Cartilha Maternal
Les mères et les institucteurs, voilà |
62, Rua da Cancella Velha, 62
Este systema funda-se na lingua viva. Não apresenta os seis ou oito abecedarios do costume, senão um, do typo mais frequente, e não todo mas por partes, indo logo combinando esses elementos conhecidos em palavras que se digam, que se ouçam, que se intendam, que se expliquem; de modo que, em vez do principiante apurar a paciencia numa repetição banal, se familiarisa com as letras e os seus valores na leitura animada de palavras intelligiveis.
Assim ficamos livres do syllabario, em cuja interminavel serie de combinações mecanicas não ha penetrar uma idéa!
Esses longos exercicios de pura intuição visual constituem uma violencia, uma amputação moral contraria á natureza. Seis mezes, um anno e mais de vozes sem sentido basta para imprimir num espirito nascente o sello do idiotismo.
Porque razão observamos nós a cada passo nos filhos da indigencia meramente abandonados á escola da vida uma irradiação moral, uma viveza rara nos martyres do ensino primario?
Ás mães, que do coração professam a religião da adoravel innocencia e até por instincto sabem que em cerebros tão tenros e mimosos todo o cansaço e violencia póde deixar vestigios indeleveis, offerecemos neste systema profundamente prático o meio de evitar a seus filhos o flagello da cartilha tradicional.
Consistindo a leitura na combinação das letras, basta ir aprendendo as letras que se podem ir combinando; o mais é confusão; e não podendo haver combinação sem vogal, comecemos pelas vogaes (deixando de fóra o ypsilon para não surprender logo no principio o alumno com duas letras que se leem do mesmo modo, tendo diverso nome e fórma). Chamemos essas letras pelos seus nomes, á, é, í, ó, ú, que depois iremos determinando os seus diversos valores.
Estas letras aprendem-se facilmente: representando a quinta parte do abecedario quanto ao numero, estão fóra de representar a vigesima, quanto aos embaraços; porque são homogeneas, todas se pronunciam com a bôca aberta, e filiam-se naturalmente na voz e na memoria. É por isso tambem que apresentamos todas cinco duma vez.
Ora a verdadeira palavra do homem é a palavra escrita, porque só ella é immortal. Mas emquanto o ensino da palavra fallada é o encanto de mães e filhos, o ensino da palavra escrita é o tormento de mestres e discipulos. Extranha diversidade em coisas tão irmãs!
Deus na sua providencia não o podia determinar assim. Ha-de haver meio facillimo, grato, universalmente accessivel, de espalhar essa arte, ou antes faculdade, sem a qual o homem não passa de um selvagem.
Esse meio ou esse methodo não póde ser essencialmente differente do methodo encantador pelo qual as mães nos ensinam a fallar, que é fallando, ensinando-nos palavras vivas, que entreteem o espirito, e não letras e syllabas mortas, como fazem os mestres. Pois apressemo-nos tambem nós a ensinar palavras; e acharemos a mesma amenidade.
Com aquellas cinco letras já se podem formar quatro palavras muito usuaes, e que por uma feliz coincidencia se pronunciam todas do mesmo modo, isto é, carregando na inicial.
Lede-as, e nunca soletreis; que mal sabeis como a soletração confunde o principiante (quando lhe não deprava o raciocinio com sommas falsas). Lede-as acompanhando fielmente com o ponteiro a letra que estais pronunciando; e vereis a facilidade, o gosto e a admiração com que a criança vos segue e vos imita, reconhecendo em sua consciencia a palavra retratada no papel.
Convem deixar estabelecida nesta lição, a proposito da ultima palavra ia, a regra que o a no fim vale â (a fechado, igual ao que tantas vezes no dia pronunciamos separadamente: a casa, a mesa, etc.), regra que podemos figurar da fórma seguinte:
Mas em portuguez as vogaes são quasi tantas como todas as consoantes juntas. Por isso antes de passar a lêr, podeis lisongear o alumno mostrando-lhe em qualquer livro ou pagina de boa letra o muito que elle já sabe. E nesta mesma distracção o acabais de confirmar nesses cinco elementos que são a alma da escrita e da leitura.
Iniciámos no mecanismo da escrita o principiante com grande e justa maravilha sua. Elle percebeu, sentiu mais ou menos lucidamente o engenho do homem, que estudando os sons de que as palavras se compõem, inventou para cada som um signal, e depois, conforme a palavra consta de taes ou taes sons, assim na escrita põe taes ou taes signaes!
Mas aqui vem a proposito admirar como esta arte fundada numa base tão singela tenha sido o martyrio de tantos innocentes e passe ainda na opinião das multidões por uma sciencia ardua!
É verdade que tal correspondencia não é perfeita; mas essa imperfeição pouco embaraça os filhos do paiz sendo bem dirigidos. A criança, acostumada a ler palavras, não lê por exemplo tódo nem môdo; lê tôdo e módo, como tem dito e ouvido dizer. Assim tambem acha o valor das consoantes caprichosas.
Vamos agora combinar com as vogaes uma das consoantes mais perfeitas que é o v; porém não lhe haveis de chamar ú-consoante, que é uma falsidade, e vai desmentir todas as combinações. Chamai-lhe, como se usa modernamente, vê, ou ainda melhor, e por ora, chamai-lhe o que elle vale, simplesmente v... pronunciando sem despegar o beiço inferior dos dentes de cima, sem vogal, sem voz, o simples sopro aspero e sonoro.
Ensinai a proferil-o; e depois não tendes mais que ir apontando na palavra successivamente as letras que ides lendo, demorando-vos na pronuncia de cada uma o tempo que quizerdes, porque essa consoante é tão prolongavel como as vogaes.
v
vá vai vi via viu vivi vivia viveu viva uva viuva |
Cada um tem as suas traças de facilitar o ensino, e ajudar o principiante nas difficuldades. Nós temos achado util cobrir e descobrir alternativamente o v nas palavras vai, via, etc, fazendo ler ora ai, ora vai e assim o mais, a fim de certificar o principiante do papel que o v representa na escrita.
Deste ou doutro modo estamos que vos não enfastiou a lição passada, onde pela primeira vez combinámos vogaes e consoantes. Mas que differença haverá entre vogal e consoante, e porque iriamos nós ao fim do abecedario buscar o v para esse primeiro exercicio?
Quando dizemos á, soltamos essa voz da garganta; mas se dissermos má, soltamos essa voz, despegando os labios; e se dissermos mal, despegamos os labios ao soltal-a e no fim damos com a lingua no ceu da bôca.
Donde se vê que as palavras se compõem de vozes e tambem duns modos de começar ou acabar a voz.
As vozes pertencem á garganta, e representam-se nas vogaes; os modos pertencem aos orgãos mudos, como labios, dentes, lingua etc., e representam-se nas outras letras.
Vai uma grande differença da voz, ao modo de começar ou acabar a voz; vai portanto uma grande differença de vogal a consoante.
Mas esses modos, uns consistem num toque ou despego rapido, num simples movimento, numa funcção instantanea que se póde repetir, mas que se não póde prolongar, como succede nas seguintes palavras:
bocado | golilha | maninho | preto |
(bqd, | gl lh, | mn nh, | pr t). |
Outros consistem numa disposição em que a gente póde insistir o tempo que quizer, como nas seguintes palavras:
favo | siso | chá jarro |
f...v... | ç...z... | x...j...rr... |
Ora quando a voz é modificada com aquelles modos instantaneos, de sua natureza improlongaveis, a voz e o modo constituem para o principiante uma somma difficil de reduzir aos seus elementos, e portanto confusa: pelo contrario quando o modo é prolongavel, o principiante demora-se na voz ou no modo o tempo que lhe apraz sem falsear a syllaba, sem desfigurar a palavra; e o papel que a consoante representa na escrita é evidente e distincto. por exemplo, contando os pontos por momentos, podemos levar cinco momentos a pronunciar, v.....á, ouvindo-se afinal perfeitamente vá. O mesmo não acontece em dá, cá, pá, lá, etc.
Logo, por onde haviamos nós de começar, pelas consoantes contínuas ou pelas consoantes instantaneas? É claro que pelas consoantes contínuas, prolongaveis, que deixam ao principiante apreciar melhor os elementos da syllaba.
Ora, dessas consoantes a menos equivoca, ou antes, a inequivoca, a unica que não tem equivalentes, a mais perfeita em summa, é o v: começámos pelo v.
Mas em que consiste o v, como se pronuncia o v?
Nós, mesmo com a bôca fechada, podemos fazer uma especie de gemido, respirando pelo nariz; mas se, em logar de respirar pelo nariz, fazendo esse gemido, respiramos por entre o labio inferior unido aos dentes de cima, pronunciamos v...
Este som depende do folego emittido com certa força; sem essa força, emittindo o simples folego e conservando a mesma posição de labio e dentes, em logar de v... pronunciamos f...
Ora havendo tanta analogia entre estes dois elementos, sendo o f um v abafado, soprado, silencioso, passemos do v ao f.
f
fé fui fia fiava afia afiava fava |
Os modos de começar e acabar a voz chamam-se ordinariamente inflexões e articulações, por serem como uns eixos, umas juntas da voz que lhe dão contorno e melodia. A palavra lampada, por exemplo, é muito airosa; mas tirando-lhe a parte que nella tomam a lingua, os beiços e os dentes reduz-se a um vozeio de mudo, monotono e desengraçado: ãââ.
Donde se vê que a voz é como a perola que realça no engaste; e que as inflexões, intermeando e recortando a voz, apezar da sua obscuridade não são menos preciosas na palavra que as proprias vozes. Só a voz se canta, só a voz se alteia e expande, segundo o folego e garganta de cada um, a ponto de encher um templo, de retumbar no valle do alto da montanha; pelo contrario as inflexões a poucos passos de distancia somem-se: todavia uma lingua só de vozes seria uma lingua barbara.
Ora nós já sabemos que as inflexões na escrita se representam pelas consoantes; mas em logar de haver tantas consoantes como inflexões, correspondendo a cada inflexão a sua consoante, não succede assim.
Vejamos as inflexões contínuas de quantos modos se escrevem:
f... | (fé afflição phoca) | f ff ph |
v... | (vai) | v |
ç... | (suisso ceo aço maximo) | s ss c ç x |
z... | (aza uso existe) | z s x |
x... | (eixo chega ais faz) | x ch s z |
j... | (ja geme osga) | j g s |
rr... | (rua erro rhetorica) | r rr rh |
Achareis, para representar as sete inflexões continuas, vinte e duas formas que, descontando repetições, se reduzem a dezeseis; mas, destas dezeseis, sete teem diversos valores, a saber:
s | c seu z uso x triste j tisna |
x | ch eixo z existe ç proximo kç sexo |
c | ç ceo k cai ... acto |
g | gelo agua |
ch | x chefe k chimica |
z | z zelo x fiz |
r | era raio |
Ora destas formas de valor incerto nenhuma convinha para os primeiros exercicios. Das outras, uma tem valor certo e exclusivo, que é v: as mais não teem valor exclusivo mas teem valor certo, que são f, ff, ph, ç, ss, j, rr, rh; mas embora tenham valor certo, as compostas não seria bom methodo antecipar ás simples; ç é uma letra anomala; ff comprehende-se em f. Isto tudo supposto restam v f j.
Começámos pela mais perfeita, v, que maiuscula ou minuscula conserva a mesma forma, nunca se annulla dobrando-se debalde ou escrevendo-se por amor da etymologia, tem sempre o mesmo valor e só ella tem esse valor, presta-se com as vogaes a muitas combinações familiares, e representa uma inflexão gemida, isto é, duplamente apreciavel ao ouvido do principiante pela continuidade e pela intensidade.
Do v passámos ao f, pela analogia da pronuncia. Passamos agora ao j.
Os antigos punham o valor da letra no primeiro elemento do nome que lhe davam; razoavel systema de designações principalmente para as consoantes instantaneas, que mal se podem proferir em separado sem lhes exagerar o valor. Jota e xiz são os nomes que temos n'esse genero (preferiveis a éfe éle, etc. onde a inflexão vem encravada em duas vozes dum modo obscuro); mas taes nomes constituem excepção, e impõem a necessidade de fazer distincção entre o nome e o valor, o que o alumno embora perceba facilmente, não deixa por isso de se embaraçar na prática, porque lhe occorrem as duas cousas, nome e valor. Aquellas designações antigas fundadas numa base até certo ponto filosofica, eram nomes geralmente compostos, verdadeiros nomes, com toda a melodia da lingua, sem aquella simplicidade d'algumas denominações nossas como bê, dê; por isso peores de conciliar com a soletração. Ao d, por exemplo, chamavam daleth, ao a aleph, ao l lamed. Em quantos annos chegaria o desgraçado alumno a soletrar (claro está, inconscientemente, de memoria, á força de repetições sem conto) daleth aleph lamed, dal?!
(daleth
aleph
lamed,
Somma... dal)
Em cinco e seis annos como ainda hoje a infancia israelita; com manifesto prejuizo da sua educação logica.
Mas seria mais irracional essa soletração que por exemplo a nossa cê á, ká? Não! ao menos alli, dada a chave do enigma, descoberto o segredo, achavam-se as parcellas da somma, os elementos da syllaba á frente dos tres nomes das letras. Em cê á, ká, é impossivel perceber donde veio k, a inflexão guttural que soa na syllaba ká.
Todavia ensina-se assim a ler! Não ensinemos nós a ler assim. Chamemos ao jota j...
j
já fuja veja viaja viajava |
A leitura, nestas palavras de vogaes e consoantes contínuas, é tão clara, funda-se em elementos tão distinctos, estão os seus passos por assim dizer tão bem marcados, a syllaba constitue sempre uma somma tão evidente, que o principiante, compenetrado da base do systema orthografico e talvez até exagerando a simplicidade da arte, deve-se a estas horas achar disposto a receber as outras consoantes, combinando-as com o mesmo conhecimento de causa.
A experiencia abona esta supposição. É notavel a facilidade e consciencia com que o alumno, em tão poucas lições, começa a ler as syllabas compostas de elementos confusos e quasi inseparaveis.
Mas que ordem havemos de seguir na combinação dos novos elementos? Assim como na lição passada buscámos as formas pelas inflexões, vejamos de quantas formas se escrevem as doze inflexões instantaneas da nossa lingua (que foi nossa intenção mnemonisar nas palavras bocado golilha maninho preto; bkd, gl lh, mn nh, pr t):
Contando achareis, para representar as doze inflexões instantaneas da nossa lingua, vinte e duas formas (não escogitando muito, pois por exemplo, gu para representar g guttural bem se podia considerar uma nova forma). Destas formas já conheciamos por incertas c, ch, g, r; e conhecemos agora como taes m, n: ora primeiro se hão de apresentar as certas. As formas lh, nh, dh, th são compostas; e primeiro se hão de apresentar as simples. Tiradas incertas e compostas, restam certas mas dobres, isto é, que ás vezes se dobram inutilmente b, d, l, p, t; certas e simples, isto é, que nunca se dobram k, q.
Por aqui haviamos de começar, se com o q não se annullasse muitas vezes o u, o que é absurdo; e se tivessemos palavra usual onde apresentar o k sem dependencia de letra desconhecida; mas só temos kilo, onde entra l que, portanto, ha de vir antes.
Mas b, d, p é o mesmo caracter invertido; approximemol-as: d, t, são irmãs na pronuncia.
Disto resulta que podemos ter por boa ordem a seguinte: t, d, b, p, l, k, etc.
Vamos ao t. Explicai, se quizerdes, a sua pronuncia ou simplesmente lêde-o na syllaba: o alumno vos seguirá.
t
tu teu tua tia ata atava fita fatia fatiota |
Quando agrupámos as inflexões contínuas de duas em duas (f...v..., c...z..., x...j...), quizemos indicar o parentesco de cada par; isto é, que a primeira se pronuncía como a segunda, na mesma disposição de orgãos, com a differença que na primeira ha só folego e na segunda ha essa meia voz a que chamámos gemido.
O j é um x mais forte, um x gemido, vozeado.
Mas ahi bem se explica a differença. Agora as inflexões t e d são mais do que parentas, são irmãs. Por isso do t passamos naturalmente ao d.
d
dia dó doi dá deu dada dava deva vida duvída ida idiota judia judeu ajuda fiada afiada |
O leitor havia de notar na lição passada a palavra duvída com accento. Nós temos aos signaes prosodicos uma especie de aversão, chegando os nossos mais esmerados escritores a não accentuarem muitas vezes até as palavras equívocas. Mas esse é o facto. Em theoria ninguem sustenta esse exagero. Donde se segue que podemos, e devemos, por exemplo, escrever sempre duvída ou dúvida, e nunca simplesmente duvida.
O principio de accentuar só as palavras equívocas é bambo. Tudo é equívoco para quem não sabe. Nada mais equívoco para um extrangeiro, que as tres primeiras vogaes de cama casa e cada, identicas na escrita, diversas na pronuncia (ã, á, â). Todavia nunca se accentuaram. Mas sendo essa a prática constante, não se devem dar a ler escritas doutro modo. Porém as palavras equívocas alguns accentuam-nas systematicamente, e muitos, embora sem especial cuidado, teem occasião de as differençar na escrita. Queremos dizer com isto que rejeitando e reprovando nas cartilhas uma accentuação artificial armada a facilitar a leitura, iremos empregando os devidos signaes nas palavras duvidosas, conforme a razão e os bons exemplos.
É inadmissivel a doutrina de escrever as palavras de maneira que, em separado, os mesmos portuguezes não saibam o que ellas são.
Mas, voltando ao nosso caminho, vamos ao b, que se profere despegando os labios, como p, m; e por isso chamam, a estas letras e inflexões, labiaes.
b
boi boa aba baba beba bata batia bateu batida bota batata abata abatia abatida abafa abafava abafada |
Na lição passada figurava em boi e boa a letra o com um valor diverso do que se infere de seu nome. É tempo de admittir essa novidade.
Nós temos julgado inutil dizer que o criterio fundamental da nossa prosodia é—-ler como se diz: criterio sofistico, que não resiste á analyse mas que felizmente a criança na sua simplicidade admitte de boamente. A criança folga de rectificar uma leitura fundada no rigor dos dados, pelo que ouve e costuma dizer. Um certo instincto prático, um sentimento de utilidade a leva a achar muito bem fundado aquelle dictame futil. Bói não se diz; bói não é nada, gostosamente corrige e diz bôi.
E o caso é que emquanto outros, acostumados a syllabas vãs, naturalmente estropeiam as palavras mais logicamente escritas; o nosso alumno mettido naquelle caminho prático, e habituado a intender sempre o que lê, tende naturalmente a dar sentido e alma ás combinações da orthografia mais duvidosa, achando uma palavra corrente.
Nós reservamos lições especiaes para as grandes variações de valor nas vogaes; mas ó e ô não differem dum modo muito extranho.
Isto posto passemos ao p que é irmão de b no valor, e tambem se póde dizer que na figura.
p
pai pá pó pé pua pia pipa papa papava papada peta pata patada pita pitada topa tapa tapava tapada |
Alguns chamam, ao e de saude, mudo. Antes o chamem que o façam, pois se o fazem não fallam portuguez. O u em guerra é mudo, e na maxima parte das palavras onde se escreve gue, gui, que, qui: e ainda n'outros casos como havemos de ver. Porem a vogal e representa sempre voz; e não ha vozes mudas. Deviam-lhe chamar e grave, que é já frase recebida, significando baixo, não agudo, que não soa alto, que não soa muito.
Isto supposto, as inflexões instantaneas por onde acabam palavras portuguezas são l, n, r: exemplo, tal, talisman, ter. Estas inflexões, parece que todas se proferem despegando a lingua do céo da bôca: porem, na sua qualidade de instantaneas não teem som proprio, e por isso, vindo no fim, se despegarmos a lingua durante a emissão da voz, em vez de ter, diremos tere; em vez de tal, tale, etc.: o que é vicioso.
Ora assim como saud' não é portuguez, tambem o não são taes palavras acabando em e grave, que a consoante não representa nem a inflexão póde comprehender.
A respeito do l, uma indicação podeis fazer muito clara e proficua, ao vosso alumno, e é que deixe a lingua pegada ao céo da bôca. Por um dos muitos mysterios da palavra, assim se profere elegantemente o l final, ou posterior á voz.
Não temos apresentado letras dobradas por falta de occasião; não, por systema. É um facto de observação que o principiante não se embaraça com isso, como ides ver.
l
li lia leu lua luva loja luta labuta bitola bola bella falla fivella lá ólá alli vil fel fiel tal fatal faval paúl papel alva alta falta volta polpa apalpa apalpadella |
Estas notas são escritas ao correr da impressão; e, recebendo agora do Porto a primeira folha (que em Lisboa nem de graça, como chegámos a offerecer a um editor notavel, demais a mais poeta e prosador, conseguimos a publicação desta curiosidade) vemos nessa folha que na segunda lição, onde se trata da combinação do v com as vogaes, dissemos que vos podieis demorar na leitura de cada letra sem distincção, por serem todas igualmente prolongaveis. Assim é: mas esqueceu-nos advertir que haja cuidado em não separar a inflexão da voz; senão, basta a minima pausa para terdes de as ajuntar depois, o que vem a dar na mesma que soletrar. A advertencia era por ventura escusada.
No ensino individual, que é só onde temos experimentado este systema, com os resultados previstos (em lições manuscritas imitando letra redonda) costumamo-nos collocar a um canto da mesa, mais o alumno, elle dum lado á esquerda e nós do outro; pomos-lhe a lição diante convenientemente; e emquanto, nas primeiras quatro lições, percorremos com o ponteiro pela parte de cima as letras da palavra, imol-as simultaneamente pronunciando. Ora como do intervallo das letras naturalmente se abstrahe, nem esse intervallo é apreciavel na marcha do ponteiro, a palavra afigura-se aos olhos do principiante como uma pequena escala, cujas notas se vibram na sua ordem natural.
E o que é a leitura senão a pronúncia successiva dos elementos simples ou compostos, certos ou incertos da palavra escrita? Por isso é que a leitura é a verdadeira soletração; porque só na leitura se dá aos caracteres o seu justo valor.
Ha duas soletrações, a antiga e a moderna. A soletração antiga vai chamando as letras pelos seus nomes, para apresentar depois, não a somma desses nomes, mas a somma dos valores dessas letras. Esta soletração é absurda, e desmoralisa o raciocinio do principiante. Como quereis vós que uma alminha, ainda com aquella luz tão pura que traz de Deus, entenda que cê, agá, á, junto, sommado, é xá?!
Isto será ensinar a ler, mas é ao mesmo tempo embrutecer. Ora mil vezes antes analfabeto que idiota.
Porem esta soletração, que aliás reina em Portugal e seus dominios, está condemnada. A outra, a soletração moderna que procede por valores, é incomparavelmente superior; mas ou é inexequivel ou escusada.
Modernamente, como se soletra chá? Deste modo: x', á, xá. Mas se o alumno sabe, pelo conhecimento das regras ou por intuição, o valor hypotetico de ch, lê igualmente xá; e se não sabe, não pode soletrar á moderna. É claro.
Daqui resulta que a soletração é a leitura. Ensinemos as regras; e a pratica fará o resto.
Segue-se o k, pela ordem estabelecida; e como só o podemos apresentar em kilo, aproveitemos a occasião de exercitar o principiante no o final, ensinando-lhe que o o no fim vale u. Explicai-lhe o symbolo, se vos parecer: a curva ondeada indica as mais letras da palavra acabada em o, que faltam; as duas parallelas querem dizer vale.
k
kilo |
~~~o = u
vivo viuvo viajo vejo fujo favo fato ato bato bafo abafo bafio abalo fallo luto lado lido pato pavio pulo papalvo baldo baldio bolo lobo lodo ovo tolo tòldo |
Não tinhamos outra palavra conveniente senão kilo, onde apresentassemos o k, por ser esta consoante tão perfeita como rara.
Os gregos tinham uma inflexão irmã da que representa em portuguez o k, mas aspirada; e figuravam-na por certa letra bastante similhante ao k, e ainda mais similhante ao x.
Os romanos não tinham essa letra; e, como para elle c valia q, ajuntaram-lhe h para significar aspiração, e nas palavras gregas de origem, onde havia aquella inflexão guttural, escreviam ch com justificado motivo.
Mas isso, elles; nós só por imitação servil fazemos o mesmo; porque para nós nem o c vale q, e sim diversas inflexões; nem o h significa aspiração, que não ha em portuguez; nem ch tem valor definido. Quanto mais que em pontos de orthografia grega mais nos devia importar o grego que o latim; e se ha maneira de falsear aquella excellente orthografia é escrever dois caracteres representando um valor.
Donde resulta que em taes casos mais logica o etymologicamente se devera escrever k. Todavia, recebendo esta letra na adopção do systema metrico uma especie de cunho official, nem as graças do poder lhe valeram a benevolencia dos sabios: continúa em kilo (significando mil) a ter curso forçado; mas já em chylo (succo de alimentos digeridos) insistem os sabios a escrever ch, tendo a palavra igual origem e identica pronuncia.
É uma especie de antipathia, áquelle excellente caracter, que não se póde attribuir ás suas quatro pernas. A mesma França, que toda se empenha em disfarçar no apparato scientifico os absurdos da sua orthografia, expulsa o k de palavras a que elle pertencia par droit de naissance; reserva-o para os termos arabes; e nos proprios de origem grega escreve ch valendo, note-se, ora k ora x. Primores da coherencia etymologica!
Mas o alumno espera-nos. Ao k seguia-se o q segundo o nosso plano; mas já sabemos que esta consoante, embora certa, offerece circumstancias absurdas: servirá pois de introducção ás consoantes incertas; e vamos entretanto a outras regras sem excepção, em respeito a vogaes.
Ensinámos na lição passada que o final vale u. Ensinemos agora que ou vale ô.
Nas provincias do norte diz-se amôu, comprôu; mas em Coimbra, Lisboa e no mais Portugal não se profere tal ditongo. Escreve-se ou, mas o u é mudo, e o o soa como em avô.
Este é o facto e, por consequencia, a lei fundada, não diremos na melodia que é relativa, porem no uso mais autorisado e aliás mais vasto.
Com isto não queremos dizer que em tal ou tal logar, onde reine sem contradicção aquella variante, o professor se empenhe em arrancar aos seus discipulos talvez um hábito invencivel. A toada é singularmente ingrata a ouvidos estranhos e illegítima; porém não é essencial que os filhos do povo fallem classicamente; o essencial é fazel-os quebrar o circulo da animalidade e dar-lhes, por meio da leitura e da escrita, o horisonte infinito do homem. Em parte onde convier, exercitai-os no ditongo.
ou = ô
avô vou aviou viuvou viajou dou atou fiou babou piou papou apupou tapou pulou fallou alliviou abafou ouvi ouvia ouviu ouvido louva louvo louvou poupa poupo poupou |
Já na lição passada nos referimos ao ditongo ou, usado nas provincias do norte, e que bem se póde ter por vicioso. Agora diremos que nas provincias do sul cerceiam o delicado ditongo ei, dizendo em logar de lêi lêito dêi dêitêi, simples e desengraçadamente lê lêto dê dêtê. Tambem é vulgar nestas provincias mé pai, té primo; e não menos, jantí andí cantí, em vez de meu pai, teu primo, jantêi andêi cantêi.
Não imaginamos circumstancias que recommendem ao mestre contemplação alguma com essas crassas deturpações da lingua. Os mais rudes acceitam a emenda sem escandalo, e sem surpreza, lembrados duma ou outra pessoa culta que tem ouvido.
Mas voltando ao êi, objecto especial desta lição, bom é notar que esse ditongo nem sempre é expresso, mormente na orthografia antiga. Os antigos escreviam regularmente têa fêo cêa recêo: os modernos escrevem geralmente mais conforme a pronuncia. Seja como fôr, o estylo da lingua não admitte o ditongo êo êa; e em taes casos, esteja o i expresso ou não, ha de se ouvir o ditongo êi antes da voz final.
A razão popular, ainda mais que as academias, tende sempre a racionalisar a orthografia ajustando-a com a falla; e por isso, como já indicámos, hoje o mais ordinario é escrever-se feio receio teia aldeia. E ainda bem. Mas o que parece equívoco da parte dalguns autores é escreverem, por exemplo grangeiar receiar, porque em certas vozes (do presente do indicativo, imperativo e conjuntivo) de similhantes verbos soa êi. Sempre ouvimos dizer cêio e recêio; mas ainda não ouvimos dizer cêiêi e recêiêi. O i, que o estylo da lingua insinua naquellas vozes, é um accidente do verbo e não o mesmo verbo na sua forma primitiva. Se as alterações que soffrem as vogaes durante a conjugação dos verbos devessem figurar no infinito, não havia modo de os escrever. Escrever, por exemplo; segundo e, grave; escrevo, segundo e, agudo: velar, e, grave; velo, e, aberto; vele, e, agudo (o mesmo da primeira syllaba).
E sem fallarmos nos casos em que até as consoantes variam, como nos verbos acabados em gar e car, aqui se mostra que a lingua portugueza não guarda nos derivados a prosodia radical, por outra, que não é uma lingua etymologica, como era a latina: assim como não é uma lingua metrica, com syllabas longas e breves, como o latim; e assim como não é uma lingua declinavel, com sete, oito, nove, dez e mais formas do mesmo nome, pronome ou adjectivo, como havia no latim. Ora não sabemos que traços mais profundos de divergencia pode separar uma lingua de outra. Em que se fundam pois os argumentos de analogia com que o pedantismo nos tem sempre querido impor a orthografia latina? Bem fez a Hispanha que importando-lhe mais os seus grandes interesses, do que os embaraços do filologo em descobrir a origem e significação de Cristo escrito sem h, tem hoje a mais perfeita orthografia do mundo. E nisso se podem fundar boas esperanças da enorme civilisação que espera aquelle generoso povo, tantos seculos á espessa sombra da monarchia.
ei = êi
dê lê dei lei atei papei lavei abalei feita feito feitio deito deitou deitei babei beija beijo beijou beijei dei-a dei-o veia veio feia feio leia leio peia teia |
Não tratamos aqui dos valores da letra e.
Tratamos das vozes similhantes que essa letra representa; que são quatro: e agudo, que se exprime no proprio nome dessa vogal, é; fechado, de que fallámos na lição antecedente, dê, dêi; aberto, que não tendo signal especial em portuguez, muitas vezes figura com o mesmo agudo, por exemplo, bello, pés: e ha um outro, de todos o menos parecido com o agudo ou nome da letra, chamado grave, do qual já tivemos occasião de fallar.
Este e, que mal podemos declarar por escrito, mas que o ouvido distingue perfeitamente, é frequentissimo no principio, no meio e no fim de palavras; mas tambem frequentemente mal proferido, e até supprimido, mormente no fim.
Pondo nisso especial cuidado; não deixeis o vosso discipulo dizer fal' em logar de falle, assim como lhe não deixeis dizer vile em logar de vil, papele em logar de papel, etc. Basta contar as syllabas, e não o deixar fazer, de duas, uma; e de uma, duas.
Ha numa linguagem viciosa não sabemos que mostras de má educação ou de rudeza. Devemo'-nos empenhar o mais possivel em aperfeiçoar o estylo dos nossos discipulos.
E voltando ao e aberto, que não tem signal especial, cumpre notar que se encontra nos classicos, muitas vezes, esse e com um accento opposto ao agudo, desta fórma: prègar, prègador (palavras que precisavam de especificação, pois ha tambem em portuguez, com e grave, pregar e o derivado pregador). Não o applicavam os autores, ou pelo menos os typografos, systematicamente; como faziam a todos os demais signaes; porem os modernos, em vez de o aproveitar convenientemente, aboliram-no. D'ahi resulta escrever-se pé e pés, sé e céo, com uma orthografia excellente para enganar quem lê.
Não se póde confundir o e de pes, plural de pé, com o de péz, cerol (ou de pé, que é o mesmo): tambem se não póde confundir com o de pê (nome vulgar da letra p); e muito menos com o e grave.
Temos portanto, não fallando no grave, tres especies de ee bem accentuados na pronuncia (pès, pé, pê), que de facto se querem accentuar na escrita; mas, empregando-se nesse intento apenas dois signaes, por força algum e se havia de confundir com outro.
E assim succede. Quando o autor receia que leiam zelo (verbo), escreve zélo; e quando receia que leiam zelo (nome), escreve zélo: escreve sempre o mesmo. E como havia elle de escrever melhor? Escrevendo zêlo (nome) e zélo (verbo)? Errava em ambos os casos; no primeiro, onde não soa o e de pê; e no segundo, onde não soa o e de pé. Tomando a responsabilidade daquella apparente innovação indo aos antigos buscar um signal desusado? É claramente o melhor recurso. Mas vamos ao nosso e grave, que é o que mais nos importa.
~~~e
ave vive tive ate ajude tape tope pote póde poude bule bole bote bate bode bofe bife folle falle lave volte falte apalpe pelle pede pedi pediu pellei pellou velei velou levou dedal |
Ao k segue-se a sua irmã na pronuncia e última das consoantes certas, o q: mas com esta já principiam as grandes inexactidões na escrita e os equivocos faceis na leitura.
Não se escreve q sem u; mas esse u, com e, i, quasi nunca se lê.
É a regra que podemos estabelecer. D'ella podemos tirar o seguinte dictame:
Visto qúé qúí valer quasi sempre qé qí, lendo-se d'este modo, quasi sempre se acerta.
Aconselhai o discipulo nesta conformidade; sem embargo de o deixardes ler uma ou outra palavra como está escrita, para ver que não faz differença essencial, e que embora leia ficuêi fícue, facilmente percebe o seu engano, e até se intende o que diz.
O alumno estranha com razão estas anomalias. Em satisfação á sua intelligencia bom é dizer-lhe (o que temos por certo) que antigamente lia-se sempre o u depois do q; com o tempo algumas palavras mudaram, continuando-se todavia a escrever do mesmo modo. Nem haja dúvida em accrescentar que, se a palavra mudou na pronuncia, devia mudar na escrita; e que uma vogal que se não lê não se devia escrever.
Se cada letra valesse um elemento da palavra fallada, nada mais facil que aprender a ler. A lingua portugueza reduz-se a trinta e seis elementos; para decifrar toda a nossa imprensa, bastaria fixar e distinguir trinta e seis caracteres. Quem não teria essa capacidade e paciencia?
Infelizmente, á parte os methodos, e a insufficiencia dos mestres que geralmente nas escolas são os mesmos discipulos, sobejam letras inuteis, letras dum valor commum, letras de valor múltiplo, combinações quasi fantasticas: e os proprios signaes, que haviam de marcar o tom da vogal, d'uns ha falta, d'outros sobra, e n'outros dúvida por desacôrdo nos autores, e quasi sempre no mesmo autor.
A este respeito diremos que em portuguez temos vogaes nasaes, agudas, fechadas, abertas e graves; ás quaes por sua ordem correspondem, e muitas vezes se applicam, os seguintes signaes:
nasal ou til | (~) de ordinario supprido por m, n: | ||||
mão, | mente, | minto, | monte, | mundo; | |
agudo | (´) | ||||
má, | meu, | mia, | mó, | amuo; | |
circumflexo | (^) | ||||
amei, | amei, | ... | amou, | ... | |
aberto | (`) | ||||
... | mèta (baliza) | ... | ... | ... |
A este signal chamam os francezes grave; e á sua imitação muitos nossos, mas impropriamente, porque nunca se usou nas vogaes que nós chamamos graves similhante signal nem outro algum. Essas vogaes são, por exemplo, as últimas das seguintes palavras:
E aqui chamamos grave o a, que chamámos fechado, a páginas 11. Veremos a razão disso.
q
fique fiquei toque toquei ataquei pique ataque piquei duque loque baque jaqueta applique appliquei aquelle aquella aqui aquillo quieta quieto qual qualidade |
É evidente que havendo consoantes certas e incertas, n'um methodo, se havia de começar pelas certas. Ora conhecidas e combinadas pelo nosso discipulo essas dez consoantes, que na ordem alfabetica são:
b | . | d | f | . | . | j | k | l | . | . | p | q | . | . | t | v | . | . | |
restam: | . | c | . | . | g | . | . | . | . | m | n | . | . | r | s | . | . | x | z |
Porem que ordem seguiremos agora? Como vimos a páginas 19 e 23, todas estas oito são de dois valores, excepto s x, que são de quatro. Ora a última das certas, em que ficámos, foi q; ao qual se seguem naturalmente c g, não só porque uma tem um valor identico; e a outra, um valor similhante, guttural; mas porque ambas igualmente, com e i, offerecem especialidade.
Portanto o logar de c g está marcado. Depois seguir-se-hão m n, que teem igualmente dois valores? Não convém; ambas essas consoantes servem muitas vezes de til, o que é duro de explicar; e accresce que n se combina com h; podendo-nos portanto servir de transição para as fórmas compostas lh, ph, ch, etc. que devem ser as últimas.
Por outro lado, se advirtirmos que z tem dois valores de s, assim como s tem tres valores de x; conviremos que estas tres consoantes se devem succeder. Resta r, que tendo dois valores, as deve preceder.
Logo a ordem mais conveniente é
Veremos que o h não passa dum accento, quando serve de alguma cousa.
Ora o c tem dous valores; um, sibilante e prolongavel, ç...; outro instantaneo guttural, q.
Como lhe havemos de chamar? Como o mestre quizer. O discipulo a estas horas está bem no caso de não confundir o nome com os valores: quanto mais que não se admittindo solletração, elle é forçado a empregar valores. Por isso é que já em respeito a k e q deixámos em aberto esse ponto. Todavia é mais racional que chamemos a essas gutturaes o que valem, q'; isto é, designal-as pelo seu valor; ou querendo-se-lhes dar nome, derival-o d'esse valor, e chamar, a uma e outra, qê. Similhantemente, dos valores de c, deriva o nome cêqe. Embora a experiencia nos mostre a inutilidade dessas designações formaes, e o methodo aconselhe de preferencia citar-se a letra pelos simples valores, podemos admittir nomes verdadeiros, que indiquem as funcções da letra.
Em todo o caso, o essencial é ensinar os valores e as regras. Antes da lição que segue, deve passar-se, entre mestre e discipulo, este ou similhante diálogo:
—Que letra é esta?—Cêqe.
—Porque se chama cêqe?—Porque vale ç... e q.
—Quando vale ç...?—Em vindo com e, i, ou cedilhado.
—E em não vindo com e, i, ou cedilhado?
—Vale q.
O ç (cedilhado) não confunde o alumno; antes, pela necessidade ou inutilidade da cedilha, como se póde exemplificar em aço, caco etc., lhe ajuda a fixar as alternativas d'esta consoante caprichosa.
c
cebo cebola cedo ceia face alface foice bacia cidade = q cá cal caldo calvo culpa caco cacei cace calcei cacetada ç
aço beiço buço caça cabaça cabeça coça calça calçada |
Segue-se o g, igualmente de dois valores, como o c, um prolongavel e outro instantaneo: o prolongavel é j...; e o instantaneo é g', guttural. D'estes dois valores deriva logicamente o nome jêg'e. Isto supposto, dialoguemos com o nosso discipulo:
—Que letra é esta?—Jêg'e.
—Porque se chama jêg'e?—Porque vale j... e g'.
—Quando vale j...?—Em vindo com e, i.
—E quando vale g'?—Em não vindo com e, i.
—Mas ha palavras onde soa g'é, por exemplo malagueta; e ha palavras onde soa g'i, por exemplo guita.—Qual é o modo de escrever estas syllabas?—E escrevendo gúé, e escrevendo gúi.
—E, assim, fica bem escrito?—Não; porque o u não se lê; mas entende-se bem a palavra.
—E se tirassemos o u?—Era peór; lia-se malajeta, lia-se jita, que faz mais differença.
Ora os casos em que o u se lê, nestas syllabas gue, gui, são rarissimos: por isso podemos ensinar a desprezal-o, como fizemos a respeito de que qui, numa regra similhante:
—Visto gúé gúí valer quasi sempre g'é g'i, lendo-se d'este modo, quasi sempre se acerta.
Na lição vai uma excepção, guela.
Mas deixai tambem o discipulo ler uma ou outra palavra como está escrita, para ver que ainda lendo em rigor, a palavra transparece claramente. Esta certeza desafronta-o dos equívocos em que póde cair.
Vê-se pois que admittimos nomes de letras, conformando-nos com a opinião commum, que tendo tudo nome, tambem as letras o devem ter. Embora; e nesta altura não ha inconveniente para o nosso discipulo: mas seja um nome adequado, e não um nome falso. Chamando ao c cêqe, e ao g jeg'e (ou escrevendo como se usa, gêgue), conformamo'-nos com aquelle principio, com o costume, e satisfazemos, pelo menos, ás mais imperiosas exigencias do methodo. Comtudo ainda podemos ajustar mais aquellas denominações aos valores das letras, dizendo ceqe jeg'e, como diriamos duas vezes a particula de: de Francisco, de Pedro: de de; je-g'e, ce-qe.
Dizia-nos um dia o aio dos principes: bom é o methodo, mas de qualquer maneira se aprende a ler.
Intendamo'-nos: de qualquer maneira se pode aprender a ler; de facto, não se aprende de qualquer maneira. Dos senhores de si, poucos são os que tentam, e quasi todos esses desistem: os outros... que remedio! A questão é de tempo e de tormento. E essa não é ainda a questão principal.
Todo o estudo involve, afóra a instrucção, educação de espirito; por isso a geometria passa pela melhor das logicas. E no primeiro de todos os estudos, quando o espirito está mais ductil e inconciente, como póde um processo racional, ou insensato, ser indifferente aos habitos da intelligencia?
Voltemos ao nosso caminho. Querendo-se que o discipulo intenda os symbolos, diz-se-lhe que os tres pontos designam o valor prolongavel: a consoante simples, ou com apóstrofo, indica o valor instantaneo. É claro.
g
gebo geito foge tigela vigia collégio
jogue pague folgue cegue guia guita aluguel guela gago água egua igual gallo galgo golpe pulga cego acelga giga gagueja |
Vamos ao r, terceira das consoantes incertas e, como as duas primeiras c g, igualmente de dois valores, um prolongavel e outro instantaneo.
Ponhamos em diálogo a doutrina:
—Que letra é esta?—Rêr.
—Porque se chama rêr?—Porque vale rr... e r'.
—Quando vale rr...?—Em vindo no princípio ou dobrado.
—E em não vindo no princípio, ou dobrado, o que vale, ou como se lê?—R'.
Não é necessario trazer para aqui as vogaes, como se costuma: isso impõe ao principiante uma distincção inutil, porque tanto vale o r entre vogaes, como entre vogal e consoante. Escusa tambem ensinar as excepções ao discipulo: como o r, se profere tocando a lingua no ceo da boca, e o rr... consiste na repetição desse toque (gemendo ou vozeando ao mesmo tempo), a affinidade desses dois valores, e o mesmo estylo da lingua leva o discipulo a reforçar a inflexão, quando lhe destoa proferida simplesmente. Difficuldade acharia elle em o não fazer, por exemplo, em carne e melro, ou vice versa em tenro e arlequim: pois antes ou depois de l, o r é guttural. E o mesmo podemos dizer a respeito de n; mas advertindo que, por exemplo em tenro, não é necessario que o n sôe como letra (ou inflexão); basta representar de til.
Estas observações dirigem-se ao mestre: e ainda ao mestre, á excepção de alguma indicação prática, o mais que deixamos nestas notas não merece especial reparo; nomeadamente as razões de ordem. Chamando a isto methodo, cabe-nos mostrar que o é; mas para fazer breve e commoda jornada por uma estrada recta e plana, não é necessario saber como a traçaram e construiram.
O r guttural é inflexão instantanea porque se reduz em última anályse a um toque de lingua no ceo da bôca; é inflexão prolongavel porque se forma repetindo esse toque indeterminadamente; e é voz porque o gemido (como lhe temos chamado) com que proferimos v, z, j, e de que igualmente depende o r guttural, não é senão o fôlego elevado ao grau de vibração, ao grau de voz. Propriamente fallando, a voz só se emitte de bôca mais ou menos aberta, e sem intervenção sensivel dos orgãos mudos. Mas á parte esta intervenção e a propriedade do termo, n'aquellas quatro inflexões ha voz. Tanto assim que bem podemos esboçar distinctamente qualquer melodia, modulando-a n'alguma das inflexões v, z, j, r...
Estas são verdadeiramente as letras semi-vogaes: não—aquellas cujo nome começa e acaba por vogal. O que terá o nome com a cousa!
A letra r, pela sua frequencia e pelos seus accidentes de posição e número, merece uma lição com consoantes certas, e outra com consoantes incertas. Em seguida daremos, para desfastio do alumno, um pequeno diálogo. Se o mestre não julgar inutil este exercicio, applique ás palavras a, o, a regra do a, o, finaes; e diga que o e simples lê-se i. O alumno reconhece as maiusculas, e a pontuação não o embaraça. Appliquem-se as regras conhecidas.
r
rei rua raio raiva rijo rato ferro jarro terra burro ira vara fera furo jura puro ar ir vir for flor dar ver verde perda pardo perto preto prato bruto pobre irar virar varrer ferrar raro retiro rir roer ratar repartir recibo receio rico róca ruço carro garrafa garra guerra cera cerol cara caracol corda açorda geral gôro agora agouro certo carta garfo grito gritar córar cear receber regedor rogar cerrar correr agarrar gorar carregar recordar |
—Ó Pedro, que é do livro de capa verde, que te deu o avô?
—Já o dei ao Jorge a guardar. —Vai lá pedil-o. —Para quê? —Para a tia Carlota ver a gravura do caçador. —Ouve cá: a pobre da Clara ia abrir a porta do quarto, caíu, quebrou a garrafa do petróleo, e ficou ferida. Vou agora á botica; levo aqui a receita: á tarde logo fallo ao Jorge, e digo que t'o dê. —Palavra? —Palavra, Julio, fica certo. —Vê lá, cuidado! |
Ao r segue-se o z, embora esta consoante seja mais simples: porque o r dobra-se, e tambem se combina com outras consoantes; o que não succede ao z: mas as razões de analogia não são menos attendiveis que as de simplicidade.
O r tem dois valores que se reduzem a uma fórmula bastante simples (no princípio e dobrado, rr). O x tem quatro valores, que se esquivam a regra. É portanto claro que o r devia preceder ao x; mas devendo preceder ao x, devia preceder aos caracteres a que o x está associado por identidade de valores.
Na verdade, em zaz vê-se que z vale | z x |
Em sisudos vê-se que s vale | ç z x |
Em sexo auxilio exilio xale vê-se que x vale | kç ç z x |
Valem todas tres z, x; duas valem mais ç; e uma vale ainda mais kç. É como uma escada de tres degraus que o methodo, que é todo escada, não podia desmanchar.
Por isso a todas tres precede o r; e agora ao r, segue-se a mais simples das tres.
A theoria relativa ao z, encerra-se nas seguintes perguntas e respostas:
—Que letra é esta?—Zêxe.
—Porque se chama zêxe?—Porque vale z... e x...
—Quando vale z...?—Em não vindo no fim.
—E quando vale x...?—Em vindo no fim.
Isto é o bastante.
O discipulo está agora atravessando um terreno escabroso. Por maiór circumspecção com que vamos guiando os seus passos, não o livramos de caír: salvo tecendo-lhe de proposito lições faceis, e desviando-lhe tropeços; mas então o resultado seria um progresso illusorio.
Vistes nas lições do r como por uma escala de combinações chegámos a accumular dentro da mesma palavra muitas dúvidas. Assim convem preparar o discipulo para a leitura usual e prática onde, a cada linha, encontra essas accumulações. A amenidade do methodo não póde levar-se até á esterilidade. Se as lições agora são mais embaraçadas, vá o alumno ensaiando a sua reflexão. Adiante da palavra mais duvidosa, está a prevenção da regra e a advertencia do mestre.
O magisterio é de sua natureza offício de abnegação e de paciencia. O mestre que se ira corrompe o coração do alumno. E se o alumno, pela sua tenra idade, é incapaz de aprender regras e de as applicar, então a sua presença na escola apenas attesta a ignorancia dos paes e a incuria da autoridade. Até aos sete e oito annos de idade todos andamos numa fervorosa elaboração corporal, que só reclama alimento, movimento e somno; assim como andamos nesse profundo e immenso estudo da lingua, e nessa insaciavel investigação do mundo exterior, que absorve totalmente a faisca mais brilhante que possa alumiar uma cabeça infantil. Complicar esse duplo movimento quasi vertiginoso com o ensino primario—leitura, escrita e contas—passa de absurdo a cruel.
Como os valores do z são novos, só podemos indicar nos symbolos em que logar o apresentamos.
zelei zelou zelar azia azul azeite azedar vazia luziu luzir fazer jazer jazia jazigo azar azougue ~~~z az faz fiz fez vez jaz juiz luz diz puz pôz paz capaz lapuz quiz giz gaz arroz retroz rapaz feroz traz cruz zaz |
Vamos ao s, quinta das consoantes incertas, e segundo degrau da escada, de que fallámos na lição passada.
Esta consoante é frequentissima: nella acabam metade das vozes dos nossos verbos, todos os nossos pluraes de nomes, pronomes, participios, e de quasi todos os adjectivos; não fallando nos infinitos casos em que figura no principio e meio de palavra, já antes, já depois de vogal; e tambem antes e depois de consoante, como em sciencia e psalmo.
Póde-se estabelecer a regra que o s no fim de palavra ou syllaba, vale x...; por exemplo, custas. Mas cumpre advertir que isto, sendo geralmente verdadeiro, não é exacto; porque o s (assim como z e x finaes), vindo no fim de palavra á qual se siga immediatamente vogal, vale z...; por exemplo, os olhos, que se lê como se estivesse escrito ozolhos; e seguindo-se-lhe immediatamente consoante, que não seja ç, f, p, q, t (ou equivalente de ç e q), então vale j; por exemplo as vozes, que lemos como se estivesse escrito aj vozes.
Mas estas advertencias são puramente theoricas ou antes, escusadas no ensino; pois não se trata de ensinar a ler a estrangeiros, e sim a portuguezes mais ou menos práticos na lingua. Pela nossa parte não costumamos prevenir os nossos discipulos, para a lição do s, com mais doutrina que a contida no seguinte diálogo:
—Que letra é esta?—Sezêxe.
—Porque se chama sezêxe?—Porque vale ç... z... x...
—Quando vale ç...?—No princípio e dobrado.
—Quando vale z...?—Entre vogaes.
—E quando vale x...?—No fim de palavra ou de syllaba.
Com este pouco temos o bastante para o nosso discipulo acertar as mais das vezes, e senão, para o convencermos de que desmentiu a regra, o que em geral nos é tão agradavel como se a observasse, pois nos dá occasião de o fazermos raciocinar.
Por exemplo, trata-se da palavra uso, que o discipulo lê uço. Em logar de emendarmos sem mais explicações, preferimos questionar.
—Que consoante é essa?—Sezêxe.—Quando vale ç?—No princípio e dobrado.—Está no princípio ou dobrado?—Não.—Portanto não é uço.
E quando vale z?—Entre vogaes.—Está entre vogaes?—Está.
E o discipulo lê uzo.
Syllaba é a palavra ou parte da palavra que se diz duma vez, n'um tempo. É, sé, seu, seus, são quatro syllabas, embora mais compostas umas que outras. Qual quer são duas syllabas, que podem formar duas palavras; e tambem, só uma. O discipulo adquire práticamente, pelas nossas lições de syllabas alternadas a typo liso e lavrado[1], uma idéa mais clara de syllaba, do que é facil dar-lhe por definições.
Quanto a vogaes, é melhor fazer-lh'as conhecer pelo valor, exemplificando e comparando, do que simplesmente pelo nome e de memoria.
s
só safa silva passo tosse liso quasi bois dias teus soubesse desusados sós seus suas siso sisudos isto este esta está esteve visto vestes foste justo postas basta pastas peste leste listas valsa salsa falsos pulso socio sucia caso acesa faces cisco sege sigo seguir guloso guisados sogro grossa socegasses perseguisses ser saír sorte assar russo risses risada rosa riso raso russo grossos gritos gordos sagaz fizesse zurzisses rêzes luzisse |
Assim como do z passámos ao s, que contem os dois valores do z; passamos agora do s ao x, que contém os tres valores do s.
Estes valores, a que alludimos, são ç... z... x... Porque é verdade que a paginas 19 attribuímos ao s tambem o valor de j...; mas este valor, embora no s se observe muito mais frequentemente, é accidente que soffrem as tres irmãs z, s, x, e não particularidade do s. Expliquemo-nos.
Se lermos e escutarmos as seguintes frases:
faz | agua, | faz | ponto, | faz | damno; |
as | aguas, | as | pontes, | as | damas; |
calix | antigo, | calix | prateado, | calix | dourado: |
ver-se-á que z, s, x de faz, as, calix valem, primeiro, igualmente z...; segundo, igualmente x...; terceiro, igualmente j...
Examinai e vereis que z, s, x, lendo-se immediatamente antes de vogal, valem z...; e immediatamente antes de ç, f, p, q, t (ou equivalentes), j...: nos outros casos, x...
Porém como todos observam isto inconscientemente, e o mesmo ouvido se encarrega de guiar o alumno, é escusado dar taes regras.
Abstrahindo pois daquelle valor commum e tão accidental, j..., podemos sem rigorosa mas com bastante verdade chamar áquellas consoantes zêxe, sezêxe, kcecezêxe. Taes nomes designam os valores das letras, e são portanto definições, verdadeiros nomes, verdadeiros e mnemonicos, isto é, bons de fixar pela identidade e gradação de elementos.
O nosso systema não se funda nos nomes das letras: os faceis e notaveis resultados que elle tem dado em nossas mãos, e nas do editor, e que igualmente promette nas de outrem não dependem destas particularidades: mas é a razão que as dicta, e o methodo que as aconselha.
Xiz é um nome apenas insufficiente, não falso nem disparatado; porque do modo que o dizemos (xix...), principiando e acabando na inflexão x..., até se podia considerar symbolico; pois em princípio e fim de palavra, salvo o que deixamos dito, o x vale x... Mas que é dos outros valores? O nome não os indica; e não ha razões de preferencia: nem ha conveniencia alguma em obrigar o principiante a ir buscal-os a explicações avulsas, podendo-os achar no proprio nome da letra.
Vamos ás perguntas e respostas do costume:
—Como se chama esta letra?—Kcecezêxe.
—Porque se chama Kcecezêxe?—Porque vale kç... ç... z... x...
—Quando vale kç... ç... z...?—Não ha regra.
—E quando vale x...?—No princípio e fim de palavra.
Este mesmo valor já sabemos quanto é accidental no fim; e tambem não é certo no princípio. Parece pois que muito de proposito escolheram os mathematicos o x para symbolo da incognita... Mas ahi tendes mais uma razão para lhe darmos um nome que offereça por assim dizer, á escolha do principiante valores tão diversos e tão incertos.
x
= kç fixo fixa fixar fluxo defluxo reflexo sexo = ç auxiliaste auxiliarias auxiliasses = z~~~ existe existir exercitarás exercitasses exercesses exacto = ~~~z xale luxo baixo deixar bexigosas eixos seixos sexta calix expressar |
Das oito consoantes incertas faltam-nos duas, m, n: mas como estas servem tantas ou mais vezes de til que de letras, é chegado o tempo de fallarmos das vogaes nasaes. Ha cinco especies de vogaes: agudas, fechadas, abertas, graves, e nasaes.
Agudas são as que se proferem como se chamam á, é, í, ó, ú; ás quaes muitas vezes se applica e muitas mais se deixa de applicar aquelle traço obliquo da direita para a esquerda chamado tambem accento agudo.
Abaixo, por assim dizer, um ponto em força e clareza estão as fechadas, que se proferem com a bôca um pouco menos aberta.
O signal destas é o chamado impropria e alatinadamente circumflexo, que a maxima parte das vezes se omitte, mas algumas se emprega onde era necessario como em dê; onde convinha como em rôgo; onde era desnecessario como em flôr (porque or final vale geralmente ôr, e portanto bastava accentuar as excepções como maiór, peór); e tambem modernamente em palavras, onde não convinha, como vêmos, louvâmos, que em estylo culto e desaffectado se lêem nasalando as vogaes e, a; ás quaes portanto mais competia til que accento circumflexo.
É de notar que não ha u nem i fechado; porque o ouvido não distingue voz abaixo de u; nem differença de tom, e só de fôrça, dum i a outro i, como em cai e caí.
Aberta, ha só uma vogal assim chamada, o e, de que fallamos a paginas 49.
Graves são as vogaes que se proferem mais suavemente, como as ultimas de ama, ame, amei, amo, tribu; onde, se comparardes, vereis que o e u se confundem para o ouvido.
Quasi o mesmo succede entre a fechado e a grave, que só differem na fôrça; como por exemplo em câda. Mas attendendo a que esta differença é quasi inapreciavel, e devendo ser o tom a base desta classificação, póde-se estabelecer que ha só tres vozes graves, e, i, u, representadas em quatro vogaes, e, i, o, u; valendo estas duas últimas o mesmo.
Nasaes são as que se proferem, não asperamente fanhosas, como se tivessemos o nariz tapado ou as fizessemos eccoar nas fossas nasaes; mas dirigindo o fôlego como que ao ceo da bôca; podendo-se neste sentido chamar igualmente, e por ventura melhor, palataes.
Resumindo: todas as vogaes podem ser nasaes e todas podem ser agudas. Graves ha quatro e, i, o, u, representando tres vozes graves e, i, u. Fechadas ha tres, â, ê, ô. Aberta ha só uma, è.
As nasaes assignalam-se com ~, m, n. Hoje só é applicado o til a duas, a, o; mas a todas se encontra applicado frequentemente nas edições antigas.
Limitemos a nossa questão ao til.
—Como se chama este signal?—Til.
—De que serve?—De indicar voz nasal.
—Á, é, í, ó, ú são vozes nasaes?—São vozes puras.
—Como são nasaes?—Ã, ẽ, ĩ, õ, ũ.
Puras são todas as vozes não nasaladas, isto é, todas as agudas, fechadas, abertas e graves.
ã
ẽ ĩ õ
ũ
vã lã rã sã são pão dão verão serão cão coração razão carvão sezão grão grãos sãos cães capitães sacristães põi dispõis pavões feijões feições acções ratões razões varões barões ladrão rações |
Estamos chegados á penultima das consoantes incertas, que é o m. Este caracter umas vezes é letra, outras vezes signal nasal, outras vezes nem uma cousa nem outra; e podemos accrescentar que outras vezes é ambas as cousas.
Quando é letra representa um despego de labios similhantissimo aos que representam b, p; como por exemplo em
É impossivel começar a ler estas palavras sem ser de bôca fechada. Os labios despegam-se á primeira voz; vindo portanto o m a representar um facto puramente mecanico, por si só inapreciavel ao ouvido. Não é isto particularidade do m, mas qualidade geral de todas as letras que valem inflexões instantaneas.
O m representa esta inflexão labial em tendo vogal adiante.
Quando é signal nasal, vale para a vogal antecedente o mesmo que til. Tanto importa para a leitura escrever:
ambos, | embora, | impar, | ombria, | umbral; | |
como | ãbos | ẽbora | ĩpar | õbria | ũbral: |
com a differença que esta orthografia era melhor, mais exacta e, por consequencia, mais elegante.
Por economia de espaço, e conveniencias typograficas, talvez mais que por espirito reformador duma orthografia incoherente, acha-se o til empregado nas edições antigas, frequentissimamente, onde agora pomos m ou n. Em boa hora volte e seja universalmente recebida aquella substituição. Mas os antigos, que escreviam (tambem mais logicamente) por exemplo amárão; querendo differençar o ão dominante do grave, á falta de signaes convenientes escreviam amaráõ, desvirtuando assim ao mesmo tempo os dois signaes agudo e nasal; pois nem o a é agudo, nem o o nasal. Daqui e, provavelmente ainda mais, da costumeira de solletrar á, ó, til, ão; parecendo ao principiante (e talvez ao mestre) que o til pertence ao o; resulta vermos até na capital grandes letreiros: Salaõ, Repartiçaõ de Instrucçaõ etc. (o que diga-se a verdade não é muito airoso para o pintor).
O m tem sempre este valor nasal quando se lhe não segue vogal.
Mas ás vezes não tem valor nenhum, e só se escreve por divisa etymologica, como por exemplo em
que se lêem exactamente como se escrevessemos comenda comissão condenado.
Estas taes divisas etymologicas, ou estas taes etymologias teem o grande inconveniente de fazer da escrita um privilégio, que nenhum homem liberal supporta sem repugnancia, etc. E ainda se os partidarios [ilegível............]! Mas elles não se entendem uns aos outros, e nem a si mesmos se entendem. Devia acabar esta affectação ridicula.
Continuando, não podemos dizer que mm estão no caso de bb, cc, dd, ff, gg, etc., que valem sempre assim dobradas o mesmo que simples: porque é tão commum o primeiro m não valer nada como valer de til: por exemplo:
somma, | gomma, | emmalar, | emmassar | |
equivale a | sõma, | gõma, | ẽmalar, | ẽmassar: |
vingando aqui a regra, que m sem vogal adiante vale de til.
Tambem o am final se póde dizer que não offerece nada de extraordinario quanto ao m. Ahi o m vale til; é regular: a forma orthografica sim que é viciosa; porque escrevemos ã para lermos ão. Nem o a nem o m podem representar o u que soa na leitura. É uma convenção caprichosa, e pouco sustentavel.
Antigamente dizia-se, por exemplo, amárũ; depois, com o correr dos tempos, amárõ; depois, amárã. Foi-se a musica da lingua, por assim dizer, aclarando. Hoje ainda muito povo diz amárõ, fállõ; mas o estylo correcto e literario é amárão, fállão.
Nisto devem os mestres não poupar insistencias, porque o tal õ é repugnante. E dizemos: não poupar insistencias, porque é necessario insistir: a maior parte dos alumnos teem esse vício muito arraigado. Mas quem diz cão, póde dizer fícão: seja a syllaba grave ou dominante, a pronuncia é organicamente a mesma.
Tempo houve que geralmente se escrevia ão no fim. Depois, talvez para evitar equivocos, e poupar accentos (no que sempre nos temos mostrado singularmente economicos), em vez de se progredir empregando, e até inventando os signaes necessarios a bem duma orthografia exacta, retrogradou-se. Quasi todos escrevem actualmente amam, fallam, quizeram, etc.
A dizer a verdade a boa orthografia não depende tanto da logica dos caracteres como da generalidade das regras; e se am final vale sempre o mesmo, embora mal represente o que vale, passe a incoherencia. Melhor orthografia é fállão, fallárão, fallarão, etc. Mas por exemplo pensão é equivoco; e escrever pénsão, não é logico; porque não temos na palavra e agudo. A falta dum signal para a vogal dominante, é uma razão a favor do am final: todavia, razão que pouco pode aproveitar aos que seguem (como nós aqui) a orthografia em am; pois escrevem sem escrupulo provém, contém e até porém. Logo que dúvida podiam ter em escrever pénsão, péndão, mándão, etc.? Melhor seria.
Mas dissemos nós que o m vale ás vezes de letra e de til. De facto acha-se uma especie de influencia nasal retroactiva no m (assim como no n). Nós lemos ama, temo, lima, Roma, uma, como se estivesse escrito ãma, tẽmo, lĩma, Rõma, ũma. Amamos, amemos; fazemos, façamos; vestimos, vistamos; pomos, ponhamos; nestas e outras vozes similhantes dá-se tambem o caso de nasalarmos a penultima vogal, sem til nem m que lhe pertença.
Mas destas e outras que taes advertencias não precisa o alumno. E limitando-nos ao que importa, na forma costumada:
—Como se chama esta letra?—Metíl.
—Porque se chama metíl?—Porque umas vezes vale m', outras vezes vale de til.
—Quando vale m'?—Com vogal adiante.
—E quando vale de til?—Com vogal atraz.
—Portanto, com a, e, i, o, u atraz, como se lê?—Ã, ẽ, ĩ, õ, ũ.
—Tambem se lê ã no fim de palavra?—No fim de palavra não se lê ã; accrescenta-se u; lê-se ão.
m
meu umas mãos limões moças comer amigas gemer morrer mães maçãs irmãos queimaduras romãs mexer
em im om
um
vim fim sim assim algum alguem atum emfim quem tambem som com Joaquim riem limpem jejuem tomem afiem tremem caiem comem ardem fumem temem lêem compararem emmassarem emmalarão
iam durmam amam temam ficam raspam levam puxam viam zurziam tocam armam ligam sumam emmagreçam complicariam |
Chegámos finalmente ao n, última das consoantes incertas, que á similhança do m umas vezes é letra, representando inflexão; outras vezes é simples signal nasal, valendo de til; outras vezes nem representa inflexão nem vale de til; outras vezes vale de til e representa inflexão; e ainda outras vezes, accentuado ou carregado com o h, vale a inflexão conhecida, de que havemos de tratar.
Propriamente um caracter só é letra quando representa um elemento mais ou menos distincto da palavra fallada. Ninguem diz que vã se escreve com tres letras, porque nem a anályse nem o ouvido distinguem senão duas partes nessa palavra. Ora se em vã ha só duas letras, tambem ha só duas letras em van. Se chamamos letra a este último caracter, é referindo-nos ao papel que elle muitas vezes representa, e para não estarmos com explicações e rigores desnecessarios: mas fallando com exactidão, aqui o n não passa dum signal.
Quando é letra profere-se pegando a lingua ao ceo da bôca: pegando-se ou despegando-se; estes termos são geralmente reciprocos no valor fysiologico das letras; para se despegar, tem de se pegar. Mas se merecesse a pena levar a anályse a uma certa altura, diriamos que mais consiste aquella inflexão no apego que no despego, pois como se póde observar em iman, pollen, talisman, em summa nas palavras onde o n final vale inflexão, este n profere-se perfeitamente deixando a lingua pegada ao ceo da bôca: o mesmo que dissemos do l, ao qual, apezar da differença para o ouvido, se assemelha muito na pronuncia.
Por isso bom é recommendar ao alumno, na leitura do n final, o que dissemos a respeito do l.
Este n final valendo inflexão (e sempre tambem de til, pela influencia nasal retroactiva, que indicámos a respeito do m) é raro. Poucas são as palavras que assim acabam. E é só nessas palavras que a ortografia moderna o admitte. Caiu em desuso escrever van, lan, manhan. O n final valendo de til, foi com razão substituido pelo til.
Nesta qualidade de til, o mesmo que dissemos do m lhe é applicavel. Nasala a vogal anterior quando não tem vogal adiante, dando-se tambem casos excepcionaes como succede com o m, porém esta é a regra. Nós lemos:
anda, ente, indo, onda, unto, do mesmo modo que: ãda, ẽte, ĩdo, õda, ũto.
Como letra, nasalando ao mesmo tempo a vogal anterior, temos milhares de exemplos: todos lemos: ufano, pena, tina, tona, puna, como se estivesse escrito ufãno, pẽna, tĩna, tõna, pũna.
Escrito só por etymologia, tambem não escaceiam exemplos. Em annel, anniversario, annunciar, etc., o primeiro n não tem nenhum valor.
Resumindo esta doutrina ao nosso discipulo:
—Que letra é esta?—Netil.
—Porque se chama netil?—Porque umas vezes vale n', outras vezes vale de til.
—Quando vale n'?—Em tendo vogal adiante.
—E quando vale de til?—Em não tendo vogal adiante.
—Portanto com a, e, i, o, u atraz, como se lê?—Lê-se ã, ẽ, ĩ, õ, ũ.
Adverte-se a excepção do n final.
n
nós nau clina nomes manos nada meninos anões pernas imaginavam carne esquina afinação não somno iman
en in on
un
antes singelo anca segundo banco andam ancias brinco anjo trancam entendimento |
O nosso plano é o seguinte:
I | Vogaes | a, e, i, o, u. | ||
II | Consoantes certas | v, f, j, t, d, b, p, l, k, q. | ||
Consoantes incertas | c, g, r, z, s, x, m, n. | |||
Consoantes compostas certas | th, rh, nh, lh, ph, | (y). | ||
Consoante composta incerta | ch, | |||
III | Alfabeto maiusculo. |
Daqui se vê que ás consoantes incertas seguem-se as compostas. É pois tempo de fallarmos do h; tempo e opportunidade, porque as duas últimas incertas, m, n, são muitas vezes simples signaes prosodicos; e o h, igualmente debaixo de todas as apparencias de letra, não passa dum signal.
Os gregos tinham vogaes e consoantes aspiradas, isto é, proferidas com aquelle esfôrço, aquella sobejidão de fôlego com que os hespanhoes proferem a inicial de José. Em portuguez, ha mais ou menos fôrça em vozes e inflexões; tanto, que é nisso e por isso que muitas se destinguem e se transformam dumas noutras: mas propriamente a chamada aspiração, certa aspereza e violencia, como de voz ou inflexão tossida, só (que nos conste) nas gargalhadas do snr. Rivara.
Ora na Grecia, onde só havia sete sabios, ninguem era obrigado, para ler e escrever grego, senão a saber grego. Naquella mina inexhaurivel de etymologias, não havia etymologias. Escrevia-se com a maxima exacção, salpicando-se a escrita de signalinhos, e entre esses figuravam os de aspiração, que eram umas virgulasinhas sobrepostas á vogal ou consoante accidentalmente aspirada.
Os latinos, em logar dessas virgulasinhas, tinham h, caracter improprio e indevidamente mettido na cathegoria das letras; mas elles, importando-lhes pouco tirar aos derivados os ares de familia, íam seguindo a sua orthografia, empregando o h, tanto em palavras de origem patria como de origem grega.
E como o portuguez é filho do latim na opinião dos sabios, apezar de não termos aspiração, cá temos tambem o h em palavras do latim, do grego (que não tinha culpa nenhuma da orthografia latina), e até em palavras de origem ou orthografia nossa, como sahir, cahir, chegar, fechar; servindo-nos o h de accento.
De tudo isto resulta que os gregos tinham a sua orthografia, os latinos a sua, e nós temos a dos latinos, sem o seu criterio e a sua coherencia.
A dizer a verdade não ha differença essencial entre aspiração e accentuação: ambas envolvem fôrça: mas ha a differença sobeja para não confundir nem os nomes nem os signaes.
O h em portuguez não vale aspiração; umas vezes é accento, outras vezes é signal etymologico, outras vezes é ambas as cousas.
Applica-se a todas as vogaes e á terça parte das consoantes, ou tanto monta, a metade do abecedario. A sua indole é carregar, accentuar, apezar das muitas excepções. Vejamos com as vogaes.
Ahi, ah, huivo lê-se como se escrevessemos aí, á, úivo: aqui vale accento agudo.
Heroe, honesto, hostil lê-se como se escrevessemos êroe, ônesto ôstil: aqui indica etymologia, valendo ao mesmo tempo de accento circumflexo.
Em raras palavras começadas etymologicamente por h, deixa a primeira vogal de ser mais ou menos fortemente accentuada.
Com as consoantes observa-se a mesma regra.
Em th, rh a presença do h é inutil; mas haveis de notar que as inflexões t, rr... são extremas, isto é, admittem, sem transformação, a pronuncia mais vehemente.
Por outro lado, se os etymologistas fossem etymologicos não escreviam catarrho, que não é orthografia portugueza nem latina nem grega; escreviam catarho, para se lêr do mesmo modo; vindo o h a servir tambem de accentuar o r.
Nh, lh é accentuação de n, l. Proferi alternativamente n, nh, e l, lh, sentireis a lingua, na pronuncia da forma dupla, adherir mais extensamente ao ceo da bôca, e despegar-se com mais custo.
A respeito de ph, todos apagam uma luz fazendo ou proferindo naturalmente pf... Esta dupla inflexão consiste em despegar os labios com um sôpro; o que corresponde a accentuar, carregar, tornar sensivel ou aspirar a inflexão negativa p'. É verdade que para nós ph não vale rigorosamente pf...; mas a differença é insignificante, e pouco desdiz a forma.
Em ch temos dois valores, um frequentissimo, x... e outro raro, k'. Reforçai a inflexão ç... e vereis, como facilmente se vos torna x... Quando ch vale k', pode-se dizer que o h indica o valor aspero, forte, guttural da consoante c.
Assim, ou similhantemente, convem desculpar as formas duplas, justificar, explicar o valor simples ou homogeneo dessas dualidades graficas. Porque certamente que todos os caracteres da escrita tem um valor convencional e arbitrario; mas, posto um valor, até a intelligencia infantil é impellida a inquirir se se é coherente.
E pois fallámos do h, do ph, do ch, fallemos do y, essa especie de companheiro de viagem que tantas vezes vem na caravana.
Os sabios chamam áquillo i grego. Se é grego, excellente razão para o excluir da nossa escrita.
Em grego havia uma vogal (que por signal não se sabe ao certo se valia i ou se valia u) que na forma maiuscula um tanto se assimilhava ao y: na forma minuscula, como quasi exclusivamente nos apparece o y, o caracter similhante era o gamma, o g'. De modo que se um grego resuscitasse, e aprendesse a ler portuguez, havia de se rir muito do nosso i grego. Não obstante ensinai a ler o vosso discipulo y, ph, mas recommendando-lhe que nunca escreva tão affectadamente.
Os hespanhoes, em logar do nosso nh, lh, teem ñ, ll. É melhor orthografia, mas ainda incoherente. Tanta razão ha de carregar ou dobrar num caso como no outro. Os polacos carregam o l.
Para nós o til não tinha applicação ao n. Interpretando os latinos e imitando os gregos o melhor seria carregar, accentuar simplesmente, com algum signal particular ou o mesmo agudo, n, l e até r, t, p, c. Vamos á practica.
Deveis ter tido occasião de ensinar ao discipulo o que é, e de que serve o accento agudo e circumflexo; senão, explicai-lhe, apresentando-lhe, como um novo accento embora de diversa forma, o h.
—Que é isto?—O accento agá.
—De que serve?—De carregar vogal ou consoante.
—Que vale n, l, p carregado?—N', nh'; l', lh'; p', pf...
—Mas lê-se pf...?—Lê-se só f...
—E que vale o c carregado?—x... e algumas vezes, q'.
cypreste mysterio symetria pyrilampo asylo abysmo cysne crystal lyceu tyranno estylo syllaba |
harpa homem hoje hombro hostias haver th rh
sympathia rheumatismo catarrhal nh
unha punham tinha nenhum ninho manhã vinha grunhir linha tenham fronha pinhão junho azenha lenha inhabil lh
ôlho espelhos dá-lhe joelhos bulha ovelhas azelha grelha filhos ralham gralha trilhar alho palhinha ilha orelhinha
aphta pharol typho grypho phoca phrase esphera triumpharam typographia pharmacia phosphoros
chá cachorro chão chafariz chapa chegar cheio colchão = k Christo chrisma machinista eucharistia |
Ensaiado o nosso discipulo em todas as minusculas por sua ordem, resta apresentar-lhe as maiusculas. Bastava metade, pela similhança de
C | I | J | K | O | P | S | U | V | X | Y | Z | |
com | c | i | j | k | o | p | s | u | v | x | y | z. |
Mas uma cartilha sem alfabeto, sería um escandalo. Evitemol-o.
O alfabeto é um cahos.
Se olhais ao som, e quereis tomar por base o ouvido, achais as vogaes misturadas com as consoantes: se olhais á pronuncia, e quereis tomar por base os orgãos da palavra, achais gutturaes e labiaes, consoantes de valor extremo e opposto no meio d'aquella babel.
A velha divisão de vogaes e consoantes não tem melhor fundamento. Consoantes são as que se lêem com as soantes? Nesse caso a divisão natural sería soantes e consoantes. Mas nem as vogaes são unicamente soantes, nem são unicamente as soantes.
A inflexão x... soa. Os caracteres que a representam são soantes.
Ainda soa mais a inflexão rr...; e nessa ha mais do que som, ha tom, voz. Prolongai-a e, melhor, parai com a lingua, continuando o mesmo fôlego, ouvireis um tom apreciavel na escala, que até se pode tomar por tónica d'uma oitava: é a voz que o repique da lingua está abafando e embaraçando.
Porque toda a voz é essencialmente musical: a mais frouxamente proferida, em se prolongando, afina ou desafina com a nota d'um instrumento.
Não ha differença essencial entre a palavra e o canto; e com razão chamaram vogaes (ou vocaes) as letras que representam os principaes elementos da palavra.
Mas, por isso, chamar consoantes a todas as outras, envolve impropriedade. Todos os sons soam; dizer que as vozes soam, não é bastante: as vozes cantam. E alem de impropriedade, é uma syntese exagerada.
Porque na palavra ha vozes, ha tons, ha sons e ha simples modificações sem tom nem som, que se percebem na palavra como se percebe na nota da rabeca a unha ou o arco. Nem a unha nem as sedas do arco são elementos fonicos: fazem soar de certo modo, sem que por si soem. Ora a estes quatro elementos da palavra, que formam como uma escala:
I | Cantantes ou vocaes; |
II | Toantes (rr... j... z... v...); |
III | Soantes (x... c... f...); |
IV | Mudos (bqd, gl, lh, etc.): |
correspondem naturalmente quatro especies de letras susceptiveis das mesmas denominações segundo os seus valores.
Assim pois ha letras soantes e mudas, toantes e mudas; etc. X é toante (z...), soante (ç..., x...) e simultaneamente muda e soante (qç...).
Estas denominações e classificações tem utilidade, porque envolvem anályse, dão um conhecimento mais perfeito da palavra e da escrita, e proporcionam em muitos casos á doutrina do mestre uma precisão e clareza, que a distincção geral de vogaes e consoantes mal pode permittir.
Mas se se quizesse apenas essa distincção, era dividir as letras em vogaes e invogaes.
Ora contando as vozes ou elementos cantantes da nossa lingua, que se representam em mais do dôbro de maneiras, achamos dezesete. Ajuntando os quatro elementos toantes, os tres soantes e os doze mudos (todos tambem representados em muito maior número de caracteres) temos os trinta e seis elementos a que nos referiamos a pag. 53.
Mas voltando ao alfabeto, não recommendamos que o façam aprender de cór senão a discipulos que nutram a lisonjeira esperança de chegar um dia a folhear diccionarios, que é do que serve.
Em todo o caso ahi o tendes, á escolha, minusculo e maiusculo entremeado para confronto, e separado. Ainda nos parecia melhor, isto é, menos indigesto, encorporado em palavras, onde ao pé da maiuscula apparecesse a minuscula, e ao lado os nomes que nós damos ás letras.
Desses nomes ides ver alguns escritos dum modo mais sobrio ou mais usual mas equivalente; pois, por exemplo, lendo zêz como se costuma ler zaz, no fim soa x... que é o mesmo valor, embora mais exacto, que pretendiamos indicar no nome zêxe. Igualmente lendo á portugueza cêqes, soam tres inflexões, ç... q... x..., que são os valores do c simples, e accentuado de h. Nós tambem lemos zig-zag, dando ao g o valor guttural: porque não havemos de escrever semelhantemente gêg, para significar os dois valores desta toante e muda? Quizemos dar de barato aos partidarios dos nomes volumosos; agora permittam-nos essas modificações accidentaes.
Mas ao c tinhamos chamado cêqe: chamando-lhe agora cêqes, ha uma differença essencial. A razão é, como vêdes, para abranger no nome o novo valor que lhe trouxe o h. Assim vão tambem accrescentados os nomes de p, l, n: e dessa alteração convem dar conta e explicação ao alumno; se é que não preferis considerar nh, lh, ph, ch como formas elementares, chamando-lhes nhê, lhê, phê grego, xêq; o que é rasoavel mas pouco conforme ao que entre nós se entende por alfabeto.
E agora vem a proposito fallarmos de dh, que a pag. 23 incluímos nas formas compostas, e todavia não apparece na última lição. Dh é uma juncção casual, á similhança de nh por exemplo em inhabil inherente que se lê inábil inerente. As palavras que principiam por h, compostas de ad e in, affectam estas excepções ao nh, e aquella forma dh, não havendo em rigor nem uma nem outra cousa. Como porem mal se pode fallar ao alumno em preposições, e não deixava de convir praticamente considerar a cousa como parece, a isso nos dispunhamos, cedendo depois á verdade theorica.
Os quadros alfabeticos assim talhados, pelas cinco vogaes, em outras tantas regras ou linhas, estão indicando as porções em que se ha-de estudar o alfabeto. De alguma cousa havia de servir a posição alfabetica das vogaes. O alfabeto é uma ordem puramente material; o seu estudo, aborrecido; e não ha necessidade de molestar o alumno. Quantos terão renunciado á gloria de saber ler, pelo fastio invencivel dessa enfiada de nomes barbaros e desconnexos? É verdade que no princípio, que é quando o costumam ensinar, a essa desconnexão ajunta-se a absoluta ausencia de sentido; mas em todo o tempo a memoria se esquiva a encadear semelhante salsada.
Se acceitais a nossa nomenclatura, alternai com o discipulo as vezes necessarias, ou fazei repetir alternadamente os discipulos, accumulando de dia para dia os nomes decorados:
á, | bê, | cêqes, | dê; | ||
é, | fê, | jêg, | agá, | ||
í, | jê, | kê grego, | lêlh, | metíl, | nênhetíl; |
ó, | pêf, | qê, | rêr, | sezêz, | tê; |
ú, | vê, | qce-cezêz, | i grego, | zêz. |
Adoptai esses nomes, que são verdadeiros e methodicos: não vos preoccupeis com o costume. O cozinheiro ri-se de ouvir chamar ao sal chlorureto de soda; os chimicos deixam-no rir.
Mas antes do alfabeto damos uma lição de esdruxulos, em que não deixa de convir ensaiar o discipulo.
Nós temos, em relação á syllaba dominante, tres generos de palavras, que são:
Agudas: onde se carrega na última (ou unica) syllaba: dá, arroz, fareis.
Inteiras: onde se carrega na penultima: dado, arrozes, farieis.
Esdruxulas: onde se carrega na antepenultima: esdruxulo, penultima, última, pallida, etc.Os francezes não teem estas melodiosas palavras. Os hespanhoes teem-nas, e com razão accentuam sempre a vogal dominante. Nós que em materia de accentos só não poupamos o h, continuamos a escrever ultima, publica, replica, e o leitor que tire pelo sentido.
Mais uma razão para darmos uma lição de esdruxulos ao principiante, que tem o sentido distrahido na decifração de caracteres, alguns tão duvidosos.
Como acima alludimos aos elementos da lingua, e é por elles que se hão de classificar as letras, ahi os damos seguindo nos toantes e soantes a ordem fónica em escala descendente, e quanto aos mudos a ordem fysiologica dos labios para a garganta. Para exercicio especialmente das maiusculas damos uma lenda vertida do francez.
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Inflexões | Toantes | rr | Voz e | repique de lingua. | ||||||||||||||||||||||||
j | lingua no ceo da bôca. | |||||||||||||||||||||||||||
z | dentes cerrados. | |||||||||||||||||||||||||||
v | labio inferior pegado aos dentes de cima. | |||||||||||||||||||||||||||
Soantes | x | Fôlego e | lingua no ceo da bôca. | |||||||||||||||||||||||||
c | dentes cerrados. | |||||||||||||||||||||||||||
f | labio inferior pegado aos dentes de cima. | |||||||||||||||||||||||||||
Mudas | m | Labios pegados. | ||||||||||||||||||||||||||
b | ||||||||||||||||||||||||||||
p | ||||||||||||||||||||||||||||
d | Lingua nos dentes. | |||||||||||||||||||||||||||
t | ||||||||||||||||||||||||||||
r' | Lingua no ceo da bôca. | |||||||||||||||||||||||||||
l | ||||||||||||||||||||||||||||
lh | ||||||||||||||||||||||||||||
n | ||||||||||||||||||||||||||||
nh | ||||||||||||||||||||||||||||
g' | Lingua contrahida na garganta. | |||||||||||||||||||||||||||
q |
Palavras esdruxulas |
Passaro, dúvida, número, hóspede, oculo, prestimo, sabbado, médico, polvora, lagrima, pallido, célebre, lampada, timido, camara, mácula, parocho, pecego, barbaro, cáustico, último. Kilometros, relampagos, alfandegas, telegraphos. Condiscipulo, evangelico. |
Alphabetos |
Hymno de Amor |
O leitor póde reparar em chamarmos ás vogaes simplesmente á, é, í, ó, ú; e depois darmos ás invogaes nomes compostos de todos os seus valores. A razão daquella excepção é não podermos sujeitar as vogaes ao mesmo systema de denominações; para o que basta ver que o e tem oito valores:
ẽ, pena; ê, d'este, dê;
è, dez; êi, lêa, negocea;
é, deste; e (grave), ave;
éi, idéa; i, ceou.
Tantos elementos vocaes não se prestam a nome. E que regras podiamos nós estabelecer a respeito de cada um delles?
Mas accresce que o estylo da lingua leva o principiante a achar a oscillação da vogal mais facilmente que, entre os valores da invogal differentes e até heterogeneos, aquelle que convem.
E já que fallamos em regras, haveis de notar que a pag. 81, o s figura nas duas últimas linhas dum modo não comprehendido no diálogo. Completai as regras explicando como o s tambem tem o primeiro valor entre vogal e invogal, e nas palavras compostas como girasol, resalva, etc., em occasião opportuna.
A pag. 31, e ainda mais provavelmente a pag. 91 haveis de extranhar a orthografia, em que damos a ler ao discipulo pai—põi, dispõis.
A respeito de põi e dispõis, o i está indicado nos verbos. Todos escrevem taes, atais; dedaes, dais; leaes, leais (verbo); não ha pois razão de analogia para escrever caes, saes (verbos), em logar de cais, sais; nem põe, dispões em logar de põi, dispõis, que é tambem mais conforme á etymologia.
Pelas mesmas razões em nossa opinião é preferivel escrever pae. Todavia ha em todos os espiritos e em todas as linguas duas palavras soberanas—Deus e pae: tivemos pressa em que o discipulo lesse esta palavra tão frequente e tão amavel, antes da lição do e final, e não tivemos dúvida em seguir aquella orthografia, aliás muito usada.
A última palavra a pag. 39 devia estar accentuada; póde-se ler tôldo e tóldo. Preferindo o mais usual, convem traçar á penna o accento circumflexo, que escapou; mas vai na reproducção litographica em ponto grande das lições da Cartilha.
- ↑ Verde, na edição Wikisource