Casa, não casa/V
Júlio, sabendo da visita, não se atreveu a ir encontrar as duas moças juntas. No pé em que as coisas se achavam era impossível evitar que descobrissem tudo, pensava ele.
No dia seguinte porém foi de tarde à casa de Isabel, que o recebeu com muita alegria e ternura.
“Bom! pensou o namorado, nada contaram uma à outra.”
— Engana-se, disse Isabel adivinhando pela alegria do rosto dele qual era a reflexão que fazia. Pensa naturalmente que Luísa nada me disse? Disse-me tudo, e eu nada lhe ocultei...
— Mas...
— Não me queixo do senhor, continuou Isabel com indignação; queixo-me dela que devia ter percebido e percebeu o que entre nós havia, e apesar disso aceitou a sua corte.
— Aceitou, não; posso dizer que fui compelido.
— Sim?
— Agora posso falar-lhe com franqueza; a sua amiga Luísa é uma namoradeira desenfreada. Eu sou rapaz; a vaidade, a idéia de passatempo, tudo isso me arrastou, não a namorá-la, porque eu era incapaz de esquecer a minha formosa Isabel; mas a perder algum tempo...
— Ingrato!
— Oh! não! nunca, minha boa Isabel!
Aqui começou uma renovação de protestos da parte do namorado, que declarou amar mais que nunca a filha de D. Anastácia.
Para ele a coisa estava resolvida. Depois da explicação dada e dos termos em que falara da outra, a escolha natural era Isabel.
Sua idéia foi não procurar mais a outra. Não o pôde fazer à vista de um bilhete que no fim de três dias recebeu da moça. Pedia-lhe ela que fosse lá instantemente. Júlio foi. Luísa recebeu-o com um sorriso triste. Quando puderam falar a sós:
— Quero saber da sua boca o meu destino, disse ela. Estarei definitivamente condenada?
— Condenada!
— Sejamos francos, continuou a moça. Eu e a Isabel falamos no senhor; vim a saber que também a namorava. A sua consciência lhe dirá que praticou um ato indigno. Mas enfim, pode resgatá-lo com um ato de franqueza. A qual de nós escolhe, a mim ou a ela?
A pergunta era de atrapalhar o pobre Júlio, nada menos que por duas grandes razões: a primeira era ter de responder em face; a segunda era ter de responder em face de uma moça bonita. Hesitou alguns largos minutos. Luísa insistiu; mas ele não se atrevia a romper o silêncio.
— Bem, disse ela, já sei que me despreza.
— Eu!
— Não importa; adeus.
Ia a voltar as costas; Júlio segurou-lhe na mão.
— Oh! não! Pois não vê que este meu silêncio é de comoção e de confusão. Confunde-me realmente que descobrisse uma coisa em que eu pouca culpa tive. Namorei-a por passatempo; não foi Isabel nunca uma rival sua no meu coração. Demais, ela não lhe contou tudo; naturalmente escondeu a parte em que a culpa lhe cabia. E a culpa é também sua...
— Minha?
— Sem dúvida. Pois não vê que ela tem interesse em separar-nos?... Se lhe referir, por exemplo, o que se está passando agora entre nós fique certa de que ela há de inventar alguma coisa para de todo separar-nos, contando depois com a sua beleza para cativar o meu coração, como se a beleza de uma Isabel pudesse fazer esquecer a beleza de uma Luísa.
Júlio ficou satisfeito com este pequeno discurso, assaz astuto para enganar a moça. Esta, depois de algum tempo de silêncio, estendeu-lhe a mão:
— Jura-me o que está dizendo?
— Juro.
— Então será meu?
— Unicamente seu.
Assim celebrou Júlio os dois tratados de paz, ficando na mesma situação em que se achava anteriormente. Já sabemos que a sua fatal indecisão era a causa única da crise em que os acontecimentos o puseram. Era forçoso decidir alguma coisa; e a ocasião ofereceu-se-lhe propícia.
Perdeu-a, entretanto; e dado que quisesse casar, e queria, nunca estivera mais longe do casamento.