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Casa de Pensão/XX

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O acidente de Amâncio causou enorme impressão nos seus conhecidos. Campos, ao receber a notícia, ficou fulminado e atirou-se no mesmo instante para a casa de correção, sem mais se lembrar de que nesse dia estava cheio de serviço até os olhos.

Seu primeiro ímpeto foi de repreender severamente o culpado, verberar-lhe com energia a "ação indigna" que acabava de praticar; mas pouco depois, veio-lhe uma grande comiseração. "Porque, enfim, coitado, o pobre moço ainda era muito criança... naturalmente fraco... e daí... Quem sabia lá o que teriam feito para o precipitar naquele crime?..."

Sem saber por que, afigurava-se-lhe que o papel de vítima cabia mais a Amâncio do que a Coqueiro. Este surgia-lhe agora à imaginação, como que um Satanás de mágica que deixou de fugir de repente, pelo alçapão do teatro, com a sua túnica de bom velho peregrino. Seria até capaz de jurar que, a despeito do disfarce, já de muito lhe havia bispado a saliência dos cornos diabólicos por debaixo do religioso capuz. E pequeninos fatos, que até aí jaziam dispersos e abandonados no seu espírito, vinham, acordado de repente, justificar semelhante transformação.

— Sim! Já em certa época descobrira em Coqueiro tais e tais sintomas de hipocrisia; ouvia-lhe tais e tais frases que o fizeram desconfiar de seu caráter!... Não tinha que ver! — Já lá estavam as tais pontas diabólicas a espetar o capuz!

E arrependia-se de não haver em tempo desviado o pobre Amâncio daquele perigo: — Andara mal! Devia preveni-lo... devia ter dado qualquer providência a esse respeito!...

E voltando-se contra si:

— Mas, onde diabo tinha eu esta cabeça, para não ver logo que um homem — que se casa especulativamente com uma velha do feitio de Mme. Brizard; um homem que consente à irmã receber presentes e mais presentes de um estranho; um homem que especula com tudo e com todos, um maroto! — não se mostraria tão agarrado ao rapaz, senão com o propósito firme de lhe pregar alguma?!... Oh! andei mal! ande mal, como um pedaço de asno!...

E apressou-se a socorrer a "pobre vítima".

— Ainda se houvesse a hipótese de uma fiança... reconsiderava ele, já em caminho da detenção. — Mas qual! Dr. Tavares, que lhe levara ao escritório a notícia do escândalo, dissera-lhe que "o crime era inafiançável e que por conseguinte não se podia evitar a prisão!" — Infeliz moço! infeliz moço! resmungava Campos, quase chorando. — Antes nunca ele viesse ao Rio de Janeiro! — Que demônio hei de eu agora escrever à família?... E a pobre D. Ângela! Coitada, como não ficará, quando, em vez do filho, receber a notícia de tanta desgraça?!... Valha-me Deus!

E foi nesse estado que Campos chegou à Casa de Correção da Rua do Conde.

Hortênsia não ficou menos impressionada; ao saber do caso empalideceu extraordinariamente e começou a tremer toda. Desde então se tornou apreensiva e nervosa de um modo lastimável; tinha pesadelos, ataques de choro, ameaças de febres e um fastio enorme.

Carlotinha, que se achava nessa ocasião de passeio em casa das Fonsecas de Catumbi, foi logo reclamada a lhe fazer companhia.

Em casa do negociante quase se não falava de outra coisa que não fosse o processo de Amâncio; pareciam todos empenhados com o mesmo ardor na sorte do "pobre rapaz". Os caixeiros murmuravam pelos cantos do armazém e os criados, sempre desejosos de merecer a atenção dos amos, traziam da rua os comentários que ouviam ou que inventavam sobre o fato.

E o escândalo, como um líquido derramado, ia escorrendo pelas ruas, pelos becos, penetrando por aqui e por ali, invadindo as repartições públicas, os escritórios comerciais, as redações das folhas e as casas particulares.

Os jornais começavam a explorá-lo.

Na Academia de Medicina e na Escola Politécnica levantavam-se partidos. João Coqueiro bem poucos colegas tinha de seu lado; nem só porque lhe cabia na questão o papel, sempre mais antipático, de agressor, como em virtude de seu gênio insociável e seco. Antigos ressentimentos que pareciam esquecidos, ressurgiam agora, aproveitando a ocasião para tirar vinganças; daí — opiniões mal intencionadas; comentários atrevidos sobre a conduta de Amélia, sobre o caráter mercantil de Mme. Brizard, sobre as velhas brejeirices do Rua do Resende. Uns se contentavam em fazer conjecturas, outros, porém, tiravam conclusões, e alguns iam ainda mais longe, contando fatos: "Em tal baile do Mozart", dizia um quartanista de medicina, "estava com a irmã de Coqueiro, dançara com ela duas valsas e desde então ficara sabendo que força era a tal bichinha!..." E seguiam-se pormenores degradantes e revelações descaradas.

Este, sustentava que João Coqueiro sabia perfeitamente de tudo que lhe ia por casa e que era até o primeiro a mercadejar com a irmã, como seria capaz de fazer com a própria mulher, se houvesse um homem de bastante coragem para afrontar aquele dragão! Este outro afirmava que ele não se lamberia com a proteção do carola Teles de Moura, se não fossem as legendárias relações de Mme. Brizard com o falecido Cônego Muniz, ex-redator de um jornal católico.

E choviam as insimulações, as denúncias: "Coqueiro era um hipócrita, um jesuíta! — Fingia-se muito devoto na escola para agradar ao professor Fulano; defendia a escravidão e a monarquia para lisonjear Beltrano; — se entrava numa pândega com os companheiros, no outro dia punha-se a dizer que só ele não se embebedara e não fizera papel triste! — se lhe tocavam em mulheres, o velhaco abaixava os olhos e ficava todo estomagado, e, debaixo da capa de santarrão, ia fazendo das suas! — Era um cão! um tartufo!

Toda essa má vontade contra João Coqueiro redundava em benefício de Amâncio, por quem alguns estudantes pareciam sentir verdadeiro entusiasmo. Na Faculdade de Medicina não se encontrava um só rapaz a favor daquele; ao passo que este tinha por si quase toda a Politécnica. Nas duas escolas falava-se muito em "exploração, em roubo, em piratagem". A cifra dos bens de Amâncio, à medida que passava de boca a boca, ia tomando proporções fabulosas, faziam-na de mil, quatro mil, dez mil contos de réis. Paiva era agora requestado pelos colegas, como um boletim sanitário que traz os últimos telegramas da guerra. Por saberem de sua intimidade com o réu e das visitas cotidianas que ele fazia à casa de correção, não o largavam um só instante; cercavam-no, cobriam-no de perguntas: "Como estava Amâncio, se triste, abatido, desesperançado, ou se alegre, indiferente, risonho?!... E a tal Amelinha dos camarões?... que fazia? como se portava no negócio? — ia visitar o amante? escrevia-lhe? aparecia a alguém? comprazia-se com a desdita do preso ou era solidária nos sofrimentos dele?"

Paiva respondia para todos os lados, não tinha mãos a medir; os espíritos, porém, longe de se acalmarem com isso, mais se sofregavam e acendiam. A impaciência tomava o lugar da curiosidade: um sobressalto febril, de jogo, preava o coração dos estudantes; os ânimos palpitavam na expectativa de um desfecho escandaloso. Previam-se, com arrepios de gozo antecipado, o impudico espetáculo dos depoimentos, as brutais declarações dos médicos e todo o cortejo descomposto de um júri de desfloramento.

O artigo 222 do Código Criminal lá estava pairando nos ares, cínico e espetaculoso como o flammeum de Nero no banquete de Tigelino.



Campos, entretanto, não podia descansar com a idéia daquela desgraça. Abandonava tudo, esquecia os próprios interesses para correr às bancas dos advogados, consultando, propondo defesas; mais tonto, mais aflito do que se tratasse de salvar um filho.

A situação relacionara-o com Dr. Tavares, o qual, um pouco em represália a Coqueiro por havê-lo despedido de casa, sem as explicações devidas ao seu alto merecimento, e um pouco talvez na esperança de lucros pecuniários, mostrava-se ferozmente empenhado na questão. Nunca esteve tão verboso, tão cheio de entusiasmo e tão fecundo em citações latinas. Viam-no, a cada passo, em todos os grupos da Rua do Ouvidor, berrando, gesticulando sobre o assunto, como se tudo aquilo lhe tocasse diretamente.

— É incontestável, exclamara ele a quem lhe caía nas garras — é incontestável que Amâncio foi vítima de uma arbitrariedade! E esse delegado das dúzias que, sem mais nem menos, o mandou recolher à prisão — prevaricou! Prevaricou, principalmente porque Amâncio nada mais fez do que desflorar mulher virgem maior de dezessete anos, o que, perante a nossa lei, não constitui crime! Por conseguinte, a prisão preventiva não devia ser efetuada!

E a sua voz, aguda e sistemática, repetindo a frase friamente obscena da lei, causava no auditório o efeito vexativo que nos produz um cadáver nu.

Hortênsia já se escondia no quarto, quando o maçante se lhe pespegava em casa.

— Ah! Ele havia de mostrar a esses advogadozinhos de meia tigela, os quais, mal surge um processo andam a oferecer-se como protetores de qualquer uma das partes e acabam sempre por comprometer a causa! — Ele havia de mostrar o que é dignidade e retidão na justiça! E, se não tivesse outro meio escreveria uma série de artigos quer os poria a todos na rua da amargura! Campos, havia de ver!

E, chegando-se para este, em atitude misteriosa:

— Mas o senhor, justamente, é quem me podia ajudar se quisesse!...

— Ajudá-lo?

— Sim! Nós dois, brincando, dávamos cabo da panelinha de Coqueiro! Que julga? Sei tudo! Vi — com estes olhos! Sei, melhor que ninguém, como se armou a cilada ao pobre moço!

Campos declarou que, em benefício de Amâncio, estava pronto a fazer o que fosse preciso.

— Encarrega-se da publicação dos artigos?! exclamou o advogado.

— Pago-os até a quem os fizer... disse Campos — contanto que isso aproveite o rapaz! Todo o meu desejo é livrá-lo o mais depressa possível! É uma questão de consciência!

— Pois então, meu caro amigo, pode escrever que, ou o seu protegido não sofrerá o menor desgosto ou leva o diabo a caranguejola desta justiça de borra! Sou eu quem o afirma! Amanhã mesmo trago-lhe o primeiro artigo! Verá!

— Está dito!

Mas, nesse mesmo dia, quando Campos se dispunha a sair de casa, para ir entender-se com Saldanha Marinho que parecia resolvido a tomar a causa de Amâncio, entregaram-lhe uma carta.

Era de Coqueiro e dizia simplesmente: "Para que V. S. não continue iludido e não se sacrifique por quem não lhe merece mais do que o desprezo, junto remeto-lhe um documento que nos torna quase companheiros de infortúnio e que lhe dará uma idéia justa do caráter desse moço perverso, cuja intenção ao lado de sua família era desonrá-la como desonrou a minha!"

O negociante desdobrou, a tremer, o papel que vinha incluso e leu aquela célebre carta subtraída por Amélia alguns tempos antes.

Não quis acreditar logo no que via escrito. Uma nuvem passara-lhe diante dos olhos. "Mas não havia dúvida! Era a letra de Amâncio, era a letra daquele miserável, por quem ele ultimamente passara dias tão penosos!"

— Que ingratidão! E Campos que o tinha na conta de um rapaz honesto!... Como vivera iludido!... Agora, dava toda a razão a Coqueiro! Calculava já o que não teria feito o biltre na casa de pensão!

As tais pontas de mefistofélico iam desaparecendo da cabeça do irmão de Amélia para se revelarem na cabeça de Amâncio.

— E Hortênsia?! gritou-lhe de surpresa o coração.

— Ah! Por esse lado estava tranquilo!... Por ela meteria a mão no fogo! — Demais, o teor da carta bem claro mostrava que o infame não conseguiria seus lúbricos desígnios! — no desespero brutal palavras via-se indubitavelmente que a "virtuosa senhora" fechara ouvidos ao malvado!

Mas, como se podia conceber tanta perversidade e tanta hipocrisia em uma criatura de vinte e poucos anos?!... E lembrar-se Campos de que, ainda naquela manhã, nem conseguira almoçar direito, de tão preocupado que estava com o destino de semelhante cachorro!...

Agora, nem de longe queria ouvir falar de Amâncio ou do que este se referisse. As suas boas intenções sobre o rapaz fugiram de um só vôo e o coração esvaziou-se-lhe de repente, como um pombal abandonado.

Mas ainda lá ficou uma idéia branda e compassiva que respeitava ao ingrato; ainda lá ficou uma mesquinha pomba esquecida, que já não tinha forças para acompanhar a revoada das companheiras — era a comiseração inspirada pela mãe do criminoso. Essa ficou.

— Que desgraça da infeliz senhora! possuir um filho daquela espécie!

E Campos, com as mãos cruzadas atrás, encaminhouse lentamente para o segundo andar, em busca da mulher.

Não a acusou; não lhe fez de leve uma pergunta de desconfiança; apenas disse, pondo-lhe a carta defronte dos olhos:

— Mira-te neste espelho!

Hortênsia ficou lívida.

— Vê tu em que eu me metia!... acrescentou ele. — Defender aquele miserável! Calculo quanto não te incomodaste, minha santa!

E beijou-a na testa.

Ela sacudiu os ombros numa expressão de confiança na própria virtude: — O marido a conhecia bem, para que pudesse recear uma deslealdade de sua parte!

Logo, porém, que lhe escapou da presença, sentiu uma grande vontade de chorar. Correu ao quarto, fechou-se por dentro, e atirou-se à cama, abafando os soluços com os travesseiros que se inundavam.



Era um desespero nervoso, uma estranha mágoa por alguma coisa que ela podia determinar o que fosse, mas que só se abrandava com aquela orgia de lágrimas. Sentia gosto em vertê-las, abundantes, fartas, como se as derramasse no fogo que a devorava.

Não obstante, ao receber aquela carta, ainda lhe sobejara coragem para responder, sem afrouxar nos seus princípios de honestidade; mais, agora, uma súbita transformação ganhava-lhe os sentidos e parecia chamar-lhe à cabeça as ondas quentes de seu sangue revolucionado.

— E quem não se revoltaria, pensava Hortênsia — defronte da sorte tão contrária do lastimável moço, cujo grande crime consistia apenas no muito amor que ela lhe inspirara?... Ah! Era isso decerto o que a enchia de aflição e desalento! — era a desgraça dessa pobre criatura, contra a qual tudo parecia conspirar como se um gênio fantástico e mau a perseguisse! Que seria agora do mísero, sem a proteção de Campos?... Que seria do desgraçado, sem esse último companheiro que lhe restava no meio de tamanhas lutas?...

Violou uma donzela, é verdade! Mas deveriam responsabilizá-lo por isso?... Seria ele o verdadeiro culpado ou simplesmente uma vítima?... Falava-se tanto nos costumes de toda aquela gente de Coqueiro!... rosnavam com tanta insistência sobre os planos, os cálculos, as armadilhas tramadas ao dinheiro do rapaz!... De que lado estaria a razão?... E, quando se revoltassem todos contra o infeliz, teria ela, Hortênsia, o direito de fazer o mesmo?... Não lhe caberia grande parte na culpa que o acusavam? não poderia ela, só ela, ter evitado aquilo tudo com uma simples palavra de amor?... Por que, afinal o que lançou Amâncio nos braços da tal rapariga?... Foi a paixão? foi a beleza? foi o talento? — não! foi unicamente o despeito! foi o delírio, o desespero de um coração repudiado! — Sim, sim! Tudo aquilo sucedera, porque ela o repelira; porque ela, a imprudente, fechara-lhe os braços, quando o desgraçado, louco de paixão, lhe suplicava por tudo um bocado de amor, um pouco de caridade!...

Antes tivesse cedido!...

E embravecia-lhe o pranto. — Antes tivesse, porque, se assim fosse, o pobre moço, com certeza, não pensaria na outra! — Mas o infeliz, coitado! viu-se aflito, enraivecido, sofrendo, sabe Deus o quê! e sucumbiu, ora essa! sucumbiu por desalento, talvez por vingança, talvez por não ter outro remédio! — Não! definitivamente sentia muito pena daquele desditoso rapaz!

Amava-o agora. Seu espírito atrasado e muito brasileiro descobria nele uma vítima de fatalidades amorosas, e esse prisma romântico emprestava ao estudante uma irresistível simpatia de tristeza, uma deliciosa atração de desgraça.

Hortênsia sonhava-o "pálido, melancólico, desprezado no fundo de uma prisão, tendo por leito — um catre abominável, por única luz — uma trêmula aresta do sol que se filtrava pelas grades negras do cárcere".

E aquela encantadora figura do prisioneiro, com a cabeça languidamente apoiada nas mãos, os olhos úmidos de pranto, os cabelos em desalinho, sobre a fronte — a penetrava toda, enchia-lhe o coração, num aflitivo transbordamento de lágrimas.

— Oh! Aquela adorável figura de vinte anos sofria tudo aquilo porque a amava! — porque uma paixão insensata lhe entrara no peito; sofria porque Hortênsia recusara os beijos que o desventurado lhe pedira com tanta febre e com tanta ansiedade.

Pobre moço! Pobres vinte anos! dizia ela quase com as mesmas frases do marido. — Mas por que se haviam de ter vistos?... por que se haviam de amar?...

E a mulher de Campos, que até aí não sentira dificuldade em resistir às seduções do estudante, agora, fascinada pela dramatização daquela catástrofe que o heroificava, via-o belo, indispensável, grande na sua situação especial, conhecido das mulheres, temido e odiado dos homens, vivendo na curiosidade do público, percorrendo todas as fantasias, sobressaltando todos os corações.

E o contraste da sofredora condição em que o via presentemente com as atitudes brilhantes que ele outrora estadeara naquela própria casa, quando, de taça em punho, espargia a sua bela palavra quente e sonora, prendendo a atenção de velhos e moços, dominando, conquistando — esse contraste ainda mais a arrebatava para ele com toda a violência de uma alucinação.

Não mais se possui — um desgosto mofino apoderou-se dela; ficou insociável e muito triste; entregou-se a longas leituras místicas, acompanhando com interesse amores infelizes, lentos martírios da alma, que só terminavam no esquecimento da morte ou do claustro. Decorou entre lágrimas a carta do réu.

— Como ele me amava! dizia soluçando — como ele sofria, quando arrancou do coração estas palavras, ainda quentes do seu sangue!

De sorte que, ao lhe comunicar o marido a resolução de escrever a Amâncio, remetendo-lhe a terrível carta denunciadora e prevenindo-o de que lhe retirava a sua amizade, ela, com uma agonia a sufocá-la, resolveu também escrever ao moço uma carta que servisse, ao menos, para suavizar o golpe da outra.



O estudante, no dia seguinte, recebia na prisão as duas cartas.

Não se pode determinar qual delas o surpreendeu mais; notando-se, porém, que a de Campos produziu completo o efeito a que se propunha; ao passo que a outra, em vez de o consolar, enraiveceu-o.

— Pois aquela mulher ainda não estava satisfeita e queria insistir nas suas provocações?... Ela talvez fosse a culpada única de tudo que de mau lhe acontecera! — A coisas não tomariam decerto o mesmo caminho, se a maldita não lhe fizesse as negaças que fez e não lhe acordasse desejos que se não podiam saciar! — E agora?... além de perder a amizade de Campos, justamente quando mais precisava dela, havia de suportar a prosa lírica da Sr.ª D. Hortênsia!... "Que estava arrependida, que o adorava, que seria capaz de tudo por lhe dar um momento de ventura e que o esperava de braços abertos, logo que ele se achasse em liberdade."

Fosse para o inferno com as suas adorações! Diabo da pamonha! "Que o esperava de braços abertos!" Era quanto podia ser! Aquilo até lhe cheirava a debique! Aquilo parecia um insulto a sua desgraça, a sua terrível posição!

E chorava, o infeliz, chorava como se quisesse vingar nas lágrimas.

Depois da carta de Hortênsia, a vida se lhe fazia mais escura e mais apertada entre as paredes da sua prisão. Quase que já não podia aguentar a presença de Paiva, de Simões e de alguns outros colegas que lá iam. No meio das sombras, progressivamente acentuadas em torno dele, só a imagem tranquila e doce de sua mãe permanecia com a mesma consoladora suavidade; sempre aquela mesma carinhosa figura de cabelos brancos, aquele corpo fraco, vergado e tão mesquinho que parecia pequeno demais para sustentar tamanho amor.

— Minha mãe! Minha santa mãe! exclamava o preso, quando seu espírito, esfalfado pelas desilusões, precisava remancear ao abrigo morno e quieto de um bom pensamento.

— Minha santa mãe!