Contos Populares Portuguezes/Os meninos perdidos

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XXVIII


OS MENINOS PERDIDOS


Um pae tinha um filho e uma filha, e costumava mandal-os ao mato buscar lenha: um dia os meninos foram e perderam-se no caminho. Depois de terem caminhado muito, avistaram uma luz; foram-se aproximando, e viram junto da luz uma casa; entraram, e viram uma bruxa, que estava fritando filhozes; a bruxa tinha só um olho, no meio da testa, e por isso não viu logo os meninos. Ora os meninos como iam com muita fome, tiraram com muito geitinho as filhozes, e a bruxa, julgando ser o gato que as tirava, dizia:

«Sape, gato lambião;

logo te dou teu quinhão.»

E continuava a fritar; e os meninos vendo o engano da bruxa, deram uma gargalhada. Ella então olhou para elles e disse:

«Sois vós meus meninos? vinde cá, vinde cá,» e pegou nos meninos, e metteu-os dentro de uma arca de castanhas recomendando-lhe que comessem bastante até estarem bem gordinhos. Os meninos iam comendo as castanhas, e a bruxa disse-lhe um dia: «Mettei o dedinho dinho pelo buraco da fechadura para eu ver se já estaes gordinhos. Os meninos em vez de metterem os dedinhos, metteram um rabo de um ratito que tinham achado na arca. A bruxa disse ao vel-o: «Ainda estaes muito magrinhos; continuae a comer.» Passado tempo tornou outra vez a dizer aos meninos que deixassem ver os dedinhos, e elles já não tiveram remedio senão mostrar-lh'os, pois já não tinham o rabo do rato. Então a bruxa disse-lhe. «Agora já podeis sair da arca, pois já estaes bem gordinhos.» Depois disse aos meninos que fossem buscar lenha para aquecer o forno; e deu-lhe um pão, recommendando-lhe que comessem só o miolo, mas que não o partissem; deu-lhe tambem uma cabaça de vinho, dizendo-lhe que o bebessem sem lhe tirar a rolha; deu-lhe mais dois punhados de tremoços, dizendo-lhe, que os comessem e deitassem as cascas pelo caminho, para depois se guiarem por ellas quando voltassem para casa. Partiram os meninos para o mato; e no caminho encontraram uma velhinha, que lhe perguntou para onde elles iam. Os meninos contaram-lhe tudo que lhes tinha succedido, e disseram-lhe que tinham fome, mas que não sabiam como haviam de comer o pão sem o partir. Então a velhinha, fez-lhe um buraquinho no pão, tirou o miolo e deu-o aos meninos; depois fez tambem um buraquinho na cabaça para os meninos beberem o vinho, e disse-lhes, que fossem appanhar a lenha, que ella os esperava no caminho. Voltaram os meninos do mato, e encontraram outra vez a velhinha que lhes disse: «Meus meninos, a bruxa vae aquecer o forno para vos assar; ella ha-de dizer-vos que danseis na pá, e vós haveis dizer-lhe: dansae vós primeiro que é para nós aprendermos; depois ella dansará, e vós, direis: Valha-me Nossa Senhora, e São José, e deitae-a no forno. Levaram os meninos a lenha; a bruxa aqueceu o forno, e disse aos meninos: «Dansae aqui na pá.» «Dansae vós primeiro para nós aprendermos.» A bruxa poz-se a dançar na pá, e os meninos disseram: «Valha-nos Nossa Senhora, e São José,» e deitaram a bruxa para dentro do forno.

A bruxa deu um grande estoiro e morreu, e os meninos voltaram para casa de seu pae, e levaram o dinheiro que a bruxa tinha em casa.

(Coimbra.)