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Aventuras de Hans Staden (6ª edição)/Capítulo 13

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XIII

ESPERANÇAS


LOGO depois da partida de Nhae-pepô chegou de S. Vicente um navio português, que deitou ancora perto da taba e disparou um tiro de canhão. Era o sinal do costume para que os indios das redondezas viessem ter com os navios.

Ao ouvirem o tiro os indios disseram ao prisioneiro :

— “Ai vêm teus amigos portugueses; querem saber se vives e se queremos dar-te em troca de alguma coisa”.

A noticia encheu-o de esperança. Mas ser procurado por navio português era dar provas de ser português, e Hans inventou logo uma historia destinada a atrapalhar os indios. Disse-lhes que tinha entre os portugueses um irmão francês e com certeza era esse irmão quem vinha procura-lo.

Os indios, porém, não deram credito á historia. Aproximaram-se do navio a ponto de fala e perguntaram o que queriam.

Os portugueses indagaram de como ia passando Hans. Os selvagens responderam que não sabiam de quem se tratava.

Não havendo meio de entendimento, o navio afastou-se, deixando o misero artilheiro mergulhado na maior dor. Pela segunda vez de todo perdia a esperança de salvar-se. Já via a iverapema sobre a sua cabeça, prestes a desferir o golpe fatal. O sacrificio fôra adiado por causa da partida de Nhae-pepô; mas o indio regressaria breve, e então...

Assim o imaginou Hans, e ficou à espera do cacique, certo de que o seu regresso lhe marcaria o fim do martírio.

Ouvindo uma tarde gritos na cabana de Nhae-pepô, Hans estremeceu. Era costume dos indios receberem com tais gritos os companheiros que tornavam das viagens, e aquele barulho queria dizer que Nhae-pepô estava de volta. Resignadamente, pois, ficou á espera do que desse e viesse.

Sem demora veio ter com ele um indio, que lhe disse:

— “Alkindar, o irmão de Nhae-pepô, acaba de chegar e diz que os outros lá ficaram em Mambucaba muito doentes”.

O coração de Hans bateu apressado, com a esperança de novo renascida. Aquela doença de Nhae-pepô viria afastar mais uma vez a época do seu sacrificio.

Não demorou muito e apareceu-lhe Alkindar; sentou-se e principiou com lamurias, dizendo que Nhae-pepô, sua mãe e seus sobrinhos tinham caido doentes em Mambucaba, donde mandavam pedir a Hans que intercedesse perante o seu Deus para que todos sarassem.

— “Meu irmão, concluiu Alkindar, pensa que o teu Deus está zangado com ele”.

Ao ouvir tais palavras o pobre Hans creou alma nova, e sem demora confirmou tal suposição.

— “Está zangado, sim, porque insistis em afirmar que sou português quando não é verdade. Ide ter com Nhae-pepô e dizei-lhe que volte, que eu falarei a meu Deus para que todos sárem”.

Com isto retornou o indio para Mambucaba e Hans pela primeira vez dormiu uma noite sossegada.

Alguns dias depois regressaram os doentes. Hans foi chamado á cabana de Nhae-pepô, que lhe disse :

— “Tu sabias de tudo. Tu disseste naquela noite que a lua olhava zangada para a minha cabana”.

Hans lembrou-se do incidente da lua e encheu-se de grande alegria, imaginando que Deus visivelmente o estava protegendo. Aproveitou-se do caso para convencer o índio de que era assim mesmo. A lua estava zangada com todos eles porque queriam comê-lo, como se fosse um pero, o que não era verdade. Vinha daí aquele rosario de desgraças.

Nhae-pepô pediu-lhe que os curasse. Hans, então, deu-se ares misteriosos e girou em torno dos doentes, fazendo passes com as mãos e pronunciando palavras cabalisticas. Terminou assegurando que iriam todos sarar.

Infelizmente aquelas micagens não produziram nenhum efeito; no dia seguinte morreu uma criança; em seguida, a mãe de Nhae-pepô e mais uma velha que andava fabricando os potes para o cauim da festa de Hans.

— Que festa? indagou Narizinho. A festa em que iam comê-lo ?

— Sim, respondeu dona Benta, como nós hoje fazemos uma festa em torno do sacrificio de um perú... Mas não ficou aí o desastre; dias após faleceu outra criança e, por fim, um irmão de Nhae-pepô.

O morubixaba caiu em grande tristeza diante do estrago que a morte estava a fazer em sua familia; e, com medo de ir-se tambem, pediu de novo a Hans a proteçãodo seu Deus. Hans consolou-o, afirmando que nada lhe aconteceria, caso desistisse da idéia de o devorar.

O morubixaba concordou e prometeu poupá-lo, proibindo que na sua cabana o maltratassem ou o ameaçassem de morte.

Continuou doente esse indio por mais algum tempo, e por fim sarou, juntamente com uma de suas mulheres; havia perdido oito pessoas da familia, todas muito más para Hans.

O morubixaba da cabana vizinha, Guaratinga-assiú, sonhou uma noite que Hans lhe aparecera e anunciara sua morte. De manhã cedo foi procurá-lo para contar-lhe o sonho.

Hans explicou que coisa nenhuma lhe sucederia, se tambem desistisse de o devorar.

O indio acordou nisto; declarou que não lhe faria mal algum e, caso o matassem, não lhe comeria da carne.

— Triste consolo ! exclamou Pedrinho.

— Do mesmo modo sonhou com Hans um terceiro morubixaba, Karimã-Kui (farinha de carimã), que tambem o mandou vir à sua presença. Deu-lhe de comer e contou-lhe que outrora capturara um português, do qual comera tanto que desde então vinhã sentindo um mal do estomago.

Hans disse logo :

— “Pois é isso. A carne humana é um veneno terrivel e a tua doença vem de a teres comido. Se de hoje em diante desistires de comê-la, sararás e nunca mais terás sonhos tristes”.

Karimã deu-se por convencido e prometeu nunca mais comer gente.

Começaram os indios a ter medo de Hans e a respeitá-lo. Até as velhas da taba, que eram voracissimas e costumavam maltratá-lo com beliscões e ameaças, ganharam medo ao alemão, cujo deus se patenteava de maneira assim visivel.

Uma delas veio dizer-lhe :

— “Meu filho, não nos deixes morrer. Se te tratamos mal é que te julgavamos português, gente a quem odiamos. Já comemos varios deles, mas o deus português não fazia caso. O teu deus zanga-se e porisso vemos que de fato não és português”.

Desde essa ocasião todos da taba o deixaram em paz, embora o mantivessem sob vigilancia, como dantes.

— O tal português que Karimã-Kui comeu devia ser um pero de 24 quilates, para encruar assim o estomago de um canibal, comentou Pedrinho.

— Não caçõe dos seus avós, menino, advertiu dona Benta a sorrir e continuou.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.