Cancioneiro de João de Lemos/Flores e Amores/A Madrugada
Ei-la trajando verdores,
A linda mãe dos amores.
Com seus volateis cantores
Pelos campos a folgar;
Ei-la folgando na mata,
Que nas aguas se retrata,
Nas aguas de liza prata,
Na prata do lizo mar.
Salve, rainha formosa,
Festeja-te o lyrio, a rosa,
Dos jardins a mariposa,
Do trovador a canção;
Festeja-te a pastorinha,
Que nas cores te adivinha
Um pensamento, que tinha,
Que tinha no coração.
D’aldêa o sino te chama,
E o moço, que deixa a cama
Porque vae ver a quem ama
Ao pé da encosta d’alem;
Suspiram-te sempre os montes,
Abraçam-te os horizontes,
Choram-te rios e fontes,
Nas fontes d’amor que teem.
Bemdiz-te o velho, e ensina
Á neta, que é pequenina,
Rezas sanctas da divina
Crença, que tem no Senhor;
Bemdiz-te o armento balando,
Do tumilho o cheiro brando,
E o pegureiro cantando,
Cantando magoas d’amor.
Vem, ó linda madrugada,
Vem de violetas c’roada,
Pelas brizas embalada,
Vem nestes campos folgar;
Folga nos céus e na mata,
Que nas aguas se retrata,
Nas aguas de lisa prata,
Na prata do liso mar.