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Contos Populares Portuguezes/O menino e a lua

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LIX


O MENINO E A LUA


Era uma vez um pae que tinha um filho que desde muito pequenino costumava ir para o alto d'um monte olhar para a lua. Um dia o pae foi ter com elle e perguntou-lhe para que estava elle olhando para a lua. O menino respondeu: «É que a lua tem-me dito muitas vezes que meu pae ainda me ha de querer deitar agua nas mãos e eu recusar.» Foi o pae para casa e contou á mulher o que o menino lhe tinha dito e ella respondeu-lhe: «Vejo que o nosso filho quer dizer que nós ainda havemos de ser creados d'elle; o melhor será deital-o ao mar». Foi o pae buscar um caixão, metteu o menino dentro e deitou-o ao mar. O caixão andou tres dias no mar até que foi ter a uma terra muito longe e os pescadores, julgando que n'elle houvesse algum thesouro, foram leval-o ao rei. O rei mandou abrir para vêr o que tinha e vendo que era um menino muito formoso disse que tomava conta d'elle e seria seu filho adoptivo.

Mandou o rei educar o menino como se elle fosse um principe e quando chegou á edade de vinte annos deu-lhe dinheiro para viajar com uma grande companhia de gente, como lhe era dado. Ora o pae e a mãe do menino tinham cahido em pobreza e foram pôr uma estalagem em uma terra para ganhar para viver e tinham sempre grandes remorsos pelo que tinham feito ao filho.

Chegou o principe com a sua companhia áquella terra e foi hospedar-se em casa de seu pae, sem que o conhecesse. Apenas alli tinha chegado veiu logo o pae para deitar agua nas mãos do principe para elle se lavar; mas o principe recusou e o pae estremeceu. Então o principe, notando isto, perguntou-lhe: «Porque é que estremeceste quando me deitaste agua nas mãos?» O pae respondeu-lhe: «É que me lembrei agora de que tive um filho que se agora fosse vivo teria a vossa edade e que o deitei ao mar, porque elle me disse um dia que eu lhe havia ainda de deitar agua nas mãos para elle as lavar e elle recusar.» «Mas que tenho eu com o teu filho?» respondeu o principe. «Não tendes nada; vós sois filho de rei e eu sou um pobre estalajadeiro.» Foi o principe contar tudo ao rei e depois de muitas perguntas e respostas veio-se ao conhecimento de que o principe era filho do estalajadeiro. Então este já queria que o seu filho fosse viver com elle e com sua mãe, mas o rei ordenou que fossem elles para palacio, pois por sua morte o principe havia de ficar no logar d'elle, como rei.

(Coimbra.)