Através do Brasil/XXVII
XXVII. UMA PESCARIA
Os viajantes dormiram tranqüilamente, refazendo as forças exaustas pela caminhada. De manhã, dispunham-se a partir, quando, Juvêncio lembrou:
Não seria melhor ficarmos aqui hoje? Corre ali em baixo um pequeno rio... Aproveitaríamos a água, lavaríamos as nossas roupas, que estão bem sujas.
Carlos concordou. Na falda do morro, em frente à casa, corria de fato um riacho, entre moitas de ingazeiras. Juvêncio, sempre jovial, ampliou a idéia primitiva:
— Vamos passar todo o dia à beira da água. Além de lavar a roupa, podemos fazer uma pescaria.
Alfredo aplaudiu a idéia. Compraram sabão, anzóis, um pouco de carne seca, e dirigiram-se para a margem do riacho. A lavagem das roupas foi rápida: Juvêncio molhava-as, ensaboava-as, e passava-as a Carlos, que as esfregava e torcia, batendo-as sobre as pedras; Alfredo, depois estendia-as ao sol, sobre os galhos baixos das árvores.
O sertanejo escolheu, então, duas vergônteas, duas varas finas e flexíveis, cortou-as, e atou à ponta mais delgada de cada uma delas um fio de dois metros de comprimento; e na extremidade de cada fio prendeu um anzol. Depois, começou a cavar com a faca a terra úmida da beira do rio.
— Que é que você procura aí dentro? — perguntou Alfredo, interessado.
— Procuro uma isca...
Apanhou na terra revolvida algumas dez ou doze minhocas, e enfiou uma delas em cada anzol, de modo a deixar a ponta deste escondida e invisível. Feito esse trabalho preliminar, encaminharam-se os três para a ribanceira, e pararam num ponto onde as águas eram mais calmas e o riacho parecia mais profundo. Juvêncio e Carlos empunharam as varas, e deixaram cair os anzóis, que se afundaram na água em virtude do próprio peso. E os dois, quietos, de cócoras, deixaram-se ficar imóveis, segurando as varas, estendidas horizontalmente.
Alfredo começou a mover-se e a falar, ao lado deles, fazendo-lhes perguntas. Mas Juvêncio impôs-lhe silêncio. Carlos, inquieto, desajeitado, mexia-se, agitava-se involuntariamente, distraía-se. Mas o sertanejo era um verdadeiro pescador. A sua atenção não se desviava do trabalho. Em certo momento, o rapaz atento, sentiu que o anzol tremia, e compreendeu que o peixe estava beliscando a isca; moveu a vara ligeiramente, e, sentindo a resistência, deu-lhe um puxão rápido e forte, levantando-a, Carlos e Alfredo viram apenas luzir no ar um corpo prateado, que foi bater em cheio no chão, e principiou a pular: era uma piabanha, de um palmo de comprimento.
Nesse mesmo instante, Carlos sentiu também que o seu anzol tremia. Açodado, fez o que vira o companheiro fazer, e puxou a vara com violência: mas o peixe tinha comido a isca, e fugira.
Carlos ficou um tanto envergonhado: e Alfredo ria gostosamente, vendo a cara espantada do irmão.
Juvêncio pôs-se então a explicar que as primeiras qualidades do bom pescador são a paciência e a tenacidade. É preciso esperar o momento preciso em que se deve dar o safanão: ao contrário, o pescador arrisca-se a perder, ao mesmo tempo, a isca e o peixe...
Conversaram sobre isso, quando ouviram vozes que se aproximavam. Eram vozes de mulheres... Voltaram-se os três, e viram cinco mulheres, que desciam a ribanceira carregando grandes trouxas de roupa.
— Ah! Carlos! E eu estou sem calças! — exclamou Alfredo.
— Que tem isto? Deixa-te de tolices... Todos vêem que és uma criança.
As lavadeiras tinham ouvido a exclamação do pequeno. Uma delas, já velha, vendo-o correr, e esconder-se atrás de uma árvore, deu uma risada, e disse por gracejo:
— Vejam lá que vergonha! Um homem assim, sem calças!
Outra, uma cabocla, de fisionomia expansiva, perguntou a Carlos, vendo-o com a linha de pescar:
— Já pescou muito?
— Não! Mas o meu companheiro apanhou um peixe, e nem sei o que hei de fazer dele...
— Deixe ver! — disse a lavadeira — é uma piabanha! E que bonita! Se quer, vou assá-la...
E estabeleceu-se logo uma conversa cordial entre os rapazes e as lavadeiras, — mulheres simples, francas e hospitaleiras, como, em geral, todos os habitantes do sertão.