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Codigo Criminal do Imperio do Brazil/Parte Primeira/I

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Parte Primeira

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Dos Crimes, e das Penas.

Capítulo I

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Dos Crimes, e dos Criminosos.

Artigo 1º

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Não haverá crime, ou delicto (palavras synonimas neste Codigo) sem uma Lei anterior, que o qualifique.

Artigo 2º

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Julgar-se-ha crime, ou delicto

I. Toda a acção, ou omissão voluntaria contraria ás Leis penaes.

II. A tentativa do crime, quando fôr manifestada por actos exteriores, e principio de execução, que não teve effeito por circumstancias independentes da vontade do delinquente.

Não será punida a tentativa de crime ao qual não esteja imposta maior pena, que a de dous mezes de prisão simples, ou de desterro para fóra da Comarca.

III. O abuso de poder, que consiste no uso do poder (conferido por Lei) contra os interesses publicos, ou em prejuizo de particulares, sem que a utilidade publica o exija.

IV. A ameaça de fazer algum mal a alguem.

Artigo 3º

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Não haverá criminoso, ou delinquente, sem má fé, isto é, sem conhecimento do mal, e intenção de o praticar.

Artigo 4º

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São criminosos, como autores, os que commetterem, constrangerem, ou mandarem alguem commetter crimes.

Artigo 5º

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São criminosos, como complices, todos os mais, que directamente concorrerem para se commetter crimes.

Artigo 6º

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Serão tambem considerados complices

I. Os que receberem, occultarem ou comprarem cousas obtidas por meios criminosos, sabendo que o foram, ou devendo sabel-o em razão da qualidade, ou condição das pessoas, de quem as receberam, ou compraram.

II. Os que derem asylo, ou prestarem sua casa para reunião de assassinos, ou roubadores, tendo conhecimento de que commettem, ou pretendem commetter taes crimes.

Artigo 7º

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Nos delictos de abuso da liberdade de communicar os pensamentos, são criminosos, e por isso responsaveis

I. O impressor, gravador, ou lithographo, os quaes ficarão isentos de responsabilidade, mostrando por escripto obrigação de responsabilidade do editor, sendo este pessoa conhecida, residente no Brazil, que esteja no gozo dos Direitos Politicos; salvo quando escrever em causa propria, caso em que se não exige esta ultima qualidade.

II. O editor, que se obrigou, o qual ficará isento de responsabilidade, mostrando obrigação, pela qual o autor se responsabilise, tendo este as mesmas qualidades exigidas no editor, para escusar o impressor.

III. O autor, que se obrigou.

IV. O vendedor, e o que fizer distribuir os impressos, ou gravuras, quando não constar quem é o impressor, ou este fôr residente em paiz estrangeiro, ou quando os impressos, e gravuras já tiverem sido condemnados por abuso, e mandados supprimir.

V. Os que communicarem por mais de quinze pessoas os escriptos não impressos, senão provarem, quem é o autor, e que circularam com o seu consentimento: provando estes requesitos, será responsavel sómente o autor.

Artigo 8º

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Nestes delictos não se dá complicidade; e para o seu julgamento os escriptos, e discursos, em que forem commettidos, serão interpretados segundo as regras de boa hermeneutica, e não por phrazes isoladas, e deslocadas.

Artigo 9º

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Não se julgarão criminosos

I. Os que imprimirem, e de qualquer modo fizerem circular as opiniões, e os discursos, enunciados pelos Senadores, ou Deputados no exercicio de suas funcções, com tanto que não sejam alterados essensialmente na substancia.

II. Os que fizerem analyses razoaveis dos principios, e usos religiosos.

3º Os que fizerem analyses rasoaveis da Constituição, não se atacando as suas bases fundamentaes; e das Leis existentes, não se provocando a desobediencia á ellas.

4º Os que censurarem os actos do Governo, e da Publica Administração, em termos, posto que vigorosos, decentes, e comedidos.

Artigo 10

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Tambem não se julgarão criminosos

I. Os menores de quatorze annos.

II. Os loucos de todo o genero, salvo se tiverem lucidos intervallos, e nelles commetterem o crime.

III. Os que commetterem crimes violentados por força, ou por medo irresistiveis.

IV. Os que commetterem crimes casualmente no exercicio, ou pratica de qualquer acto licito, feito com a tenção ordinaria.

Artigo 11

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Posto que os mencionados no artigo antecedente não possam ser punidos, os seus bens comtudo serão sujeitos á satisfação do mal causado.

Artigo 12

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Os loucos que tiverem commettido crimes, serão recolhidos ás casas para elles destinadas, ou entregues ás suas familias, como ao Juiz parecer mais conveniente.

Artigo 13

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Se se provar que os menores de quatorze annos, que tiverem commettido crimes, obraram com discernimento, deverão ser recolhidos ás casas de correção, pelo tempo que ao Juiz parecer, com tanto que o recolhimento não exceda á idade de dezasete annos.

Capítulo II

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Dos Crimes Justificaveis.

Artigo 14

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Será o crime justificavel, e não terá lugar a punição delle:

I. Quando fôr feito pelo delinquente para evitar mal maior.

Para que o crime seja justificavel neste caso, deverão intervir conjunctamente a favor do delinquente os seguintes requisitos: 1º Certeza do mal, que se propôz evitar: 2º Falta absoluta de outro meio menos prejudicial: 3º Probabilidade da efficacia do que se empregou.

II. Quando fôr feito em defeza da propria pessoa, ou de seus direitos.

III. Quando fôr feito em defeza da familia do delinquente.

Para que o crime seja justificavel nestes dous casos, deverão intervir conjunctamente os seguintes requisitos: 1.º Certeza do mal, que os delinquentes se propozeram evitar: 2.º Falta absoluta de outro meio menos prejudicial; 3.º O não ter havido da parte delles, ou de suas familias provocação, ou delicto, que occasionasse o conflicto.

Quando fôr feito em defeza da pessoa de um terceiro.

Para que o crime seja justificavel neste caso, deverão intervir conjunctamente a favor do delinquente os seguintes requisitos: 1.º Certeza do mal, que se propôz evitar: 2.º Que este fosse maior, ou pelo menos igual ao que se causou: 3.º Falta absoluta de outro meio menos prejudicial: 4.º Probabilidade da efficacia do que se empregou.

Reputar-se-ha feito em propria defeza, ou de um terceiro, o mal causado na repulsa dos que de noite entrarem, ou tentarem entrar nas casas, em que alguem morar, ou estiver, ou nos edificios, ou pateos fechados a ellas pertencentes, não sendo nos casos em que a Lei o permitte.

V. Quando fôr feito em resistencia á execução de ordens illegaes, não se excedendo os meios necessarios para impedil-a.

VI. Quando o mal consistir no castigo moderado, que os pais derem a seus filhos, os senhores a seus escravos, e os mestres a seus discipulos; ou desse castigo resultar, uma vez que a qualidade delle, não seja contraria ás Leis em vigor.

Capítulo III

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Das Circumstancias Aggravantes, e Attenuante dos Crimes.

Artigo 15

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As circumstancias aggravantes, e attenuantes dos crimes influirão na aggravação, ou attenuação das penas, com que hão de ser punidos dentro dos limites prescriptos na Lei.

Seção I

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Artigo 16

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São circumstancias agravantes

I. Ter o delinquente commettido o crime de noite, ou em lugar ermo.

II. Ter o delinquente commettido o crime com veneno, incendio, ou inundação.

III. Ter o delinquente reincidido em delicto da mesma natureza.

IV. Ter sido o delinquente impellido por um motivo reprovado, ou frivolo.

V. Ter o delinquente faltado ao respeito devido á idade do offendido, quando este fôr mais velho, tanto que possa ser seu pai.

VI. Haver no delinquente superioridade em sexo, forças, ou armas, de maneira que o offendido não pudesse defender-se com probabilidade de repellir a offensa.

VII. Haver no offendido a qualidade de ascendente, mestre, ou superior do delinquente, ou qualquer outra, que o constitua á respeito deste em razão de pai.

VIII. Dar-se no delinquente a premeditação, isto é, designio formado antes da acção de offender individuo certo, ou incerto.

Haverá premeditação quando entre o designio e a acção decorrerem mais de vinte e quatro horas.

IX. Ter o delinquente procedido com fraude.

X. Ter o delinquente commettido o crime com abuso da confiança nelle posta.

XI. Ter o delinquente commettido o crime por paga, ou esperança de alguma recompensa.

XII. Ter precedido ao crime a emboscada, por ter o delinquente esperado o offendido em um, ou diversos lugares.

XIII. Ter havido arrombamento para a perpetração do crime.

XIV. Ter havido entrada, ou tentativa para entrar em casa do offendido com intento de commetter o crime.

XV. Ter sido o crime commettido com surpresa.

XVI. Ter o delinquente, quando commetteu o crime, usado de disfarce para não ser conhecido.

XVII. Ter precedido ajuste entre dous ou mais individuos para o fim de commetter-se o crime.

Artigo 17

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Tambem se julgarão aggravados os crimes

I. Quando, além do mal do crime, resultar outro mal ao offendido, ou á pessoa de sua familia.

II. Quando a dôr physica fôr augmentada mais que o ordinario por alguma circumstancia extraordinaria.

III. Quando o mal do crime fôr augmentado por alguma circumstancia extraordinaria de ignominia.

IV. Quando o mal do crime fôr augmentado pela natureza irreparavel do damno.

V. Quando pelo crime se augmentar a afflicção do afflicto.

Seção II

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Artigo 18

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São circumstancias attenuantes dos crimes

I. Não ter havido no delinquente pleno conhecimento do mal, e directa intenção de o praticar.

II. Ter o delinquente commettido o crime para evitar maior mal.

III. Ter o delinquente commettido o crime em defeza da propria pessoa, ou de seus direitos; em defeza de sua familia, ou de um terceiro.

IV. Ter o delinquente commettido o crime em desaffronta de alguma injuria, ou deshonra, que lhe fosse feita, ou á seus ascendentes, descendentes, conjuge, ou irmãos.

V. Ter o delinquente commettido o crime, oppondo-se á execução de ordens illegaes.

VI. Ter precedido aggressão da parte do offendido.

VII. Ter o delinquente commettido o crime, atterrado de ameaças.

VIII. Ter sido provocado o delinquente.

A provocação será mais ou menos attendivel, segundo fôr mais ou menos grave, mais ou menos recente.

IX. Ter o delinquente commettido o crime no estado de embriaguez.

Para que a embriaguez se considere circumstancia attenuante, deverão intervir conjunctamente os seguintes requesitos; 1.º que o delinquente não tivesse antes della formado o projecto do crime; 2.º que a embriaguez não fosse procurada pelo delinquente como meio de o animar á perpetração do crime; 3.º que o delinquente não seja costumado em tal estado a commetter crimes.

X. Ser o delinquente menor de vinte e um annos.

Quando o réo fôr menor de dezasete annos, e maior de quatorze, poderá o Juiz, parecendo-lhe justo, impôr-lhe as penas da complicidade.

Seção III

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Artigo 19

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Influirá tambem na aggravação, ou attenuação do crime a sensibilidade do offendido.

Artigo 20

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As circumstancias mencionadas neste capitulo deverão ser provadas, e na duvida impor-se-ha a pena no gráo medio.

Capítulo IV

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Da Satisfação.

Artigo 21

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O delinquente satisfará o damno, que causar com o delicto.

Artigo 22

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A satisfação será sempre a mais completa, que fôr possivel, sendo no caso de duvida á favor do offendido.

Para este fim o mal, que resultar á pessoa, e bens do offendido, será avaliado em todas as suas partes, e consequencias.

Artigo 23

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No caso de restituição, far-se-ha esta da propria cousa, com indemnização dos deterioramentos, e da falta della, do seu equivalente.

Artigo 24

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Se a propria cousa estiver em poder de terceiro, será este obrigado a entregal-a, havendo a indemnização pelos bens do delinquente.

Artigo 25

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Para se restituir o equivalente, quando não existira propria cousa, será esta avaliada pelo seu preço ordinario, e pelo de affeição, com tanto que este não exceda á somma daquelle.

Artigo 26

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Na satisfação se comprehenderão não só os juros ordinarios, os quaes se contarão na proporção do damno causado, e desde o momento do crime, mas tambem os juros compostos.

Artigo 27

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Quando o crime fôr commettido por mais de um delinquente, a satisfação será á custa de todos, freando porém cada um delles solidariamente obrigado, e para esse fim se haverão por especialmente hypothecados os bens dos delinquentes desde o momento do crime.

Artigo 28

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Serão obrigados á satisfação, posto que não sejam delinquentes:

I. O senhor pelo escravo até o valor deste.

II. O que gratuitamente tiver participado dos productos do crime até a concorrente quantia.

Artigo 29

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A obrigação de satisfazer o damno na fórma dos artigos antecedentes, passa aos herdeiros dos delinquentes até o valor dos bens herdados, e o direito de haver a satisfação passa aos herdeiros dos offendidos.

Artigo 30

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A completa satisfação do offendido preferirá sempre ao pagamento das multas, a que tambem ficarão hypothecados os bens dos delinquentes, na fórma do art. 27.

Artigo 31

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A satisfação não terá lugar antes da condemnação do delinquente por sentença em juizo criminal, passada em julgado. Exceptua-se:

I. O caso da ausencia do delinquente, em que se poderá demandar, e haver a satisfação por meio de acção civil.

II. O caso, em que o delinquente tiver fallecido depois da pronuncia, no qual poderá haver-se dos herdeiros a satisfação por meio de acção civil.

III. O caso, em que o offendido preferir o usar da acção civil contra o delinquente.

Artigo 32

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Em todo o caso, não tendo o delinquente meios para a satisfação, dentro em oito dias, que lhe serão assignados, será condemnado a prisão com trabalho pelo tempo necessario para ganhar a quantia da satisfação.

Esta condemnação porém, ficará sem effeito, logo que o delinquente, ou alguem por elle satisfizer, ou prestar fiança idonea ao pagamento em tempo razoavel, ou o offendido se der por satisfeito.