Carta de guia de casados/Vantagens do casamentos

Wikisource, a biblioteca livre

I


Vantagem do casamento


Espantam-se os moços com o que ouvem dizer do casamento de ordinário aos mal casados, porque, senhor, há v. m. de saber, que muito mais certo é que o mantimento bom se converta no mau humor que em nós acha, do que converter o mau humor nessa sua bôa virtude. Parece-lhes aos moços intolerável a carga do matrimónio. É, senhor, pesadíssima para os que a não sabem levar ; para os que sabem, é ligeira. Uma arrôba de ferro ao ombro carrega um homem, que com o fácil artifício de duas rodas pode levar um quintal. Não excede o pêso do casamento nossas fôrças, falta-lhe as mais das vezes nossa prudência para que o sustente ; e daí vem que nos pareça grande.

¿ Quere v. m. vêr quam leve é a carga dêste modo de vida que toma ? meça-a com o pêso dessa outra vida que deixa.

Ponha, senhor N., em balança a inquietação passada, os perigos, os desgostos, a desordem dos afectos, aquele temer tudo, não fiar de nada, o queixume que dói, a vingança que arrisca, a ruim lei que desespera, os ciúmes que abrasam, os amores que consomem, a honra em ocasião, a saúde diminuida, a vida arriscada, e o que é mais, a vida sempre queixosa.

Ora alvíçaras, senhor N., que já lá vai tudo isto.

Em verdade, que quando o casamento não trouxera outro algum bem mais que livrar de tantos males, justamente merecia o nome de santa e doce vida.

Pois vejamos o que se lhe dá a um casado, a trôco dessa liberdade, que êles tanto alegam que deixam.

Dá se-lhe outra : entrega-se-lhe a mulher com a liberdade, com a vontade, com a fazenda, com o cuidado, com a obediência, com a vida, com a alma.

¿ Quem pesará o que deixa com o que recebe, que logo não conheça os ganhos desta troca ?