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Através do Brasil/XIX

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XIX. FIM DA HISTORIA DE JUVENCIO

“Quando voltei a mim, estava estendido sobre uma cama, na casa do serrado. Abri os olhos, e vi que o velho estava ao meu lado, mirando-me com atenção, interessadamente. Quis fazer um movimento, voltar-me na cama: mas o velho deteve-me. Notei então que ele mantinha, fixado sobre o lado direito do meu peito, um objeto, — uma espécie de pequeno copo de vidro: era uma ventosa. Pouco a pouco os meus olhos foram distinguindo o que viam, e fui compreendendo o que me acontecia. O bom velho fizera-me a aplicação de ventosas sarjadas: atirada ao chão, esteva uma velha ensangüentada, — e, na minha camisa, havia largas nódoas de sangue.

“Fiquei horrorizado, e quis falar. O bom velho, porém, com a mão que tinha livre, tapou-me a boca, e disse-me com carinho:

— Fique quieto! Não se assuste! Vi que você estava muito “ansiado”, com muita febre, e tossindo muito: compreendi que tinha qualquer cousa no peito, e, pelo sim, pelo não, apliquei-lhe estas ventosas. Não se sente melhor?

“— Muito melhor.

“Realmente, já não me atormentavam as dores de há pouco. Tinha o peito mais desafogado e a cabeça menos tonta. Além disso, animava-me a confiança que depositava no velho serrador. Esse bom homem era a providência daqueles sítios: não havendo médico por ali, era ele quem se encarregava de tratar todos os doentes. Recebia-os, a todos, com afeto, examinava-os, fornecia-lhes os remédios gratuitamente, e muitas vezes ainda lhes dava dinheiro para as despesas da dieta. Sentia-me entregue a um homem verdadeiramente bom... Pedi-lhe um pouco de água, que bebi com sofreguidão, e adormeci.

“Quando acordei, eram já quatro horas da tarde. Fui despertado pelo meu enfermeiro e salvador. Tomei um remédio, que ele mesmo preparara. E, sentindo-me forte e bem disposto, comecei a contar o que me acontecera: os sofrimentos de minha madrinha, a minha intervenção no conflito doméstico provocado pelo marido, o ódio e as perseguições deste. O serrador ouviu-me com indignação, e tranqüilizou-me:

— “Descanse! Ele não poderá adivinhar que você está aqui, — e hoje as eleições estão preocupando toda a gente. Vou mandar chamar sua madrinha, e combinaremos a melhor maneira de salvá-lo.

“Logo no outro dia, chegou à choça do velho minha madrinha, aflita, pesarosa, dando-me notícias que me amedrontaram: o malvado jurava que havia de descobrir o meu esconderijo, e que havia de vingar-se da minha desobediência; e dizia ainda que me mandaria preso, para o Rio de Janeiro. Eu, que não sou tolo, julguei, refletindo um pouco, que tudo isso não passava de uma bravata: como poderia ele mandar-me preso para o Rio de Janeiro, se eu não cometera crime? Disse isto a minha madrinha, para tranquilizá-la. Mas a pobre estava aterrada, e duvidava do que eu lhe dizia:

“— Olhe, Juvêncio! Você, assim que se sentir melhor, deve partir para longe daqui. Eu também não fico... Vou recolher-me à casa de uns contraparentes de minha irmã, no sertão da Serra Negra.

“Ali fiquei durante cinco dias. Quando já me sentia bem, soubemos que meu tutor se dispunha a vir buscar-me em casa do velho. Minha madrinha quis que eu a acompanhasse à Serra Negra. Mas refleti que aí não ficaria livre da perseguição, e, cansado de tanta luta, deliberei sair de Pernambuco. Sabia que em Alagoinha, no Estado da Baía, vivia um padre que me conhecia bastante, pois fora durante muitos anos vigário de Cabrobó. Resolvi ganhar o sertão, descer até Juazeiro, e daí seguir até Alagoinha. Despedi-me de minha madrinha e do velho serrador, — e aqui estou, em companhia de vosmecês.

— E agora? — perguntou Carlos.

— Agora, quando chegar a Alagoinha, conto com a proteção do vigário, que de certo não me negará auxílio. Continuarei a exercer o meu ofício de ferreiro, ou obterei qualquer trabalho, na Baía ou em outro qualquer lugar. Quando a minha vida melhorar, minha madrinha virá ter comigo, e tratarei de tornar-lhe a existência agradável e feliz. E eis a minha história! Falei tanto, que já estou com fome outra vez... Vamos dormir!”