguir quanto antes para o Rio Grande; tenho ordem de providenciar para isso, e fazer todas as despesas; e a ocasião é magnífica, porque, agora mesmo, vou mandar até lá um empregado da casa. Parte daqui a três dias, mas vai por São Paulo...

— Sim — interveio logo Alfredo — vamos a São Paulo...

— Faremos o que o senhor julgar conveniente — ponderou Carlos.