Cartas de Nietzsche/1887/V
Nice, 02 de Dezembro de 1887
Estimado senhor,
[...] Na minha escala de experiências e eventos os mais raros, distantes e puros predominam sobre os medianos. Eu também tenho, (para falar como músico, que de fato sou) um ouvido apurado para os quarto tons. Finalmente - e não tenha dúvida que é isto acima de tudo que torna meus livros tão obscuros - eu tenho desconfiança da dialética, e mesmo das razões. Que um homem esteja ou não pronto a chamar algo de verdadeiro parece para mim depender do nível de sua coragem. (Somente raramente eu tenho coragem de afirmar o que sei atualmente)
Sua expressão "radicalismo aristocrático" é muito apropriada. É, se me permite dizer, de longe a coisa mais perspicaz que já disseram sobre mim.[...]
Você é músico? Neste momento mesmo um trabalho meu para chorus e orquestra está em cartaz. De todas as minhas composições musicais, esta é a que pretendo que sobreviva e seja cantada um dia em "minha memória", considerando, é claro, que é o resto de mim sobreviva. Você está vendo que esses pensamentos póstumos ocupam minha mente. Mas um filósofo como eu é como uma tumba, selado parante a vida. Bene vixit qui bene latuit ["Bem viveu quem bem se escondeu" - Horácio] - isto era o que estava escrito na lápide de Descartes. Um epitáfio, se é que houve um!
[...] Eu desisti de meu cargo de professor. Estou quase cego.