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Carta de guia de casados/Galantarias honestas

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XXXII


Galantarias honestas


Não se nega porém ao marido, que se possa mostrar galante com as damas, e senhoras, quando a ocasião fôr de galantaria ; porque esta obrigação é de bom sangue ; e como não seja viciosa, antes virtude, pelo menos política, não obriga contra ela o matrimónio. As próprias mulheres, se são generosas, folgam que seus maridos se mostrem cortesãos onde o devem ser.

Estavam os reis católicos para saír fóra, e a raínha à janela, viu passar o cavalo de el-rei, e que igualando-se com a sua égua, que já ali estava, não fizera nenhuma bizarria. Bradou donde estava a rainha ; e chamando o estribeiro-mór, lhe disse, que logo mandasse cortar as pernas a aquele cavalo, porque não levava gôsto que el-rei tornasse a subir nêle. E perguntando-lhe o estribeiro-mór que razão daria a el-rei de um tal feito, lhe respondeu : Porque pasó sin relinchar a una yegua tan hermosa como la mia ; y cavalo que es tan para poco, no hará cosa buena.

Estas galantarias do marido não podem ser recíprocas para a mulher, que tem muito menores licenças, sem ter alguma razão de queixa ; como acontece que uma cidade tem muito menor comarca que a outra, e nem por isso terá justiça para a pretender igual.

Não gabe a mulher a outro homem diante de seu marido, salvo daquelas cousas, que tidas, ou não tidas, vem a ser a mesma cousa.