Brincar com fogo/VI
Neste ponto da narrativa, qualquer outro que não prezasse a curiosidade da leitora, intercalaria um capítulo de considerações filosóficas, ou diria alguma coisa a respeito do namoro na antigüidade.
Eu não quero abusar da curiosidade da leitora. Minha obrigação é dizer que desenlace teve esta complicada situação.
As cartas foram, mas foram erradas; a de Lúcia foi entregue a Mariquinhas, e a de Mariquinhas a Lúcia.
Não tenho forças para pintar o desapontamento, a raiva, o desespero das duas moças, e muito menos os faniquitos que sobrevieram à crise, coisa indispensável em tal situação.
Se se achassem debaixo do mesmo teto é possível que o obituário fosse enriquecido com os nomes das duas belas moças. Felizmente cada uma delas estava em sua casa, pelo que tudo se passou menos tragicamente.
Os nomes que elas chamaram ao ingrato e pérfido gamenho, podiam escrever-se se houvesse papel suficiente. Os que elas disseram uma da outra orçavam pela mesma quantidade. Nisto gastaram os oito dias de prazo marcado por João dos Passos.
Notou este, logo na primeira noite, que nenhuma delas o esperou à janela conforme fora marcado. No dia seguinte sucedeu a mesma coisa.
João dos Passos indagou o que havia. Soube que as duas moças estavam incomodadas e de cama. Ainda assim não atinou com a causa, e limitou-se a mandar muitas lembranças, que os portadores aceitaram docilmente, apesar de terem ordem positivamente de não receberem nenhum recado mais. Há casos porém em que um portador de cartas desobedece; um deles é o caso de remuneração e foi esse o caso de João dos Passos.
No fim de oito dias ainda João dos Passos não tinha feito a sua escolha; mas o acaso, que governa a vida humana, quando a providência se cansa de a dirigir, trouxe à casa do petimetre uma prima da roça, cuja riqueza consistia em dois belos olhos e cinco excelentes prédios. João dos Passos era doido por olhos bonitos mas não desdenhava os prédios. Os prédios e os olhos da prima decidiram o nosso perplexo herói, que nunca mais voltou aos Cajueiros.
Lúcia e Mariquinhas casaram mais tarde, mas apesar da ingratidão de João dos Passos, e do tempo que decorreu, nunca mais se deram. Os esforços dos parentes foram baldados. Nenhuma delas seria capaz de casar em nenhuma hipótese com João dos Passos; e isto poderia levá-las a se estimarem como dantes. Não foi assim; tudo perdoaram, exceto a humilhação.