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Como nada vêem

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A várias pessoas


 
1Como nada vêem
e andam sempre aos tombos
querem os mazombos
que eu cegue também:
não temo ninguém,
e se os matulões
hão medo a prisões,
eu sou de carona:
forro minha cona

2Olhem para a terra
que está nestes anos
gafa de maganos
que El-Rei o desterra:
O pano da Serra
em sedas trocou
quem lá sempre andou
em uma atafona:
forro minha cona
 
3Verão um sandeu
que quer sem disputa
ser filho da puta,
por não ser judeu:
se hábitos perdeu
por ser cristão-novo,
a mim todo o povo
de velho me abona:
forro minha cona

4Aquele é de ver,
que apuros aqueles
explica por eles,
quanto quer dizer:
Não posso sofrer
que um tangarumanga
use de pendanga
com língua asneirona:
forro minha cona
 
5Verão um jumento
de figura rara,
que anda sempre a vara,
por lhe darem vento:
Notável portento
neste tal se enxerga,
pois trás a chomberga
a barba capona:
forro minha cona

6Verão um vilão
na dona montanha
farto de castanha
faminto de pão:
e se bem à mão
com bois e arado
cultivou o prado
de Flora, e Pamona:
forro minha cona

7Clérigo verão
que porque em Cantabra
nasceu de uma cabra
cresceu a cabrão:
Tão fino ladrão
que até a filha alheia
com ser cananéia
furta à mãe putona:
forro minha cona

8Verão um Doutor
em Judá nascido
mais entremetido
que um grande fedor:
Grande assistidor
de Igreja festeira,
que ao longe lhe cheira
como mangerona:
forro minha cona

9Verão um Galego
grande salvajola,
veste à mariola,
anda ao palacego:
Fidalgo Noroego
em cruz de Calvário,
que um certo falsário
nos peitos lhe entona:
forro minha cona
 
10Verão um inocente,
que a fidalgo vai
e calando o pai
a mãe diz somente:
A este impertinente
lembro-lhe o Godim
do pai matachim,
e a mãe vendilhona:
forro minha cona
 
11Verão um pasguate
monstro de ouro, e prata,
que sendo uma pata,
é filho de um gato:
A renda de um trato
pôs por seu regalo
um burro a cavalo
de sela mamona:
forro minha cona

12Entre outros ladrões
verão um letrado
na mente graduado
de quatro asneirões:
Na cara pontões
na idéia nem ponto,
e ou tonto, ou não tonto,
de rico blasona:
forro minha cona

13Verão um alvar
fidalgo tendeiro,
que o pai sapateiro
lhe fez o solar:
Cônego ultramar
por duas patacas
ferrou ontem atacas
e hoje se entona:
forro minha cona
 
14Verão outro Zote,
a quem Satanás
por culpas de atrás
fará galeote:
O tal sacerdote
só prega a doutrina
da lei culatrina,
que ensina, e abona:
forro minha cona

15Verão um Guinéu
moço assalvajado
fidalgo estirado
por quedas, que deu:
O Góis lhe meteu
sogro do seu jeito
a torto, e direito
nobreza sevona:
forro minha cona

16Verão um Gavacho
com sede tamanha,
que a palma se ganha
ao maior borracho:
Beca sem empacho
que no mar caiu,
e o mar lhe fugiu
por ser borrachona:
forro minha cona

17Verão outrossim
entregue ao diabo
um esfola-rabo
pobre colomim:
Mau vilão, ruim,
duas caras trás
ambas muito más
que tudo inficiona:
forro minha cona

18Verão borundangas
que o mundo podia
vender à Bahia
três mil bugigangas:
Figurões de mangas
que não vi em meus dias
nas tapeçarias
de Rasa e Pamplona:
forro minha cona.