Cartas de Nietzsche/1884/V
Venice, início de maio de 1884
Tenho esperança que por agora, minha mais querida amiga, as duas últimas partes de Zaratustra estejam em suas mãos. (…) Quem sabe quantas gerações serão necessárias para produzir alguns homens plenamente capazes de apreciar o que fiz! Eu estou apavorado com o pensamento de que tipos desqualificados e completamente inadequados um dia irão recorrer à minha autoridade. Mas este é o tormento de todos os grandes mestres da humanidade: eles sabem que é grande a chance de sua maldição se tornar sua benção.
Farei o que puder para evitar ao menos os enganos mais grosseiros. Agora que construí este vestíbulo para minha filosofia, devo voltar ao trabalho e não descansar enquanto sua estrutura principal não estiver finalizada, antes que eu mesmo esteja.(…)
Mas esta solidão, desde a infância! Esta cautela, nas relações pessoais mais íntimas! Mesmo o carinho não pode mais me alcançar.
Em Nice, durante a visita da srta. Schirhofer, às vezes pensei em ti com genuína gratidão, porque percebi que você queria ser afável. Na verdade, foi uma visita em boa hora, uma visita agradável e produtiva (especialmente porque nenhuma interferência tola estava presente – me refiro à minha irmã). Mas eu basicamente acredito que ninguém pode ajudar em relação ao meu profundo sentimento de ser só. Nunca pude achar alguém que eu pudesse falar como falo a mim mesmo. – Perdoe-me por uma confissão dessas, minha reverenciada amiga! (…)
Eu estou bravo comigo mesmo pela carta desumana que lhe mandei no último verão; aquele tumulto inexprimivelmente asqueroso me deixou completamente doente. Neste meio tempo a situação mudou: rompi com minha irmã completamente. Pelo amor de Deus, não tente interceder nisso, entre uma tola anti-semita vingativa e eu não pode haver reconciliação. De qualquer forma, estou sendo o mais tolerante que posso, uma vez que conheço o que pode ser dito em defesa da minha irmã, e o que está por trás do seu comportamento abusivo e vergonhoso em relação a mim: – amor. É absolutamente necessário que ela parta de barco para o Paraguai o quanto antes. Depois, bem depois, ela vai perceber a extensão do dano que fez a mim durante o período mais decisivo de minha vida, com suas incessantes insinuações de mente suja sobre minha pessoa (o negócio se estendeu por dois anos!). Eu também fui deixado com o acabrunhante dever de dar alguma compensação para o Dr. Rée e a srta. Salomé pelo que minha irmã fez. (…) Ela é desprovida totalmente de discernimento psicológico. (…)