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Carolina/IV

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Nesse magnífico dia de junho de 1852 em que Carolina na sua janela olhava para o céu e parecia murmurar uma oração à Virgem, dois jovens caminhavam conversando pela mesma rua.

— Pois é como te digo, dizia um deles, o amor cá para mim resume-se no gozo. Para que diabo tem um homem dinheiro, senão para pagar com ele os seus prazeres? Um homem rico é feliz, tem tudo quanto quer.

Nada inveja, nem mesmo o sultão, porque o dinheiro também pode comprar um serralho com cem mil mulheres, que todas juntas entoem um canto imenso de voluptuosidade e d’amor, cerquem um homem de carícias e encham o espaço com um concerto mágico de beijos e suspiros.

Isso é que é vida. Se a não posso ter assim, ao menos nunca me deixei arrastar por essas torrentes de sentimentalismo estúpido, de que tantos parvos têm morrido. Cá para mim, o amor é o prazer.

— Tens razão, Fernando, replicou o outro: de que serve dar um homem o seu amor puro e sincero a uma mulher, se ela depois escarnece dele?

Tens razão; o amor é o prazer.

— Ora Augusto! disse Fernando soltando uma gargalhada do mais revoltante cinismo: então tu também caíste na asneira de amar com muito respeito alguma virgem encapotada? Hein? aposto que ela te pagou bem!

— Fugiu com outro, a pérfida! disse ele, e seu rosto cobriu-se da palidez da morte.

— É porque entendia melhor da vida do que tu.

— Oh! Fernando, tu não sabes o que eu tenho sofrido! Era a primeira mulher que amava, a única, que tenho amado. Era tão linda! parecia um anjo. Não, não! não creio que aquela mulher me traísse; foi decerto uma fraqueza d’ instante.

— Histórias da vida! Ela aborreceu-se de ti e gostou doutro, eis o caso. Há quanto tempo foi?

— Há quatro anos.

— Há quatro anos e ainda tu pensas nisso! Se fosse há dois dias tinha alguma desculpa. É a primeira vez que tal vejo. Pois há mulher alguma que mereça as lágrimas dum homem? Há tantas!

— Mas eu amava-a!

— Ora amavas! Gostavas dela é que queres dizer. Pois bem, esquece-a; goza agora de vinte ao mesmo tempo e estás vingado nobremente.

— Sim, sim, quero vingar-me! bradou Augusto, e sobre seus lábios pairou um sorriso sinistro, diabólico!...

— Até que afinal! Filiei mais um campeão às minhas bandeiras. Dou-te os parabéns. Para essa vingança, à minha moda, tens quem te ajude, toca.

E estes dois homens, que deviam saldar entre si uma dívida terrível de sangue, apertaram as mãos como amigos!

— Sim, sim, quero vingar-me, continuou Augusto, hei-de perder tantas mulheres quantas as lágrimas que ela me fez verter.

— Bravo! bravo! isso é que se chama uma vingança sublime.

E assim conversando, tinham ambos chegado junto à escada do prédio onde morava Carolina.

— Oh! Augusto, para principiares a vingar-te, vamos aqui ao 4º andar.

— Não vou.

— Anda, vem! O Moreira disse-me que há aqui uma rapariga muito linda. Que diabo vais tu fazer agora ao passeio? Anda, vem.

E ambos subiram a escada, bateram ao 4º andar e entraram.

No corredor, sentiram o roçar dum vestido pelas paredes; um vulto de mulher apareceu a uma porta e fugiu de súbito.

Seguiram essa mulher e viram-na cair sobre um sofá com o rosto oculto entre as mãos, soluçando como uma criança.

Quando eles se aproximaram, a desgraçada ergueu-se e juntando as mãos para Augusto disse-lhe:

— Perdão! Perdão! Fernando é que me perdeu, e caiu sem sentidos!

— Carolina! exclamaram os dois mancebos ao mesmo tempo, recuando um passo.

E só então é que esses dois homens compreenderam o papel, que deviam representar nesse drama.

— Miserável! Foste tu! bradou Augusto lívido de cólera agarrando Fernando por um braço.

Este levou a mão ao peito, os olhos injetaram-se-lhe de sangue, sentiu vergarem-lhe as pernas e ferido por uma apoplexia fulminante caiu redondamente no chão. Na queda, roçou com a cabeça a orla do vestido de Carolina.

A justiça de Deus foi terrível!...O algoz expirou aos pés da vítima!