Casa Velha/III
Amor non inprobatur, escreveu o meu grande Santo Agostinho. A questão para ele, como para mim, é que as criaturas sejam amadas e amem em Deus. Assim , quando desconfiei, por aquele gesto, que esta moça e Félix eram namorados, não os condenei por isso, e para dizer tudo, confesso que tive um grande contentamento. Não sei bem explicá-lo; mas é certo que, sendo ali estranho, e vendo esta moça pela primeira vez, a impressão que recebi foi como se tratasse de amigos velhos. Pode ser que a simpatia da minha natureza explique tudo; pode ser também que esta moça, assim como fascinara o Félix para o amor, acabasse de fascinar-me para a amizade. Uma ou outra coisa, à escolha, a verdade é que fiquei satisfeito e os aprovei comigo.
Entretanto, adverti que da parte dele não vira nada, nem à mesa, nem na varanda, nada que mostrasse igual afeição. Dar-se-ia que só ela o amasse, não ele a ela? A hipótese afligiu-me. Achava-os tão ajustados um ao outro, que não acabarem ligados parecia-me uma violação da lei divina. Tais eram as reflexões que vim fazendo, quando dali voltei nesse dia, e para quem andava à cata de documentos políticos, não é de crer que semelhante preocupação fosse de grande peso; mas nem a alma de um homem é tão estreita que não caibam nela coisas contrárias, nem eu era tão historiador como presumira. Não escrevi a história que esperava; a que de lá trouxe é esta.
Não me foi difícil averiguar que o Félix amava a pequena. Logo nos primeiros dias pareceu-me outro, mais prazenteiro, e à mesa ou fora dela, pude apanhar alguns olhares, que diziam muito. Observei também que essa moça, tão criança, era inteiramente mulher quando os olhos dela encontravam os dele, como se o amor fosse a puberdade do espírito, e mais notei que, se toda a gente a tratava de um modo afetuoso, mas superior, ele tinha para com ela atenções e respeito.
Já então não ia eu ali todos os dias, mas três ou quatro vezes por semana. A dona da casa, posto que sempre afável, recebia a impressão natural da assiduidade, que vulgariza tudo. Os dois, não; o Félix vinha muitas vezes esperar-me a distância da casa, e na casa, ao portão, ou na varanda, achava sempre a mocinha, rindo pela boca e pelos olhos. É bem possível que eu fosse para eles como o traço de pena que liga duas palavras; é certo, porém, que gostavam de mim. Eu, entre ambos, com a minha batina (deixem-me confessar esta vaidade) tinha uns ares do bispo Cirilo entre Eudoro e Cimódoce.
Há de parecer singular que não me lembrasse logo do pedido de D. Antônia para que o filho me acompanhasse à Europa, e o não ligasse a este amor nascente: lembrei-me depois. A princípio, vendo a afeição com que ela tratava a mocinha, cuidei que os aprovava. Mais tarde, quando me recordei do pedido, acreditei que esse amor era para ela o remédio ao mal secreto do filho, se algum havia, que me não quisera revelar.
Durante os primeiros dias, depois da chegada de Lalau, nada aconteceu que mereça a pena contar aqui. Félix acompanhava-me no trabalho, mas interrompidamente, e às vezes, se saía a algum negócio da casa, só nos víamos à mesa do jantar. Lalau não ia à biblioteca; um dia, porém, atreveu-se a entrar às escondidas, e foi ter comigo. Suspendi o trabalho, e conversamos perto de meia hora, sobre uma infinidade de coisas, presentes e passadas. Era mais de onze horas; o dia estava quente, o ar parado, a casa silenciosa, salvo um ou outro mugido, ao longe, ou algum canto de passarinho. Eu, com os estudos clássicos que tivera, e a grande tendência idealista, dava a tudo a cor das minhas reminiscências e da minha índole, acrescendo que a própria realidade externa — antiquada e solene nos móveis e nos livros — recente e graciosa em Lalau — era propícia à transfiguração.
Deixei-me ir ao sabor do momento. Notem bem que ela às vezes ouvia mal, ou não sabia ouvir absolutamente, mas com os olhos vagos, pensando em outra coisa. Outras vezes interrompia-me para fazer um reparo inútil. Já disse também que tinha a conversação truncada e salteada. Com tudo isso, era interessante falar-lhe, e principalmente ouvi-la. Sabia, no meio das puerilidades freqüentes da palavra, não destoar nunca da consideração que me devia; e tanto era curiosa como franca.
— Teve medo? disse ela.
— Como é que a senhora entrou?
— Entrando; vi o senhor aqui, e vim muito devagar, pensando que não chegasse ao fim da sala, sem que o senhor me ouvisse, mas não ouviu nada, todo embebido no que está escrevendo. O que é?
— Coisas sérias.
— Nhãtônia disse que o senhor está aqui fazendo umas notas políticas para pôr num livro.
— Então se sabia como é que me perguntou?
Lalau encolheu os ombros.
— Fez mal, disse eu. Olhe que eu sou padre, posso pregar-lhe um sermão.
— O senhor prega sermões? por que não vem pregar aqui, na quaresma? Eu gosto muito de sermões. No ano passado, ouvi dois, na Igreja da Lapa, muito bonitos. Não me lembra o nome do padre. Eu, se fosse padre, havia de pregar também. Só não gosto dos latinórios; não entendo.
Falou assim, a trancos, uns bons cinco minutos; eu deixei-a ir, olhando só, vivendo daquela vida que jorrava dela, cristalina e fresca. No fim, Lalau sentou-se, mas não se conservou sentada mais de dois minutos, levantou-se outra vez para ir à janela, e tornou dentro para mirar os livros. Achou-os grandes demais; admirava como havia quem tivesse a paciência de os ler. E depois alguns eram tão velhos!
— Que tem que sejam velhos? retorqui. Deus é velho, e é a melhor leitura que há.
Lalau olhou espantada para mim. Provavelmente era a primeira vez que ouvia uma figura daquelas, e fez-lhe impressão. Teimou depois que os livros velhos pareciam-se com o antigo capelão da casa, o antecessor do Padre Mascarenhas, que andava sempre com a batina empoeirada, e tinha a cara feita de rugas. Consegüintemente vieram histórias do capelão. Em nenhuma delas, nem de outras entrava o Félix; exclusão que podia ser natural, mas que me não pareceu casual. Como eu lhe dissesse que não se deve mofar dos padres, ela ficou muito séria e atenta; depois rompeu, rindo:
— Mas não é do senhor.
— De mim ou de outro, é a mesma coisa.
— Ora, mas o outro era tão feio, tão lambuzão...
Disse-lhe, com as palavras que podia, que o padre é padre, qualquer que seja a aparência. Enquanto lhe falava, ela dava alguns passos de um lado para outro, cuido que para sentir o tapete debaixo dos pés; não o havia senão ali e na sala de visitas, fechada sempre. De quando em quando parava e olhava de cima as figuras desbotadas no chão; outras vezes deixava escorregar o pé, de propósito. Tinha o rasgo pueril de achar prazer em qualquer coisa.
— Está bom, está bom, disse-me ela finalmente, não precisa brigar comigo; não falo mais do capelão. Pode continuar o seu trabalho, vou-me embora.
— Não é preciso ir embora.
— Muito obrigada! Quer que fique olhando para as paredes, enquanto o senhor trabalha...
— Mas se eu não estou trabalhando! Olhe, se quer que eu não faça nada, sente-se um pouco, mas sente-se de uma vez.
Lalau sentou-se. A cadeira em que se sentou era uma velha cadeira de espaldar de couro lavrado, e pés em arco. Dali , olhava para fora, e o sol, entrando pela janela, vinha morrer-lhe aos pés. Para não estar em completo sossego, começou a brincar com os dedos; mas cessou logo, quando lhe perguntei, à queima-roupa, se se lembrava da mãe. As feições da moça perderam instantaneamente o ar alegre e descuidado; tudo o que havia nelas frívolo converteu-se em gravidade e compostura, e a criança desapareceu, para só deixar a mulher com a sua saudade filial.
Respondeu-me com uma pergunta. Como podia esquecê-la? Sim, senhor, lembrava-se dela, e muito, e rezava por ela todas as noites para que Deus lhe desse o céu. E com certeza estava no céu. Era boa como eu não podia imaginar, e ninguém foi nunca tão amiga dela, como a defunta. Não negava que Nhãtônia lhe queria muito, e tinha provas disso, e assim também as mais pessoas de casa; mas a mãe era outra coisa. A mãe morria por ela, e quase se pode dizer que foi assim mesmo, porque apanhou uma constipação, estando a tratá-la de uma febre, e ficou com uma tosse que nunca mais a deixou. O doutor negou, disse que a morte foi de outra coisa; ela, porém, desconfiou sempre que a doença da mãe começou dali. Tão boa que nem quis que ela a visse morrer, para não padecer mais do que padecia. Não pôde vê-la morrer, viu-a depois de morta, tão bonita! tão serena! parecia viva!
Aqui levou os dedos aos olhos; eu levantei-me e disse-lhe que mudássemos de conversa, que a mãe estava no céu, e que a vontade de Deus era mais que tudo. Lalau escutou-me com os olhos parados — ela que os trazia como um casal de borboletas —, e depois de alguns instantes de silêncio, continuou a falar da mãe, mas já não da morte, senão da vida, e particularmente da beleza. Não, eu não podia imaginar como a mãe era bonita; até parava gente na rua para vê-la. E descreveu-a toda, como podia, mostrando bem que as graças físicas da mãe, aos olhos dela, eram ainda uma qualidade moral, uma feição, alguma coisa especial e genuína que não possuíram nunca as outras mães.
— Deus que a chamou para si, disse-lhe eu, lá sabe por que é que o fez. Agora tratemos dos vivos. Ela está no céu, a senhora está aqui, ao pé de pessoas que a estimam...
— Oh! eu dava tudo para tê-la ao pé de mim, na nossa casinha da Cidade Nova! A casa era isto — continuou ela levantando as mãos abertas, diante do rosto, e marcando assim o tamanho de um palmo —, ainda me lembro bem, era nada, quase nada — não tinha lá tapetes nem dourados, mas mamãe era tão boa! tão boa! Coitada de mamãe!
— Olhe o sol! disse eu procurando desviar-lhe a atenção.
Com efeito, o sol, que ia subindo, começava a lamber-lhe a barra do vestido. Lalau olhou para o chão, quis recuar a cadeira, mas sentindo-a pesada, levantou-se e veio ter comigo; pedindo-me desculpa de tanta coisa que dissera, e não interessava a ninguém; e não me deu tempo de replicar, porque acrescentou logo outro pedido: — que não contasse nada a Nhãtônia.
— Por quê?
— Ela pode acreditar que eu disse isto, por não estar bem aqui, e eu estou muito bem aqui, muito bem.
Quis retê-la, mas a palavra não alcançou nada, e eu não podia pegar-lhe nas mãos. Deixei-a ir, e voltei às minha notas. Elas é que não voltaram a mim, por mais que tentasse buscá-las e transcrevê-las. Lalau ainda tornou à sala, daí a três ou quatro minutos, para reiterar o último pedido; prometi-lhe tudo o que quis. Depois, fitando-me bem, acrescentou que eu era padre, e não podia rir dela nem faltar à minha palavra.
— Rir? disse eu em tom de censura.
— Não se zangue comigo, acudiu sorrindo; digo isto porque sou muito medrosa e desconfiada.
E, rápida, como passarinho, deixou-me outra vez só. Desta vez não tornei às notas; fiquei passeando na longa sala, costeando as estantes, detendo-me para mirar os livros, mas realmente pensando em Lalau. A simpatia que me arrastava para ela complicava-se agora de veneração, diante daquela explosão de sensibilidade, que estava longe de esperar da parte de uma criatura tão travessa e pueril. Achei nessa saudade da mãe, tão viva, após longos anos, um documento de grande valor moral, pois a afeição que ali lhe mostravam, e o próprio contacto da opulência podiam naturalmente tê-la amortecido ou substituído. Nada disso; Lalau daria tudo para viver ao pé da mãe! Tudo? Pensei também no silêncio que me recomendou, medrosa de que a achassem ingrata, e este rasgo não me pareceu menos valioso que o outro: era claro que ela compreendia as induções possíveis de uma dor que persiste, a despeito dos carinhos com que cuidavam tê-la eliminado, e queria poupar aos seus benfeitores o amargor de crer que empregavam mal o benefício.
Pouco depois chegou o Félix. Veio falar-me, disse-me que tinha uma boa notícia, que ia mudar de roupa e voltava. Vinte minutos depois estava outra vez comigo, e confiava-me o plano de fazer-se eleger deputado.
— Até agora não tinha resolvido nada, mas acho que devo fazê-lo. Sigo a carreira de papai. Que, lhe parece, Reverendíssimo?
— Parece-me bem. Todas as carreiras são boas, exceto a do pecado. Também eu algum tempo, andei com fumaças de entrar na Câmara; mas não tinha recursos nem alianças políticas; desisti do emprego. E assim foi bom. Sou antes especulativo que ativo; gosto de escrever política, não de fazer política. Cada qual como Deus o fez. O senhor, se sair a seu pai, é que há de ser ativo, e bem ativo. A coisa é para breve?
Não me respondeu nada; tinha os olhos fora dali. Mas logo depois, advertido pelo silêncio:
— O quê? Ah! não é para já; estou arranjando as coisas. Estive com alguns amigos de papai, e parece que há furo. Como sabe há muitos desgostos contra o Regente... Se o Imperador já tivesse a idade de constituição é que era bom; ia-se embora o Regente e o resto... Pois é verdade, creio que sim... Entretanto, nunca tinha pensado nisto seriamente; mas as coisas são assim mesmo... Que acha?
— Acho que fez bem.
— Em todo o caso, peço-lhe segredo; não diga nada a mamãe.
— Crê que ela se oponha?
— Não; mas... pode ser que não se alcance nada, e para lhe não dar uma esperança que pode falhar... É só isto.
Era plausível a explicação; prometi-lhe não dizer nada. Creio que falamos ainda de política, e da política daqueles últimos dez anos, que não era pouca nem plácida. Félix não tinha certamente um plano de idéias, e apreciações originais; através das palavras dele, apalpava eu as fórmulas e os juízos do círculo ou das pessoas com quem ele lidava para o fim de encetar a carreira. Agora, a particularidade dele era ter a clareza e retidão de espírito precisas para só recolher do que ouvia a parte sã e justa, ou, pelo menos, a porção moderada. Nunca andaria nos extremos, qualquer que fosse o seu partido.
— Trabalhou muito hoje? perguntou-me ele quando nos preparávamos para jantar.
— Pouco; tive uma visita.
— Mamãe?
— Não; outra pessoa, Lalau, não é assim que lhe chamam? Esteve aqui uma meia hora. Podia estar três ou quatro horas que eu não dava por isso. Muito engraçada!
— Mamãe gosta muito dela, disse ele.
— Todos devem gostar dela; não é só engraçada, é boa, tem muito bom coração. Digo-lhe que pus de lado o Imperador, os Andradas, os Sete de Abril, pus tudo de lado só para ouvi-la falar. Tem coisas de criança, mas não é criança.
— Muito inteligente, não acha?
— Muito.
— De que falaram?
— De mil coisas, talvez duas mil; com ela é difícil contar os assuntos; vai de um para outro com tal rapidez que, se a gente não toma cuidado, cai no caminho. Sabe que idéia tive aqui, olhando para ela?
— Que foi?
— Casá-la.
— Casá-la? perguntou ele vivamente.
— Casá-la eu mesmo; ser eu o padre que a unisse ao escolhido do seu coração, quando ela o tivesse...
Félix não disse nada, sorriu acanhadamente, e, pela primeira vez, suspeitei que as intenções do rapaz podiam ser mui outras das que lhe supunha até então, que haveria nele, porventura em vez de um marido, um sedutor. Não alcanço exprimir como me doeu esta suposição. Ia tanto para a moça, que era já como se fosse minha irmã, o meu próprio sangue, que um estranho ia corromper e prostituir. Quis continuar a falar, para escrutar-lhe bem a alma; não pude, ele esquivou-se, e fiquei outra vez só. Nesse dia retirei-me um pouco mais cedo. D. Antônia achou-me preocupado, eu disse-lhe que tinha dor de cabeça.
As pessoas de meu temperamento entender-me-ão. Bastou que uma idéia se me afigurasse possível para que eu a acreditasse certa. Vi a menina perdida. Não houvera ali uma agregada, seduzida em 1835, por um saltimbanco, como me dissera D. Antônia? Agora não seria um saltimbanco, mas o próprio filho da dona da casa. E assim explicou-se-me a teima de D. Antônia em arredar o filho do Rio de Janeiro, comparada com a afeição que tinha à menina. Refleti na distância social que os separava; Lalau era admitida na intimidade da família, mas o rapaz, filho de ministro e aspirante a ministro, e mais que tudo filho de casa-grande, tendo herdado o sangue do bisavô, tão orgulhoso nas veias da mãe, reservar-se-ia para algum casamento de outra laia. Como, porém, ela era bonita, e a natureza tem leis diferentes da sociedade, e não menos imperiosas, Félix achara um modo de conciliar umas e outras, amando sem casar.
Tudo isso que fica aí em resumo, foram as minhas reflexões do resto do dia, e de uma parte da noite. Estava irritado contra o rapaz, temia por ela, e não atinava com o que cumpria fazer. Pareceu-me até que não devia fazer nada, ninguém me dava direito de presumir intenções e intervir nos negócios particulares de uma família que, de mais a mais, enchia-me de obséquios. Isto era verdade; mas, como eu quero dizer tudo, direi um segredo de consciência. Entre a verdade daquele conceito e o impulso do meu próprio coração, introduzi um princípio religioso, e disse a mim mesmo que era a caridade que me obrigava, que no Evangelho acharia um motivo anterior e superior a todas as convenções humanas. Esta dissimulação de mim para mim podia calá-la agora, que os acontecimentos lá vão, mas não daria uma parte da história que estou narrando, nem a explicaria bem.
Lalau não me saía da cabeça: as palavras dela, suas maneiras, ingenuidade e lágrimas acudiram-me em tropel à memória, e davam-me força para tenta dominar a situação e desviar o curso dos acontecimentos. No dia seguinte de manhã quis rir de mim mesmo e dos meus planos de D. Quixote, remédio heróico, porque é tal a risada do apupo que ninguém a tolera ainda em si mesmo; mas não consegui nada. A consciência ficou séria, e a contração do riso desmanchou-se diante da sua impassibilidade. Compus cinco ou seis planos diferentes, alguns absurdos. O melhor deles era avisar a tia da menina; mas rejeitei-o logo por achá-lo odioso. Em verdade, ia dissolver laços íntimos, a título de uma suspeita, que apenas podia explicar a mim mesmo. E, se era odioso, não era menos imprudente; podia supor-se que eu cedia a um sentimento pessoal e reprovado. Rejeitei da vista esta segunda razão, mas atirei-me à primeira, e dei de mão ao plano.
O melhor de tudo, refleti finalmente, é observar e fazer o que puder, segundo as circunstâncias, mas de modo que evite estralada.
Tinha de ir almoçar com um padre italiano, no Hospício de Jerusalém, o mesmo que me falara da obra florentina, e me dera ocasião de brilhar na Casa Velha. Fui almoçar; no fim do almoço, apareceu lá um recém-chegado, um missionário que vinha das partes da China e do Japão, e trazia muitas relíquias preciosas. Convidaram-me a vê-las. O missionário era lento na ação e derramado nas palavras, de modo que despendemos naquilo um tempo infinito, e saí de lá tão tarde que não pude ir nesse dia à Casa Velha. De noite, constipei-me, apanhei uma febre, e fiquei cinco dias de cama.