Contos Populares Portuguezes/A machadinha

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XLI


A MACHADINHA


Um camponez tinha uma filha, e casou-a com um rapaz da sua terra. No dia da boda estando á mesa, os noivos, os paes e as mães d'elles, e muitos convidados, disse o camponez para a mulher: «Oh Maria, vae á adega buscar mais vinho, pois quero fartar os nossos convidados.» Foi a mulher á adega, e ia-se passando muito tempo sem que ella voltasse. Então o camponez levantou-se da mesa e foi ver se tinha succedido alguma cousa á mulher. Chegado á adega, viu a mulher parada a olhar para uma machadinha que estava pendurada no tecto, e perguntou-lhe: «Oh mulher! que estás tu ahi a fazer?» Responde-lhe ella: «Olha homem; estava a lembrar-me que quando a nossa filha tiver pequenos, se elles para aqui vierem brincar, que lhe póde cair aquella machadinha na cabeça e matal-os!» «Dizes bem mulher; ai se tal succedia!» E ficou tambem a olhar para a machadinha. Vendo a noiva que o pae e a mãe não vinham foi ter com elles á adega, e perguntou-lhe o que estavam fazendo ali. Então elles responderam: «Olha, filha, estavamo-nos lembrando que em tu tendo meninos, se elles vierem brincar para aqui, que lhe póde cair aquella machadinha na cabeça e matal-os.» «É verdade, senhora mãe, que póde isso acontecer.» E lá ficou tambem a olhar para a machadinha. Pouco a pouco todos os convidados que estavam á mesa, foram para a adega olhar para a machadinha.

Restava só o noivo, que foi por ultimo, mas ao ver a doidice d'aquella gente, fugiu, em busca d'uma terra onde não houvesse gente tão doida. Ao chegar a uma terra, viu muita gente a fugir, outros subindo para cima das arvores, e de muros, e outros fechando as portas e as janellas, finalmente havia o terror e o medo por toda a parte; parecia o acabamento do mundo. O rapaz perguntou então o que era a causa de tantos medos como iam n'aquella terra; e responderam-lhe: que andava lá um bicho que comia gente, e que ninguem se atrevia a matal-o. O rapaz ao ver o bicho soltou uma gargalhada, pois a causa do terror d'aquella gente não era mais de que um perú; e offereceu-se para o matar, sob a condição de lhe darem muito dinheiro. Morto o perú recebeu o rapaz grandes sommas de dinheiro e partiu para outra terra. Ali andavam muitas mulheres, e creanças com joeiras ao sol. Elle então perguntou o que andavam fazendo, e responderam-lhe: que andavam a apanhar o sol para o levarem para casa, pois não entrava lá nem de verão nem de inverno. O rapaz respondeu-lhe que ellas não eram capazes de apanhar o sol, mas que se lhe pagassem bem, que elle era capaz de lh'o pôr dentro das casas. As mulheres deram todas muito dinheiro ao rapaz e elle tirou-lhe algumas telhas dos telhados, e logo ellas viram o sol dentro das suas casas. Partiu o rapaz para outra terra, já muito admirado do que tinha visto, quando se lhe depara uma mulher que estava enfeitando uma porca com muitos cordões de ouro, fitas e flores; e perguntou-lhe: «Para onde quereis mandar esse animal, que estaes enfeitando?» Ao que a mulher respondeu: «Saiba vocemecê que eu sou viuva, e que o meu homem fazia hoje annos, e por isso quero ver se encontro um portador para o paraiso, para lhe mandar esta porca, e esta bolsa de dinheiro.» Respondeu o rapaz: «Nunca vocemecê fallou mais a tempo, pois para o paraiso é que eu vou.» A mulher entregou-lhe a porca e o dinheiro. O rapaz já não cabia em si de contente com tanto dinheiro que levava, e convencido que no mundo já não havia gente de juizo, resolvia-se a voltar a casa da sua noiva. No caminho, porém, deteve-se por causa de muitos gritos, de ai, quem me acode! quem me acode! que ouviu e tendo-se aproximado do sitio d'onde partiam os gritos viu muitos homens deitados uns sobre os outros, e perguntou-lhes: «O que estão ai a gritar? por que não se levantam?» Elles responderam: «Estamos aqui ha tres dias sem nos podermos levantar, pois não sabemos quaes são as pernas de cada um.» Respondeu-lhe o rapaz, que ia já fazer com que elles se levantassem, mas que lhe haviam de dar muito dinheiro. Elles logo disseram que todos lhe havim de pagar muito bem. O rapaz pegou então n'um cajado e começou a bater nas pernas dos homens, e elles poseram-se a gritar: «Ai, ai, as minhas pernas!» e começaram todos a levantar-se. Depois deram muito dinheiro ao rapaz, e elle lá voltou muito rico para casa da sua noiva, e mandou tirar a machadinha da adega; e viveu sempre muito feliz.