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Aventuras de Hans Staden (6ª edição)/Capítulo 14

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XIV

A VOLTA DO FRANCÊS



O tal francês, que tão cruelmente aconselhara os indios a que matassem e comessem o pobre Hans, voltou de novo á taba de Ubatuba, sempre a negocio de pimenta e penas. Veio de Iteron, tome primitivo de Niteroi, que era onde aportavam os navios franceses.

Logo que chegou á taba admirou-se de ver ainda vivo o alemão.

— "Que é isso, homem? Pois inda estás vivo?"

Hans respondeu, agastado:

— "Sim, estou vivo graças a Deus, pois só a ele devo o ter conservado a vida até agora, contra o conselho que déstes aos indios".

O francês, que os indios chamavam Karuatá uára [1], parecia mudado e não olhou para Hans com o rancor da primeira vez. Em vista disso Hans o chamou de parte e expôs o seu caso, de maneira a convencê-lo de que na realidade não era português, e sim alemão, naufrago de um navio espanhol.

O francês mostrou-se arrependido do que fizera. Disse que realmente o havia julgado português, gente má a quem tanto os indios como os franceses não poupavam. Mas já que não era assim, ia ajudá-lo a salvar-se.

Tudo mudou depois dessa conferencia. Karuatá-uára explicou aos indios que se enganara da primeira vez; o prisioneiro de fato não era português, e sim de um país chamado Alemanha, cujos habitantes sempre foram amigos dos franceses. E acabou pedindo aos indios que o deixassem levar consigo.

Os indios deram-se por convencidos, mas declararam que só o deixariam ir se o pai de Hans ou seus irmãos o viessem buscar num navio cheio de machados, facas, tesouras, pentes e espelhos. Tinham-no apanhado em territorio inimigo e, pois, lhes pertencia.

Karuatá-uára procurou de novo Hans e narrou-lhe os passos que dera. Estava convencido de que os indios não o largariam de forma nenhuma.

Hans pediu-lhe pelo amor de Deus que o mandasse buscar pelo primeiro navio aportado em Iteron. Karua-tá-uára, depois de prometer-lhe isso, pediu aos indios que o guardassem cuidadosamente, até que seus parentes viessem buscá-lo. E partiu.

Enquanto se davam estes acontecimentos, os indios enfermos sararam e a vida da taba entrou no ramerrão habitual.

A volta da saude trouxe a volta da gula, e o proposito dos indios de não comerem o prisioneiro começou a fraquear. As velhas murmuravam que os franceses, afinal de contas, não valiam mais que os peros.

Hans atemorizou-se com isso, porque não tinha grande confiança no carater dos selvagens. Mas foi uma injustiça. Os tupinambás souberam cumprir o prometido, dando prova de que é mais de fiar-se num selvagem do que num rei branco como aquele Fernando o Catolico, de Espanha, que só cumpria a palavra dada quando lhe convinha.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.
  1. Comedor de fruta gravatá.