Através do Brasil/XLVIII

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XLVIII. O JURAMENTO

A viagem até Vila Nova fez-se sem incidentes. No compartimento de Segunda classe, os três rapazes não se cansavam de recordar os casos diversos que tinham havido até ali, durante aquela difícil peregrinação.

— Quanta cousa nos tem acontecido! — dizia Carlos — se fôssemos contar tudo isso, pensariam que estávamos inventando uma história...

É verdade! — respondia Juvêncio. — Não lhe disse anteontem que não havíamos de morrer à fome? Não lhe disse? Já almoçamos bem, temos dinheiro para chegar à Baía... A gente, nesta vida, deve ter confiança em si mesma. É preciso não desanimar nunca! O dia da desgraça é a véspera da felicidade.

— O que eu admiro, Juvêncio, é a sua calma! — observou Carlos — você é de uma coragem extraordinária! Depois de tudo quanto tem sofrido, a sua alegria é sempre a mesma. Olhe que bastavam aqueles sustos que você passou em casa do coronel para abater um homem forte!

— Ah! Seu Carlinhos! A gente do sertão é toda assim! Nós não somos como muitos desses, das cidades, para quem a vida é fácil desde o princípio. No sertão, a gente sabe que só deve e pode contar consigo mesma... Depois, esta vida ao ar livre, no campo e na serra, no meio dos matos, é uma vida que dá alegria e coragem.

Alfredo, que adorava o pequeno sertanejo, e concordava com tudo quanto ele dizia, gritou:

— Apoiado! Eu também já estou ficando sertanejo, não é verdade, Juvêncio? Já monto a cavalo sem cansaço, e de nada tenho medo! A minha vontade era viver sempre no mato!

Carlos sorria, ouvindo a tagarelice do irmão. Juvêncio levantou os ombros, e respondeu:

— Não diga isso! O senhor é um menino de boa família... O senhor e seu irmão hão de estudar, hão de ser engenheiros como seu pai, ou médicos, e nunca mais hão de pensar no sertão, nem em mim...

Carlos, comovido, disse então, com voz grave:

— Juvêncio! Não quero que você diga isso. Você então supõe que esqueceremos algum dia estas semanas em que vivemos e penamos juntos? Eu e meu irmão não somos ingratos. Olhe! Vamos fazer um juramento, aqui: eu prometo que nunca me hei de separar de você!

— Ah! Isso é cousa que nunca se pode jurar! — disse o rapaz — daqui a pouco, quando chegarmos à Bahia, eu irei para o meu lado, os senhores irão para o seu...

— Embora! — afirmou Carlos com energia — poderemos separar-nos pelas necessidades da vida, mas nunca pela indiferença ou pela inimizade. Vamos prometer que seremos sempre amigos. Eu, por mim, juro-o pela memória de meu pai!

— Eu também juro! — exclamou Alfredo com entusiasmo.

O pequeno sertanejo tinha os olhos cheios de lágrimas, e não sabia o que queria responder.

O trem corria, a toda velocidade. O dia era lindo. Um sol risonho alegrava a paisagem. E havia qualquer cousa tocante e sublime naquele grupo de três crianças, que o sofrimento unira, e que assim prometiam estimar-se sempre, querendo robustecer pela constância do afeto os laços que as provações da vida tinham criado.

Juvêncio, por fim, disse com voz trêmula de comoção:

— Eu também juro que nunca me hei de esquecer dos senhores, e que hei de fazer o possível para, depois de homem feito, ir encontrá-los onde quer que estejam!

E continuaram a viagem, alegrados por aquele juramento de amizade.