Saltar para o conteúdo

Aventuras de Hans Staden (6ª edição)/Capítulo 10

Wikisource, a biblioteca livre

X

OS MARACÁS


DALI as indias conduziram Hans para defronte da cabana onde se guardavam os maracás, isto é, os idolos ou deuses selvagens. Eram cabaças cheias de pedrinhas, atravessadas por um cabo e com uma grande boca pintada, ou recortada. Cada selvagem possuia o seu maracá, e o acomodava numa cabana especial, onde lhe levava de comer e o consultava sobre tudo.

— Mas o maracá respondia ás consultas ?

— Respondia, sim, meu filho, como todos os idolos em todas as religiões respondem ás perguntas de todos os fieis... Quem cala consente; os maracás se calavam, logo, respondiam “sim” a todas as consultas dos indios.

Depois as mulheres formaram um circulo em redor de Hans, amarraram-lhe ás pernas uns chocalhos e puseram-lhe á cabeça um turbante de penas chamado “araçoiá”. Em seguida começaram a dansar, obrigando-o a bater no chão com o pé, para que o ruido dos chocalhos fosse marcando o compasso.

O ferimento da perna de Hans não estava cicatrizado, de modo que o misero muito padeceu nessa ocasião.

Terminada a festa, as indias entregaram o prisioneiro a Ipirú-guassú, a quem competia guardá-lo. Ipirú introduziu-o na cabana dos maracás, dizendo-lhe que aqueles idolos lhes haviam profetizado a captura de um português.

Hans Staden redarguiu:

— "Esses idolos não falam nada, ou se falam não dizem a verdade, porque é falso que eu seja português. Sou amigo e parente dos franceses; minha terra se chama Alemanha".

Os indios replicaram que era mentira, pois se fosse francês não estaria entre portugueses, gente inimiga dos franceses. Disseram ainda que os franceses vinham todos os anos trazer-lhes facas, machados, espelhos; pentes e tesouras, levando em troca pau-brasil, algodão, penas e pimenta. Por isso eram amigos dessa gente. Já com os portugueses fôra o contrario. Tinham vindo aquela terra muitos anos antes e logo se ligaram com os seus rivais tupiniquins. Apesar disso, eles, indios, tentaram aproximar-se e penetraram em seus navios, como costumavam fazer nos navios franceses. Mas foram miseravelmente traídos. Quando os peros viram a bordo um bom numero de tupinambás, agarraram-n'os e entregaram-n'os aos tupiniquíns, para que os comessem. Além disso mataram a tiro muitos que estavam de fóra, nas canoas. Essas e outras crueldades fizeram-lhes nascer no coração um odio de morte contra os peros.

— Quer isso dizer que se os portugueses houvessem tratado com justiça os selvagens do Brasil eles seriam amigos, observou Pedrinho.

— Certamente, respondeu dona Benta. Mas os conquistadores do novo mundo, tanto portugueses como espanhois, eram mais ferozes que os proprios selvagens. Um sentimento só os guiava : a cubiça, a ganancia, a sêde de enriquecer, e para o conseguirem não vacilaram em destruir nações inteiras, como os aztecas do Mexico e os incas do Perú, povos cuja civilização já era bem adiantada.

— Mas como é então, vóvó, que esses homens são gloriosos e a historia fala deles como grandes figurões?

— Por uma razão muito simples: porque a historia é escrita por eles. Um pirata quando escreve a sua vida está claro que se embeleza de maneira a dar a impressão de

que é um magnanimo heroi. Ha uma fabula a este respeito. A' entrada de certa cidade erguia-se um grupo de marmore, que representava um homem vencendo na luta ao leão. Passa um leão, contempla aquilo e diz : Muito diferente seria essa estatua, se os leões fossem escultores!

Mas voltemos á historia do nosso Hans. Depois que os indios expuseram as razões gerais da inimizade para com os peros, entraram alguns a alegar motivos particulares. Alkindar e Nhae-pepô contaram como os portugueses haviam ferido a seu pai num braço, com um tiro do qual resultou a morte do velho. Esse crime exigia a vingança que sobre Hans ia ser exercida.

Hans defendeu-se. Não era português, tinha vindo com os espanhois; e se o encontraram entre os peros fôra devido ao naufragio que o arrojara ali. Não era português e pois não merecia que a vingança dos indios recaisse sobre sua cabeça.

Esse argumento calou no animo dos selvagens, nos quais o sentimento da justiça não era escasso, e foi resolvido que se averiguasse melhor.

Meses antes da captura de Hans os tupiniquins haviam arrasado uma aldeia tupinambá; os velhos tinham sido devorados e os moços, vendidos aos portugueses. Mais tarde um destes conseguiu fugir para a aldeia de Ubatuba, onde ainda se achava naquela ocasião. - Chamaram-no, para prestar depoimento a respeito de Hans.

O moço declarou que o conhecia de S. Vicente e que Hans realmente viera em navio de espanhois, gente, aliás, amiga dos portugueses.

Esta declaração melhorou um pouco a situação de Hans, mas não foi suficiente. Pediu ele então que o guardassem vivo até que por ali aparecesse algum filho da França.

os indios concordaram e ficaram á espera de um francês que andava pela zona, a negociar pimenta.

Hans respirou. Conhecia a lealdade dos indios. Sabia que se um francês aparecesse e o reconhecesse como irmão, estaria salvo. Ficou, pois, á espera do salvador providencial que, segundo as noticias, não andaria longe daqueles sitios.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.