Cegonhas e Rodovalhos
Salve, rei dos mortaes, Sempronio invicto,
Tu que estreaste nas romanas mesas
O rodovalho fresco e a saborosa
Pedi-rubra cegonha!
Desentranhando os marmores de Phrugia,
Ou já rompendo ao bronze o escuro seio,
Justo era que mandasse a mão do artista
Teu nobre rosto aos evos.
Porque fosses maior aos olhos pasmos
Das nações do Universo, ó pai dos môlhos,
Ó pai das comesainas, em crear-te
Teu seculo esfalfou-se.
A tua vinda ao mundo preparárão
Os destinos, e acaso amiga estrella
Ao primeiro vagido de teus labios
Entre nuvens luzia.
Antes de ti, no seu vulgar instincto,
Que comião Romanos? Carne insossa
Dos seus rebanhos vis, e uns pobres fructos,
Pasto bem digno d'elles;
A escudella de páo outr'ora ornava,
Com o saleiro antigo, a mesa rustica,
A mesa em que, tres seculos contados,
Comêrão senadores.
E quando, por salvar a patria em risco,
Os velhos se ajuntavão, quantas vezes
O cheiro do alho enchia a antiga curia,
O portico sombrio,
Onde vencidos reis o chão beijavão;
Quantas, deixando em meio a mal cozida,
A sem sabor chanfana, ião de um salto
Á conquista do mundo!
Ao voltar dos combates, vencedores,
Carga de gloria a náo trazia ao porto,
Reis vencidos, tetrarcas subjugados,
E rasgadas bandeiras....
Illudião-se os miseros! Bem hajas,
Bem hajas tu, grande homem, que trouxeste
Na tua ovante barca á ingrata Roma
Cegonhas, rodovalhos!
Maior que esse marujo que estripava,
Co' o rijo arpéo, as náos carthaginezas,
Tu, Sempronio, co'as redes apanhavas
Ouriçado marisco;
Tu, glotão vencedor, cingida a fronte
Co'o verde myrtho, a terra percorreste,
Por encontrar os fartos, os gulosos
Ninhos de finos passaros.
Roma desconheceu teu genio, ó Rufo!
Dizem até (vergonha!) que negára
Aos teimosos desejos que nutrias
O voto da pretura.
Mas a ti, que te importa a voz da turba ?
Ephemero rumor que o vento leva
Como a vaga do mar. Não, não raiarão
Os teus melhores dias.
Viráõ, quando aspirar a invicta Roma
As preguiçosas brizas do oriente;
Quando co'a mitra d'ouro, o descorado,
O cidadão romano,
Pelo fôro arrastar o tardo passo
E sacudir da toga roçagante,
Ás virações os tepidos perfumes
Como um satrapa assyrio.
Viráõ, viráõ, quando na escura noite
A orgia imperial encher o espaço
De viva luz, e embalsamar as ondas
Com os seus bafos quentes;
Então do somno acordarás, e a sombra,
A tua sacra sombra irá pairando
Ao ruido das musicas nocturnas
Nas rochas de Capréa.
Ó martyr dos festins! Queres vingança?
Têl-a-has e á farta, á tua gran memoria;
Vinga-te o luxo que domina a Italia;
Resurgirás ovante
Ao dia em que na mesa dos Romanos
Vier pompear o javali sylvestre,
Prato a que der os finos môlhos Troya
E rouxinol as linguas.