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Contos Populares Portuguezes/Carneirinho branco

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XXV


CARNEIRINHO BRANCO

Havia uma rainha, que vivia muito desgostosa por não ter filhos; tinha ella muita devoção com uma Senhora da Encarnação que tinha no oratorio, e costumava muitas vezes ir pedir-lhe que lhe désse um filho, e dizia:

«Senhora da Encarnação;
Dae-me um filho
Ainda que seja um leão.»

Um dia que ella estava a uma janella viu passar um pastor com um rebanho de carneirinhos brancos; e foi para o seu oratorio pedir á Senhora:

«Dae-me um filhinho,
Senhora da Encarnação,
Ainda que seja um carneirinho.»

Passado algum tempo deu a rainha á luz um carneirinho branco, que logo que chegou á edade de dois annos disse á rainha. «Minha mãe eu quero casar com a filha do rei do conselho.» Respondeu-lhe a rainha: «Oh meu filho! pois tu, um carneirinho, queres casar?» «Quero sim, minha mãe». Depois transformou-se n'um principe e foi a casa d'um rei do conselho, e disse á que estava para ser sua esposa: «Então a menina quer casar com um carneirinho?» Ao que ella respondeu: «Não tem duvida, que eu quando me for deitar, mato-o.» Casou o carneirinho com a filha mais velha do rei do conselho, e á noite quando se foi deitar, viu que ella tinha uma faca de baixo da cabeceira para o matar; e elle então tirou a faca e matou a menina.

Passado tempo tornou o carneirinho a dizer á mãe: «Minha mãe eu quero casar com a segunda filha do rei do conselho.» «Então tu filho queres casar outra vez?» Foi outra vez o carneirinho a casa do rei do conselho, e disse á que estava para ser sua esposa, o mesmo que tinha dito á irmã, e ella respondeu tambem: «Deixal-o, que eu mato-o.» Casaram, e succedeu o mesmo, que da primeira vez. Tornou outra vez o carneirinho a dier á mãe: «Eu quero casar com a filha mais nova do rei de conselho.» A mãe deu-lhe a mesma resposta que das outras vezes. Foi o carneirinho, outra vez transformado em um lindo principe, dizer á filha mais nova do rei do conselho: «Então a menina quer casar com um carneirinho?» Ao que ella respondeu: «Deixal-o; é Deus que m'o dá.»

Ora o carneirinho branco, era nem mais nem menos do que um principe encantado, e para se transformar em principe despia sempre sete pelles; na noite em que se casou pela terceira vez despiu tambem as sete pelles, e disse á menina, que elle era um principe encantado, mas que ninguem tal sabia, nem mesmo sua propria mãe, e que não dissesse ella nada d'isto a ninguem. A menina ficou muito contente, e não se poude conter sem que n'outro dia fosse dizer á mãe do carneirinho, que seu filho era um principe encantado. Á noite quando se foi deitar, disse-lhe elle: «Recommendei-te que não dissesses que eu era um principe, e tu fostes dizel-o; tinha-se acabado o meu encanto, e tu fizeste com que eu tenha de andar mais sete annos encantado: eu agora vou-me embora para o rio Sul, e tu irás procurar-me.»

Foi-se o carneirinho embora, e a menina, e a mãe d'elle ficaram muito tristes. Passados alguns dias saiu a menina do palacio para ir procurar o carneirinho; e depois de ter andado muito foi ter ao reino da Lua. Tendo ali chegado perguntou á mãe da Lua, se ella lhe saberia dar noticia de um carneirinho branco, assim e assim. Respondeu-lhe ella, que não sabia, mas que se mettesse ella n'aquelle buraquinho, mas que não o fizesse maior, até que viesse sua filha. Chegada a Lua perguntou-lhe a mãe se ella dava noticia do carneirinho branco; ella respondeu que não sabia d'elle, mas que talvez, o Vento, ou o Sol soubessem. Caminhou a menina até chegar a casa do Vento, mas succedeu-lhe o mesmo, que em casa da Lua. Foi a casa do Sol, e a mesma coisa. Já se iam passando os sete annos, e a menina ia perdendo a esperança de encontrar o carneirinho, quando lhe appareceu uma velhinha, e lhe perguntou, o que ella andava fazendo por ali. A menina respondeu que andava em procura do seu esposo, que era um carneirinho branco, e elle tinha partido havia sete annos para o rio Sul, mas que ella não o podia encontrar. Então a velha indicando-lhe uma grande porta disse-lhe: «Aquella porta vae ter ao rio Sul; a menina entre e logo verá muitos passarinhos; aquelle que vier deitar-se a seus pés, esse é o carneirinho branco.»

Foi a menina, e viu muitos passarinhos, e logo veiu um e deitou-se aos pés d'ella, e começou a picar-lh'os. Então a menina disse-lhe: «Tu és o carneirinho branco?» Elle então transformou-se em um principe, e foi com a menina para o palacio de sua mãe; acabou-se o encanto, e viveram muito felizes.

(Coimbra.)