Confissões de uma Viúva Moça/VI
Seguírão-se alguns dias ás scenas que eu te contei na minha carta passada.
Activou-se entre mim e Emilio uma correspondencia. No fim de quinze dias eu só vivia do pensamento d’elle.
Ninguem dos que frequentavão a nossa casa, nem mesmo tu, pôde descobrir este amor. Eramos dous namorados discretos a ultimo ponto.
É certo que muitas vezes me perguntavão porque é que eu me distrahia tanto e andava tão melancolica; isto chamava-me á vida real e eu mudava logo de parecer.
Meu marido sobretudo parecia soffrer com as minhas tristezas.
A sua solicitude, confesso, incommodava-me. Muitas vezes lhe respondia mal, não já porque eu o odiasse, mas porque de todos era elleo unico a quem eu não quizera ouvir d’estas interrogações.
Um dia voltando para casa á tarde chegou-se elle a mim e disse:
— Eugenia, tenho uma noticia a dar-te.
— Qual?
— E que te ha de agradar muito.
— Vejamos qual é.
— É um passeio.
— Aonde?
— A idéa foi minha. Já fui ao Emilio e elle applaudio muito. O passeio deve ser domingo á Gavia; iremos d’aqui muito cedinho. Tudo isto, é preciso notar, não está decidido. Depende de ti. O que dizes?
— Approvo a idéa.
— Muito bem. A Carlota póde ir.
— E deve ir, accrescentei eu; e algumas outras amigas.
Pouco depois recebias tu e outras um bilhete de convite para o passeio.
Lembras-te que lá fomos. O que não sabes é que n’esse passeio, a favor da confusão e da distracção geral, houve entre mim e Emilio um dialogo que foi para mim a primeira amargura de amor.
— Eugenia, dizia elle dando-me o braço, estás certa de que me amas?
— Estou.
— Pois bem. O que te peço, nem sou eu que te peço, é o meu coração, é o teu coração que te pedem, um movimento nobre capaz de nos engrandecer aos nossos proprios olhos. Não haverá um recanto no mundo em que possamos viver, longe de todos e perto do céo?
— Fugir?
— Sim!
— Oh! isso nunca!
— Não me amas.
— Amo, sim; é já um crime, não quero ir além.
— Recusas a felicidade?
— Recuso a deshonra.
— Não me amas.
— Oh! meu Deos, como respondêl-o? Amo, sim; mas desejo ficar a seus olhos a mesma mulher, amorosa é verdade, mas até certo ponto... pura.
— O amor que calcula, não é amor.
Não respondi. Emilio disse estas palavras com uma expressão tal de desdem e com uma intenção de ferir-me que eu senti o coração bater-me apressado, e subir-me o sangue ao rosto.
O passeio acabou mal.
Esta scena tornou Emilio frio para mim; eu soffria com isso; procurei tornal-o ao estado anterior; mas não consegui.
Um dia em que nos achavamos a sós, disse-lhe:
— Emilio, se eu amanhã te acompanhasse, o que farias?
— Cumpria essa ordem divina.
— Mas depois?
— Depois? perguntou Emilio com ar de quem estranhava a pergunta.
— Sim, depois, continuei eu; depois quando o tempo volvesse não me havias de olhar com desprezo?
— Desprezo? Não vejo...
— Como não? Que te mereceria eu depois?
— Oh! esse sacrifício seria feito por minha causa, eu fôra cobarde se te lançasse isso em rosto.
— Dil-o-hias no teu intimo.
— Juro que não.
— Pois a meus olhos é assim; eu nunca me perdoaria esse erro.
Emilio pôz o rosto nas mãos e pareceu chorar. Eu que até alli fallava com esforço, fui a elle e tirei-lhe o rosto das mãos.
— Que é isto? disse eu. Não vês que me fazes chorar tambem?
Elle olhou para mim com os olhos rasos de lagrimas. Eu tinha os meus humidos.
— Adeos, disse elle repentinamente. Vou partir.
E deu um passo para a porta.
— Se me promettes viver, disse-lhe, parte; se tens alguma idéa sinistra, fica.
Não sei o que vio elle no meu olhar, mas tomando a mão que eu lhe estendia beijou-a repetidas vezes (erão os primeiros beijos) e disse-me com fogo:
— Fico, Eugenia!
Ouvímos um ruido fóra. Mandei ver. Era meu marido que chegava enfermo. Tinha tido um ataque no escriptorio. Tornára a si, mas achava-se mal. Alguns amigos o trouxerão dentro de um carro.
Corri para a porta. Meu marido vinha pallido e desfeito. Mal podia andar ajudado pelos amigos.
Fiquei desesperada, não cuidei de mais cousa alguma. O medico que acompanhára meu marido mandou logo fazer algumas applicações de remedios. Eu estava impaciente; perguntava a todos se meu marido estava salvo.
Todos me tranquillisavão.
Emilio mostrou-se pezaroso com o acontecimento. Foi a meu marido e apertou-lhe a mão.
Quando Emilio quiz sahir, meu marido disse-lhe:
— Olhe, sei que não póde estar aqui sempre; peço-lhe, porém, que venha, se puder, todos os dias.
— Pois não, disse Emilio.
E sahio.
Meu marido passou mal o resto d’aquelle dia e a noite. Eu não dormi. Passei a noite no quarto.
No dia seguinte estava exhausta. Tantas commoções diversas e uma vigilia tão longa deixárão-me prostrada: cedi a força maior. Mandei chamar a prima Elvira e fui deitar-me.
Fecho esta carta n’este ponto. Pouco falta para chegar ao termo da minha triste narração.
Até domingo.