Bandeiras e Sertanistas Bahianos/Governo do 4. vice-rei D. Vasco Cezar de Menezes

Bandeiras e Sertanistas Bahianos
por Urbino Vianna

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Governo do 4.º vice-rei D. Vasco Cezar de Menezes.

Por muito notavel o governo do Conde de Sabugosa, cumpre-nos dar algumas notas sobre elle: alem da repressão dos facinorosos em que muito o auxiliou Pedro Leolino Mariz, encarregado das prisões de Nunes Vianna e irmãos Dias do Prado ^[1] e das entradas que determinou para conter os selvicolas; cuidou elle de outras providencias administrativas, como do regime florestal, providenciando o córte de madeiras de lei; sobre minas, attendendo ás de Jacobina e Rio das Contas, as Novas de Arassuahy e Tucambira, sem esquecer-se de erigir Villas, mantendo as estradas de communicação e dellas tomando conhecimento e abrindo novas, actos de importancia capital na vida da colonia.

O Coronel Pedro Barbosa Leal, apesar de já entrado em annos, é um de seus auxiliares mais decididos. Foi este notavel sertanista bahiano quem lhe suggeriu a criação das villas de Jacobina e Minas do Rio das Contas; sendo aquella, a primeira erecta no seculo XVIII, precisamente a 24 de Junho de 1722.

O local escolhido por Barbosa Leal foi o sitio do Sahy, missão de N. S. das Neves, em terras do Cel. Garcia de Avila Pereira, que mandou a El-rey uma reclamação, mudando-se para o actual a 5 de Junho de 1724, attendendo-se á conveniencia das minas, presidido o acto pelo Ouvidor geral Pedro Gonçalves Cordeiro Pereira que lhe demarcou o seguinte termo:

"A' villa novamente erecta de S. Antonio de Jacobina ficam pertencendo, alem das duas freguezias de S. Antonio de Pambú, e Santo Antonio de Jacobina, a freguesia de S. Antonio de Urubú, que comprehende todo o rio de Contas, até fazer divisão com o termo da villa da Cachoeira e da villa de Maragogipe e a capitania dos Ilheus e a costa do mar, a freguezia de N. S. do Bom Successo do Arraial, comprehendendo os sertões em que estão e por onde se reparte esta capitania com as de Minas Geraes, comprehendendo as ilhas que ficarem no meio do rio para esta parte, na forma que já se tem resolvido muitas vezes s erem estas adjacentes da parte desta capitania, correndo o mesmo termo pelo rio abaixo, até fazer divisão com as terras da comarca de Sergipe-del-rei, e dahi até fazer outra divisão na fazenda da Gameleira, e dahi saindo, buscando o rio Jacuipe, e ordenou que os moradores que ficam comprehendidos nas ditas quatro freguesias ficassem todos sujeitos ás posturas e determinações do senado da camara, endo e reconhecendo os juizes desta villa pelo de seu fôro, o qual termo lhes consignou em quanto nas Minas do Rio de Contas se não creasse ou levantasse villa...".

Isto veio a succeder dous annos depois, em vista dos relatorios apresentados pelo Dr. Miguel da Costa, sobre as minas de Matto-Grosso, proximas ao arranchamento Creolos ^[2] e pelo Coronel Pedro Barbosa Leal, sobre interesses administractivos e de policia.

Antes de erigir a villa, o que foi realisado pelo mesmo Coronel Pedro Barbosa e no local onde é hoje Villa Rica e foi por muitos annos Villa Velha (ou Villa Nova do Bromado), denominando-a de N. Senhora do Livramento de Minas do Rio das Contas, Barbosa Leal abriu a estrada de Jacobina até ali, unindo o caminho do norte ao que levava ás minas dos paulistas, ou dos serros de Sabarábussú, e podendo, com economia de tempo, transportar as boiadas que vinham do Piauhy, livres dos "alagadiços" do S. Francisco.

Motivos de hygiene levaram a transferir-se para o alto da Serra, em 1742, no governo de André de Mello e Castro, Conde das Galvêas, a séde da villa, o mesmo fazendo-se á freguesia de Santo Antonio do Matto Grosso, cuja invocação fora mudada para S. S. Sacramento.

Jacobina e Rio das Contas estabeleceram um dique aos crimes, que se perpetravam em numero assustador, elevando-se anteriormente, em uma decada, de 1710 a 1721, a quinhentos e trinta e dous homicidos por armas de fogo, só em Jacobina.

↑ O capitão de Cavallos Belchior Reis e Mello foi quem se encarregou dessa diligencia; era morador na fazenda Ribeirão, no rio Verde.
↑ "A tres leguas de Mato Grosso, por aspero caminho de morros e penedias, está o riacho em que minerou o coronel paulista Sebastião Raposo, o qual vindo de São Paulo com toda a comitiva que lá tinha, de escravos e de indios e mucambas, de que tinha varios filhos, se metteu por aquellas serras, onde já alguns tinham andado sem descobrirem ouro de boa pinta; mas este, como tivesse muita experiencia, e fizesse seus exames lhe agradou o sitio e assim plantou suas roças nos capões de matto, que achou vizinhos, e fez alli seu arraial. Capões chamão a algumas porções de matto que se acham por aquellas terras e campos, o derrubando á machado lhe põe fogo para depols plantarem milho, mantimento ordinario daquellas partes: este paulista, diziam se retirara de São Paulo e das Minas Geraes, receioso das ordens do Tribunal do Santo officio; e ao que parecia a todos a vida era má e o coração cruel porque matava por causas mui leves, e a sua gente o servia muito violentada, pois a cada hora esperava cada qual delles a da sua morte; tanto assim que no caminho não o podendo já acompanhar duas das suas mucambas, de cançadas, no meio de uns serros matou uma e despenhou outra, dizendo que não queria deixal-as vivas só para não servirem a outrem. Assentado o seu arraial na dita paragem, entrou a minerar, pondo vigias nas partes mais altas, e sentinellas no caminho, para que não deixassem lá chegar alguem; como era poderoso, com o temor conservava o seu respeito e despotico imperio.
Teve tal fortuna, que achou o ouro a quatro ou cinco palmos de cova da sua formação, e trabalhava ao principio com oitenta bateias; mas dando com ouro graudo, metteu toda a comitiva, colomins e femeas a trabalhar, com que chegou a trazer ao riacho cento e trinta bateias; já então desprezava o ouro miudo, por lhe gastar tempo nas lavagens, e assim mandava despejar as bateias e só buscava pedaços, folhetas e grãos maiores, castigando fortemente alguns que he davam de jornal só uma libra de ouro; o que mais admiração faz, não tendo nada de paradoxo, é tirar um pedaço de arroba e meia, do feitio da asa de um tacho, e ainda mais, que em um dia dando na maior mancha trabalhou desde a madrugada até as dez da noite, valendo-se por isso de fachos, o apurou nella nove arrobas. Havia trazido o dito paulista comsigo em companhia um sobrinho chamado Antonio de Almeida ao qual e aos poucos da sua comitiva não permittia a minerarem junto com a sua fabrica; mas separados, vinham mais atraz, revolvendo a terra e cascalho já movido em cujos fragmentos tiravam quantidade de ouro.
Farto já dito Raposo, ou tendo ouro que bastava à sua ambição, ou porque as grandezas não continuavam com igual rendimento, ou receioso de que com aquella fama se ajuntasse algum poder maior que o destruisse, se ausentou com os seus pelo matto dentro. para estes sortões, tendo minerado no dito riacho por uma collina que o terreno faz a distancia de um oitavo de legua, e neste tirou todo o ouro que levou, em que falou sempre com vivacidade; e duvidando eu do numero de arrobas, que nesta cidade e por este sertão tinha ouvido que elle tirara, entrei a averigual-a com maior exame, e assim vendo entre aquelles homens alguns de mais capacidade, e um delles confidente do dito Raposo, a quem comprava gados e mantimentos para a fabrica de seu trabalho, e por esta causa lhe permittia entrar nas suas lavras, o tirar dellas muita utilidade; e vendo tambem entre os paulistas alguns capazes e um mameluco do dito Raposo, o que pode escapar-lhe uma noite depois de se metter no sertão, por receiar o matasse; de cada um delles colhi, separadamente, o que deste Coronel Sebastião Raposo relato, que me persuado ser o mais verdadeiro, por serem estes os que melhor podiam sabel-o indagal-o os da sua companhia; e assim unanimemento concordaram em que o dito paulista levava seguramente quarenta arrobas de ouro; assim pela grandeza com que o tinha achado, como pelas borrachas e surrões em que o levava orçaram aquella quantia, e tambem, pelas cargas que lhe observarum quando se retirou, distinguindo-as das outras de mantimentos, pois sabem estes homens as traças e subtilezas das dos outros; e diziam que o dito Raposo nunca lhes confessara a quantia certa, e só dizia por diminutivos eu tenho aqui umas arorbinhas.
Depois de se pór a caminho em retirada para o sertão, deu busca aos seus, que lhe pareceu levariam algum ouro e lhes achou variavelmente muitas libras; a uns tres e cinco, a outros, seis e nove, e então é que lhe fagiu aquelle mameluco, por ser um dos mais culpados: logo so ausentou e se não soube o rumo que tomara por se metter no matto por picada nova que abrira, mas pouco depois, por alguns indios que o toparam, e sertanejos que por esse matto encontrou se soube que, reconcentrando-se por esses sertões, ia na volta do Maranhão; e quando cheguei àquelles districtos do rio de Contas havia mais de seis mezes que ele tinha partido, e corria la noticia delle ter chegado ao Piauhy onde depois o mataram."
(Miguel Pereira da Costa, — Do relatorio apresentado ao Vice-Rei Vasco Fernandes Cezar em 1721. — Pelo Mestre de Campo de Engenheiro).

[1] O capitão de Cavallos Belchior Reis e Mello foi quem se encarregou dessa diligencia; era morador na fazenda Ribeirão, no rio Verde.

[ref23-2] "A tres leguas de Mato Grosso, por aspero caminho de morros e penedias, está o riacho em que minerou o coronel paulista Sebastião Raposo, o qual vindo de São Paulo com toda a comitiva que lá tinha, de escravos e de indios e mucambas, de que tinha varios filhos, se metteu por aquellas serras, onde já alguns tinham andado sem descobrirem ouro de boa pinta; mas este, como tivesse muita experiencia, e fizesse seus exames lhe agradou o sitio e assim plantou suas roças nos capões de matto, que achou vizinhos, e fez alli seu arraial. Capões chamão a algumas porções de matto que se acham por aquellas terras e campos, o derrubando á machado lhe põe fogo para depols plantarem milho, mantimento ordinario daquellas partes: este paulista, diziam se retirara de São Paulo e das Minas Geraes, receioso das ordens do Tribunal do Santo officio; e ao que parecia a todos a vida era má e o coração cruel porque matava por causas mui leves, e a sua gente o servia muito violentada, pois a cada hora esperava cada qual delles a da sua morte; tanto assim que no caminho não o podendo já acompanhar duas das suas mucambas, de cançadas, no meio de uns serros matou uma e despenhou outra, dizendo que não queria deixal-as vivas só para não servirem a outrem. Assentado o seu arraial na dita paragem, entrou a minerar, pondo vigias nas partes mais altas, e sentinellas no caminho, para que não deixassem lá chegar alguem; como era poderoso, com o temor conservava o seu respeito e despotico imperio.
Teve tal fortuna, que achou o ouro a quatro ou cinco palmos de cova da sua formação, e trabalhava ao principio com oitenta bateias; mas dando com ouro graudo, metteu toda a comitiva, colomins e femeas a trabalhar, com que chegou a trazer ao riacho cento e trinta bateias; já então desprezava o ouro miudo, por lhe gastar tempo nas lavagens, e assim mandava despejar as bateias e só buscava pedaços, folhetas e grãos maiores, castigando fortemente alguns que he davam de jornal só uma libra de ouro; o que mais admiração faz, não tendo nada de paradoxo, é tirar um pedaço de arroba e meia, do feitio da asa de um tacho, e ainda mais, que em um dia dando na maior mancha trabalhou desde a madrugada até as dez da noite, valendo-se por isso de fachos, o apurou nella nove arrobas. Havia trazido o dito paulista comsigo em companhia um sobrinho chamado Antonio de Almeida ao qual e aos poucos da sua comitiva não permittia a minerarem junto com a sua fabrica; mas separados, vinham mais atraz, revolvendo a terra e cascalho já movido em cujos fragmentos tiravam quantidade de ouro.
Farto já dito Raposo, ou tendo ouro que bastava à sua ambição, ou porque as grandezas não continuavam com igual rendimento, ou receioso de que com aquella fama se ajuntasse algum poder maior que o destruisse, se ausentou com os seus pelo matto dentro. para estes sortões, tendo minerado no dito riacho por uma collina que o terreno faz a distancia de um oitavo de legua, e neste tirou todo o ouro que levou, em que falou sempre com vivacidade; e duvidando eu do numero de arrobas, que nesta cidade e por este sertão tinha ouvido que elle tirara, entrei a averigual-a com maior exame, e assim vendo entre aquelles homens alguns de mais capacidade, e um delles confidente do dito Raposo, a quem comprava gados e mantimentos para a fabrica de seu trabalho, e por esta causa lhe permittia entrar nas suas lavras, o tirar dellas muita utilidade; e vendo tambem entre os paulistas alguns capazes e um mameluco do dito Raposo, o que pode escapar-lhe uma noite depois de se metter no sertão, por receiar o matasse; de cada um delles colhi, separadamente, o que deste Coronel Sebastião Raposo relato, que me persuado ser o mais verdadeiro, por serem estes os que melhor podiam sabel-o indagal-o os da sua companhia; e assim unanimemento concordaram em que o dito paulista levava seguramente quarenta arrobas de ouro; assim pela grandeza com que o tinha achado, como pelas borrachas e surrões em que o levava orçaram aquella quantia, e tambem, pelas cargas que lhe observarum quando se retirou, distinguindo-as das outras de mantimentos, pois sabem estes homens as traças e subtilezas das dos outros; e diziam que o dito Raposo nunca lhes confessara a quantia certa, e só dizia por diminutivos eu tenho aqui umas arorbinhas.
Depois de se pór a caminho em retirada para o sertão, deu busca aos seus, que lhe pareceu levariam algum ouro e lhes achou variavelmente muitas libras; a uns tres e cinco, a outros, seis e nove, e então é que lhe fagiu aquelle mameluco, por ser um dos mais culpados: logo so ausentou e se não soube o rumo que tomara por se metter no matto por picada nova que abrira, mas pouco depois, por alguns indios que o toparam, e sertanejos que por esse matto encontrou se soube que, reconcentrando-se por esses sertões, ia na volta do Maranhão; e quando cheguei àquelles districtos do rio de Contas havia mais de seis mezes que ele tinha partido, e corria la noticia delle ter chegado ao Piauhy onde depois o mataram."
(Miguel Pereira da Costa, — Do relatorio apresentado ao Vice-Rei Vasco Fernandes Cezar em 1721. — Pelo Mestre de Campo de Engenheiro).

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