Contos Populares Portuguezes/O burro do azeiteiro
Dois estudantes encontráram n'uma estrada um azeiteiro que ia guiando um burro, carregado de bilhas de azeite. Os estudantes que estavam sem dinheiro, ficaram muito contentes com aquelle encontro e combináram furtar o burro do azeiteiro para o venderem; e emquanto o pobre homem seguia o seu caminho muito socegado da sua vida, levando pela mão a arreata do jumento, um d'elles tirou a cabeçada do burro e collocou-a no pescoço, e o outro escapou-se com o burro e a carga. O que ficou em logar do animal, parou fazendo com que o azeiteiro olhasse para traz. Qual não foi, porem, o espanto d'este vendo um homem em vez do burro!…
O estudante disse para elle com voz muito terna: «Ah! senhor, quanto lhe agradeço ter-me dado uma pancada na moleirinha! quebrou-me o encanto que durante tantos annos me fez jazer burro!…» O azeiteiro tirando o chapeo, disse-me muito humildemente: «Perdi no senhor, como burro, o meu ganha-pão; mas paciencia! Como homem que agora é, peço-lhe muitos perdões… por tel-o maltratado tanta vez; mas que quer?… o senhor fazia-me ás vezes desesperar com as suas birras, e eu não era senhor de mim!»
— Está perdoado, bom homem! disse o estudante, o que lhe peço é que me deixe em paz.
O pobre azeiteiro, quando se viu só, lamentou-se da sua desgraça, e foi pedir dinheiro a um compadre para ir no dia seguinte á feira comprar outro burro. Quando chegou á feira viu lá o jumento que lhe tinha pertencido, e que o estudante, que elle não vira quando lh'o roubaram, estava a vender. O azeiteiro julgando que o homem-burro se tinha transformado outra vez no seu burro, chegou-se ao pé do estudante e pediu-lhe licença para dizer um segredo ao burro. O estudante disse-lhe que sim e o azeiteiro chegando a bocca á orelha do animal, gritou com toda a força:
«Olhe, senhor burro, quem o não conhecer que o compre.»
(Lisboa, d'uma pessoa d'Almeida, Beira-Baixa).