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Através do Brasil/XXII

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XXII. PERDIDOS

Quando chegaram à casa, encontraram o Alfredo bem disposto e alegre, conversando com o Júlio, filho do proprietário, numa intimidade de bons camaradas.

Carlos e Juvêncio contaram o passeio, e falaram da abundância da caça, que por ali havia:

— O que nos faltou hoje foi uma boa espingarda!

— Papai tem uma... — disse Júlio.

O dono da casa, que daí a pouco chegou pôs logo a arma, que era excelente, à disposição do rapaz sertanejo. Ficou combinado, que às três horas da tarde sairíam os três — Carlos, Juvêncio e o filho do dono da casa, — para a caçada. Alfredo ficaria em casa...

— Não! — protestou logo o menino — já estou bom; não sinto mais dor nos pés, e posso ir com vocês.

Carlos tentou dissuadir o irmão desse propósito, que lhe parecia imprudente. Mas Alfredo teimou, e Juvêncio interveio:

— Não há dúvida... Vosmecê irá conosco até a entrada do mato, e aí ficará até que voltemos.

Jantaram à pressa, e partiram. À beira da floresta, Juvêncio limpou o chão à sombra de uma bela árvore, e aí acomodou o menino, recomendando-lhe que se não afastasse daquele lugar. Para que ele não se aborrecesse, o sertanejo armou uma arapuca, e disse:

— Vosmecê fique vigiando a armadilha: daqui a pouco, verá como vem cair dentro dela um passarinho...

E embrenharam-se os três pelo mato. Juvêncio ia adiante, andando devagar e com cautela, pisando de leve, sempre com o dedo no gatilho da espingarda, e olhando com cuidado para um e outro lado, examinando a espessura da floresta. Alguns passos atrás, com a mesma cautela e atenção, seguia Júlio. O último era Carlos, que, não habituado a excursões pelo mato, embaraçava os pés nos cipós, tropeçava nas raízes das árvores, caía, distanciava-se dos outros, perdia-os de vista, chamava-os. Juvêncio voltava-se, punha um dedo nos lábios, impunha-lhe silêncio.

Chegaram assim até perto de uma nascente de água límpida. Juvêncio parou um pouco, recomendou aos outros que se conservassem quietos, e, sem afastar os olhos de uma certa árvore que se levantava a poucos passos de distância, pouco a pouco e sorrateiramente se foi aproximando dela. Carlos, perplexo, olhava também a árvore, procurando o que nela havia, mas nada enxergava. Juvêncio levou a espingarda ao ombro, e fez fogo. Assim que reboou o estampido do tiro, caiu do alto das ramagens um pássaro escuro e grande, do tamanho de uma galinha. Era um jacu. Daí a pouco, o rapaz matava outro jacu e uma cotia. Carlos, admirado, gabava-lhe a perícia, a certeza da pontaria, a calma...

— Ora, vosmecê ainda nada viu! Nós, que nascemos e vivemos no mato nunca perdemos um tiro. Mas por hoje basta. Vamos procurar seu irmão, que já deve estar cansado de esperar...

Uma triste surpresa lhes estava reservada. Não acharam o menino no lugar em que o haviam deixado. Chamaram-no, gritaram por ele, — em vão. Com seu faro de caçador, Juvêncio examinou o local, para ver que rumo teria Alfredo tomado, e reconheceu que ele tinha penetrado no mato:

Olhe! — disse a Carlos, — estas folhas aqui devem ter sido pisadas por ele. Vamos procurá-lo. Em todo o caso, é bom que o Júlio vá à casa; talvez seu irmão tenha voltado para lá...

Separaram-se de Júlio, e internaram-se de novo no mato, gritando de vez em quando: — Alfredo, Alfredo!... Mas não recebiam resposta, e continuaram a andar.

De repente, Juvêncio viu luzir, entre as voltas de um cipoal, o pêlo arruivascado de um bicho. Apontou a arma, e fez fogo. Aproximaram-se, e... que horror! Viram uma onça suçuarana, que estrebuchava, ainda com vida... Carlos tremia. — já não por si, mas pelo irmãozinho, que andava por ali perdido, expondo-se a ser devorado por qualquer animal feroz. O próprio Juvêncio, apesar da sua calma, estava pálido, — também pensando nisso. Continuaram, gritando e chamando sempre. O pior é que não tardava o cair da noite; dentro do mato já reinava uma meia escuridão amedrontadora. Chegou um momento em que foram obrigados a parar: já nada viam, e não poderiam caminhar senão às apalpadelas...

Reconheceram que estavam também perdidos, sem saber que direção haviam de tomar. Juvêncio calava-se, aflito, e Carlos sentia um verdadeiro desespero.

— Não há remédio! — disse o sertanejo — devemos ficar aqui mesmo...

— E Alfredo? — perguntou Carlos, com angústia.

— Que havemos de fazer? Se estamos também perdidos... Vamos fazer fogo, e acampar. Talvez a gente de casa se assuste, e venha à nossa procura... Juvêncio riscou um fósforo; fizeram fogo, e ficaram junto dele, acabrunhados, soltando de vez em quando altos gritos. Duas horas passaram-se, nessa aflição. Por fim, ouviram um grito longe, muito longe. Responderam. Ouviram o estampido de um tiro... Os gritos continuavam, de parte a parte. Os dois que vinham aproximavam-se cada vez mais, até que se ouviram distintamente duas vozes, — a do carreiro e a do irmão... Eram eles, de fato:

— Vamos rapazes! Vocês sempre nos deram um susto tremendo!... O menino está lá em casa: chegou com o meu Júlio, — disse o fazendeiro. — o pequeno aborreceu-se, impacientou-se, e afastou-se da árvore junto da qual vocês o haviam deixado. Quis entrar no mato, mas teve medo, e começou a procurar a estrada, andando à toa. Felizmente, Júlio encontrou-o...

— Felizmente! — exclamou Carlos, com um suspiro de alivio.