Casa Velha/VIII

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Não podia hesitar muito. Deixei de ir três dias à Casa Velha; fui depois, e convidei o Félix a vir jantar comigo no dia seguinte. Jantamos cedo, e fomos dali ao Passeio Público, que ficava perto de minha casa. No Passeio, disse-lhe:

— Sabe que sou seu amigo?

— Sei, respondeu ele franzindo a testa.

— Não se aflija; o que lhe vou dizer é antes bem que mal. Sei que estima sua mãe; ela o merece, não só por ser mãe, como porque, se alguma coisa faz que parece contrariá-lo, não o faz senão em benefício seu e da verdade.

Félix tornou a franzir a testa.

— Adivinho que há alguma coisa difícil de dizer que me há de mortificar. Vamos, diga depressa.

— Digo já, ainda que me custe. E creia que me custa, mas é preciso: esqueça aquela moça. Não me olhe assim; imagina talvez que estou finalmente nas mãos de sua mãe.

— Imagino.

— Antes fosse isso, porque então o senhor não atenderia a um nem a outro, e casaria, se lhe conviesse.

— E por que não farei isso mesmo?

— Não pode ser; não pode casar, esqueça-a, esqueça-a de uma vez para sempre. Deus é que o não quer, Deus ou o diabo, porque a primeira ação é do diabo; mas esqueça-a inteiramente. Seu pai foi um grande culpado...

Aqui ele pediu-me, aflito, que lhe contasse tudo. Custou-me, mas revelei-lhe a confidência da mãe. A impressão foi profunda e dolorosa, mas o sentimento do pudor e da religião pôde serená-la depressa. Quis prolongar a conversação; ele não o quis, não podia, e achei natural que não pudesse; pouco falou, distraído ou absorto, e despediu-se dali a alguns minutos.

Não foi para casa, como soube depois; foi andar, andar muito, revolvendo na memória as duras palavras que lhe disse. Só entrou em casa depois de oito horas da noite, e recolheu-se ao quarto. A mãe estava aflita: pressentira a minha revelação, e receou alguma imprudência; provavelmente arrependeu-se de tudo. Certo é que, logo que soube da chegada do filho, foi ter com ele; Félix não lhe disse nada, mas a expressão do rosto mostrou a D. Antônia o estado da alma. Félix queixou-se de dor de cabeça, e ficou só.

Foi ele mesmo que me contou tudo isso, no dia seguinte, indo a minha casa. Agradeceu-me ainda uma vez, mas queixou-se do singular silêncio da mãe. Expliquei-lho, a meu modo; era natural que lhe custasse a revelação, e não a fizesse antes de tentar qualquer outro meio.

— Seja como for, estou curado, disse ele. A noite fez-me bem. O sentimento que essa menina me inspirou converteu-se agora em outro, e creia que pela imaginação já me acostumei a chamá-la irmã; creia mais que acho nisto um sabor particular, talvez por ser filho único.

Apertei-lhe a mão, aprovando. Confesso que esperava menos pronta conformidade. Cuidei que tivesse de assistir a muito desespero, e até lágrimas. Tanto melhor. Ele, depois de alguns instantes, consultou-me se acharia prudente revelar tudo à moça; também eu já tinha pensado nisso, e não resolvera nada. Era difícil; mas não achava modo de não ser assim mesmo. Depois de algum exame, assentamos de não dizer nada, salvo em último caso.

Os dias que se seguiram foram naturalmente de constrangimento. Os hóspedes de D. Antônia notaram alguma coisa na família, que não era habitual; e a baronesa resolveu voltar para a fazenda, logo depois da festa da Glória. Sinhazinha é que não sei se reparou em alguma coisa; continuava a ter os mesmos modos do primeiro dia. A idéia de casá-la com o filho de D. Antônia entrou a parecer-me natural, e até indispensável. Conversei com ela; vi que era inteligente, dócil e meiga, ainda que fria; assim parecia, ao menos. Casaria com ele, ou com outro, à vontade da avó. No dia 15, devia ir Lalau para a casa, e eu, que o sabia, lá não fui, apesar do convite especial que tivera para jantar. Não fui, não tive ânimo de ver o primeiro encontro da alegria expansiva e ruidosa da moça com a frieza e o afastamento do rapaz. Deixei de lá ir cinco dias; apareci a 20 de agosto.