Casa, não casa/III
Luísa estava ainda como Isabel, fria e reservada para com ele. Parece, entretanto, que suspirava por lhe falar; foi ela a primeira que procurou uma ocasião de ficar a sós com ele.
— Já estará menos cruel comigo? perguntou Júlio.
— Oh! não.
— Mas que lhe fiz eu?
— Pensa então que eu sou cega? perguntou-lhe Luísa com olhos indignados; pensa que eu não vejo as coisas?
— Mas que coisas?
— O senhor anda de namoro com a Isabel.
— Oh! que idéia!
— Original, não é?
— Originalíssima! Como descobriu semelhante coisa? Conheço aquela moça há muito tempo, temos intimidade, mas não a namoro nem tal idéia tive, nunca na minha vida.
— É por isso que lhe deita uns olhos tão ternos?...
Júlio levantou os ombros com um ar tão desdenhoso que a moça acreditou logo nele. Não deixou de lhe dizer, como a outra lhe dissera:
— Mas para que olhou outro dia com tanta admiração para o retrato dela, dizendo até com um suspiro: Que moça gentil!
— É verdade isso, menos o suspiro, respondeu Júlio; mas onde está o mal em achar uma moça bonita, se nenhuma me parece mais bonita que você, e sobretudo nenhuma é capaz de me prender como você?
Júlio disse ainda muito mais por este teor velho e gasto, mas de efeito certo; a moça estendeu-lhe a mão dizendo:
— Então era engano meu?
— Oh! meu anjo! engano profundo!
— Está perdoado... com uma condição.
— Qual?
— É que não há de cair em outra.
— Mas se eu não caí nesta!
— Jure sempre.
— Pois juro... com uma condição.
— Diga.
— Por que razão não tendo plena certeza de que eu amava a outra (e se a tivesse não me falava mais decerto), por que razão, pergunto eu, foi você naquela noite...
— O chá está na mesa; vamos tomar chá! disse a mãe de Luísa aproximando-se do grupo.
Era forçoso obedecer; e nessa noite não houve mais ocasião de explicar o caso.
Nem por isso Júlio saiu menos contente da casa de Luísa.
“Estão ambas vencidas e convencidas, disse ele consigo; agora é preciso escolher e acabar com isto.”
Aqui é que estava a dificuldade. Já sabemos que ambas eram igualmente belas, e Júlio não procurava outra condição. Não era fácil escolher entre duas criaturas igualmente dispostas para ele.
Nenhuma delas tinha dinheiro, condição que podia fazer pender a balança posto que Júlio fosse indiferente nesse ponto. Tanto Luísa como Isabel eram filhas de funcionários públicos que apenas lhes deixavam um escasso montepio. Sem uma forte razão que fizesse pender a balança, era difícil a escolha naquela situação.
Alguma leitora dirá que por isso mesmo que eram de igual condição e que ele as não amava de coração, era fácil a escolha. Bastava-lhe fechar os olhos e agarrar a primeira que lhe ficasse à mão.
Erro manifesto.
Júlio podia e era capaz de fazer isso. Mas no mesmo instante que escolhesse Isabel ficava com pena de não ter escolhido Luísa, e vice-versa, donde se vê que a situação era para ele intricada.
Mais de uma vez levantou-se ele da cama com a resolução assentada:
— Vou pedir a mão da Luísa.
A resolução durava-lhe só até o almoço. Acabado o almoço, ia ver (pela última vez) Isabel e logo afrouxava com pena de a perder.
“Há de ser esta!” pensava ele.
E logo lembrava-se de Luísa e não escolhia nem uma nem outra.
Tal era a situação do nosso Júlio, quando se deu a cena que passo a referir no capítulo seguinte.