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Aventuras de Hans Staden (6ª edição)/Capítulo 22

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XXII

A SALVAÇÃO


— QUE NAVIO era esse, vóvó?

Esse navio chamava-se "Catherine de Vataville" e tinha por comandante o capitão Guillaume de Moner.

No momento de deixar Iteron o "Vataville" avistou um barco português que tambem saia, depois de ter negociado com uma tribu de maracajás.

Os franceses lançaram ao mar um escaler com algumas bocas de fogo, com o fito de atacá-lo, levando consigo Hans. Como o artilheiro falava português, quiseram que ele fosse, para intimar os portugueses á rendição.

O trunfo, porém, saiu ás avessas. O naviozinho atacado reagiu valentemente e repeliu o escaler. Morreram varios franceses, além de muitos feridos, entre os quais o proprio Hans.

— Que azar! exclamou Pedrinho. Teria graça se depois de livre dos canibais morresse das balas dos peros...

— E quasi foi assim, disse dona Benta, porque recebeu ferimentos graves; mas a sua natureza era rija e por fim escapou.

A partida de Iteron deu-se no ultimo dia de outubro de 1554. Ferido como se achava, Hans não pôde despedir-se daqueles ceus e daquelas montanhas, mas lá do feito em que ardia em febre disse mentalmente um "até nunca mais" á terra onde por um triz escapou de ser moqueado e comido.

A 20 de fevereiro do ano seguinte o "Vataville" chegou a Honfleur, na Normandia, depois de quatro meses de viagem sem incidentes.

Parece que a sorte adversa se cansara de perseguir o nosso aventureiro, depois de verificar que coisa nenhuma o vencia. Naufragios, combates navais, guerra terrestre, sanha de antropofagos — nada pôde com ele.

Hans regressou á sua patria, onde escreveu o livro em que conta estas historias, livro precioso para nós porque foi o primeiro publicado a respeito de coisas do nosso país.

Agora, que terminei a narração da sua vida atormentada, quero que vocês me digam que lição tiram dela, concluiu a vóvó.

— Que não devemos desanimar nunca! exclamou Pedrinho incontinenti.

— Isso mesmo, aprovou a boa senhora. E você, Narizinho, que lição tira?

— Que são horas de ir para dentro porque a Emilia está pendendo de sono, respondeu a travessa menina, abrindo a boca num bocejo de urutau.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.