Confissões de uma Viúva Moça/I
Ha dous annos tomei uma resolução singular: fui residir em Petropolis em pleno mez de Junho. Esta resolução abrio largo campo ás conjecturas. Tu mesma, nas cartas que me escreveste para aqui, deitaste o espirito a adivinhar e figuraste mil razões, cada qual mais absurda.
A estas cartas, em que a tua solicitude trahia a um tempo dous sentimentos, a affeição da amiga e a curiosidade de mulher, a essas cartas não respondi e nem podia responder. Não era opportuno abrir-te o meu coração nem desfiar-te a serie de motivos que me arredou da côrte, onde as operas do theatro Lyrico, as tuas partidas e os serões familiares do primo Barroso devião distrahir-me da recente viuvez.
Esta circumstancia de viuvez recente acreditavão muitos que fosse o unico motivo da minha fuga. Era a versão menos equivoca. Deixei-a passar como todas as outras e conservei-me em Petropolis.
Logo no verão seguinte vieste com teu marido para cá, disposta a não voltar para a côrte sem levar o segredo que eu teimava em não revelar. A palavra não fez mais do que a carta. Fui discreta como um tumulo, indecifravel como a Sphynge. Depuzeste as armas e partiste.
Desde então não me trataste senão por tua Sphynge.
Era Sphynge, era. E se, como Œdipo, tivesses respondido ao meu enigma a palavra « homem » descobririas o meu segredo, e desfarias o meu encanto.
Mas não anticipemos os acontecimentos, como se diz nos romances.
É tempo de contar-te este episodio da minha vida.
Quero fazêl-o por cartas e não por boca. Talvez corasse de ti. D’este modo o coração abre-se melhor e a vergonha não vem tolher a palavra nos labios. Repara que eu não fallo em lagrimas, o que é um symptoma de que a paz voltou ao meu espirito.
As minhas cartas irão de oito em oito dias, de maneira que a narrativa póde fazer-te o effeito de um folhetim de periodico semanal.
Dou-te a minha palavra de que has de gostar e aprender.
E oito dias depois da minha ultima carta irei abraçar-te, beijar-te, agradecer-te. Tenho necessidade de viver. Estes dous annos são nullos na conta de minha vida: forão dous annos de tedio, de desespero intimo, de orgulho abatido, de amor abafado.
Lia, é verdade. Mas só o tempo, a ausencia, a idéa do meu coração enganado, da minna dignidade offendida, puderão trazer-me a calma necessaria, a calma de hoje.
E sabe que não ganhei só isto. Ganhei conhecer um homem cujo retrato trago no espirito e que me parece singularmente parecido com outros muitos. Já não é pouco; e a lição ha de servir-me, como a ti, como ás nossas amigas inexperientes. Mostra-lhes estas cartas; são folhas de um roteio que se eu tivera antes, talvez, não houvesse perdido uma illusão e dous annos de vida.
Devo terminar esta. É o prefacio do meu romance, estudo, conto, o que quizeres. Não questiono sobre a designação, nem consulto para isso os mestres d’arte.
Estudo ou romance, isto é simplesmente um livro de verdades, um episodio singelamente contado, na confabulação intima dos espiritos, na plena confiança de dous corações que se estimão e se merecem.
Adeos.