Contos Populares Portuguezes/O conde encantado

Wikisource, a biblioteca livre
XXVII


O CONDE ENCANTADO

Uma avó tinha uma neta a quem queria muito mal, e um dia disse-lhe que a havia de queimar em vida; e mandou-a buscar lenha para aquecer o forno. A menina foi, muito triste, e em vez de apanhar a lenha foi caminhando, caminhando, até que avistou um palacio; aproximou-se d'elle e bateu; depois appareceu-lhe um conde, e perguntou-lhe o que ella queria: a menina respondeu, que ia ver se a queria para criada, o conde respondeu que sim. Vivia a menina muito feliz no palacio; até que elle disse-lhe um dia que se sentia muito doente, e por isso que ia para casa de sua mãe para se tractar; que de vez em quando a viria visitar, mas que era preciso que ella posesse na janella uma bacia com agua para elle se lavar, e uma toalha para se limpar; e recomendou muito á menina que não chegasse á janella porque podia passar algum homem da terra d'ella e ir dizer á avó que a tinha visto. Punha a menina a toalha todos os dias na janella, e o conde vinha transformado em passarinho; lavava-se na agua e entrava em casa, apparecendo á menina já transformado outra vez em homem.

Um dia a menina ficou mais um bocado á janella, e n'isto passou um homem da terra d'ella, e viu-a e foi contar á avó da menina, que a tinha visto, e que ella tinha na janella uma bacia com agua, e uma toalha. Então a avó disse ao homem que fosse elle deitar no fundo da bacia, uma roda de navalhas bem afiadas, mas que a neta não percebesse. Foi o homem lá pôr as navalhas; e quando o passarinho se foi lavar na agua, cortou-se todo nas navalhas, e limpou-se á toalha deixando-a toda ensanguentada; depois foi-se embora sem apparecer á menina. Passaram-se muitos dias sem a menina ter noticia do conde, e como ella visse a roda das navalhas na bacia, e o sangue na toalha, andava muito triste por se lembrar que o conde teria morrido. Finalmente o conde mandou por um creado dizer á menina que estava muito doente, e que era preciso que ella o fosse ver, mas que levasse uns figados de rolas, para com elles o curar. Partiu a menina sosinha por esses caminhos, pois a casa da mãe do conde ficava muito longe d'aquelles sitios; e quando anoiteceu deitou-se debaixo d'uma arvore, esperando que apparecesse alguma rola para lhe tirar os figados. Quando amanheceu já a menina tinha apanhado algumas, e depois foi pedir a um pastor que lhe ensinasse o caminho para o palacio da mãe do conde.

Chegada ali pisou os figados das rolas em um almofariz, e começou a tractar o conde com elles, de forma que em pouco tempo já elle estava bom. Então o conde disse á mae, que queria casar com a menina pois só ella tinha feito com que acabasse o seu encanto, pois nunca tinham conseguido arranjarem os figados de rolas para o curarem. Casaram e tiveram muita fortuna.

(Coimbra.)